Torsão Gástrica em Pastor Alemão: Uma Corrida Contra o Tempo que Você Pode Vencer
Você provavelmente já ouviu histórias de terror no parque ou no grupo de criadores. Um Pastor Alemão saudável, cheio de vida, janta tranquilamente e, poucas horas depois, está lutando pela vida em uma mesa de cirurgia. Como veterinário, posso afirmar que poucas emergências nos assustam e nos mobilizam tanto quanto a Síndrome de Dilatação Volvo-Gástrica (DVG), popularmente conhecida como torção gástrica.
Não estou aqui para causar pânico, mas para te dar o poder da informação. O seu Pastor Alemão possui uma anatomia nobre e atlética que, infelizmente, joga contra ele nesse aspecto específico. Entender o que acontece dentro do abdômen do seu cão não é apenas curiosidade biológica, é uma ferramenta de vigilância que pode salvar a vida do seu melhor amigo.
Vou te guiar por tudo o que você precisa saber, sem o “veterinês” complicado, mas com a profundidade técnica que a saúde do seu cão exige. Vamos falar sobre prevenção real, sinais que muitos ignoram e como agir quando cada segundo conta.
A Anatomia do Risco no Pastor Alemão
O Pastor Alemão é uma obra-prima da cinofilia, projetado para o trote incansável e o trabalho árduo. No entanto, a mesma estrutura que o torna ágil cria o cenário perfeito para a torção gástrica. Diferente de cães com tórax em forma de barril ou mais cilíndricos, o Pastor possui o que chamamos de tórax profundo e estreito. Imagine um corredor alto e magro em comparação a um levantador de peso atarracado.
Essa profundidade torácica cria um espaço vertical maior dentro da cavidade abdominal, onde o estômago fica suspenso. Em cães com essa conformação, o estômago tem mais liberdade de movimento, quase como uma rede de descanso que pode balançar. Quando esse estômago fica pesado com comida, água ou gás, e o cão se movimenta, esse balanço pode ganhar força suficiente para girar sobre o próprio eixo. É a anatomia facilitando um acidente mecânico interno que bloqueia as vias de entrada e saída do órgão.
Além do formato do corpo, existe uma frouxidão ligamentar natural que varia de cão para cão. Os ligamentos que deveriam segurar o estômago no lugar podem ser mais complacentes em alguns indivíduos. Isso explica por que, às vezes, dois cães comem a mesma ração e fazem o mesmo exercício, mas apenas um desenvolve a torção. Não é apenas azar, é uma combinação de arquitetura corporal com a integridade dos tecidos internos que sustentam as vísceras.
Entendendo o conceito de tórax profundo
Quando falo em tórax profundo, estou me referindo à distância entre a coluna vertebral e o esterno do seu cão na região das costelas. No Pastor Alemão, essa caixa torácica é lateralmente achatada. Isso permite que o coração e os pulmões trabalhem com eficiência durante corridas longas, mas deixa “sobras” de espaço na parte caudal (traseira) do tórax e início do abdômen.
Esse espaço extra é o grande vilão. Em cães menores ou mais largos, o estômago está empacotado firmemente entre outros órgãos e a parede abdominal. No seu Pastor, o estômago tem espaço para pendular. Durante uma brincadeira ou até mesmo ao subir escadas rapidamente após comer, a inércia do estômago cheio em um espaço amplo permite que ele ganhe momento angular.
Você deve visualizar isso não como um defeito, mas como uma característica da raça que exige manejo específico. Assim como você não coloca combustível comum em um carro de fórmula 1, você não pode manejar a alimentação de um cão de tórax profundo da mesma forma que faria com um Beagle. A consciência sobre essa geometria corporal é o primeiro passo para a prevenção eficaz.
A mecânica da dilatação seguida de torção
Muitos tutores confundem dilatação com torção, mas elas são processos distintos que geralmente ocorrem juntos. A dilatação acontece quando o estômago se enche de gás, comida ou líquido e não consegue esvaziar. Pense nisso como um balão sendo inflado dentro da barriga do seu cão. Se fosse apenas isso, seria doloroso, mas resolveríamos com uma sonda.
O problema é a torção, ou volvo. Com o estômago dilatado e pesado, ele gira. Geralmente, ele rotaciona no sentido horário, torcendo o esôfago e o duodeno. Imagine torcer um saco de lixo cheio para fechá-lo. Quando isso acontece, o gás não tem para onde sair (o cão não consegue arrotar) e o conteúdo não desce para o intestino. O estômago se torna uma panela de pressão fechada, fermentando e expandindo rapidamente.
O aspecto mais letal dessa mecânica não é apenas a dor gástrica, mas o que ela faz com a circulação. O estômago torcido comprime a veia cava caudal e a veia porta. Essas são as grandes rodovias que trazem o sangue da parte de trás do corpo e dos órgãos abdominais de volta ao coração. Quando você bloqueia essas vias, o retorno sanguíneo cai drasticamente, o coração começa a bater “no vazio” e o cão entra em choque circulatório em questão de minutos.
O impacto genético e hereditário
Você sabia que se um parente de primeiro grau (pai, mãe ou irmão) do seu cão teve torção gástrica, o risco dele desenvolver o problema aumenta significativamente? Estudos veterinários mostram uma correlação genética forte. Isso não significa que existe um único “gene da torção”, mas sim que a conformação do tórax, o temperamento e a qualidade dos ligamentos são herdados.
Ao escolher um filhote ou conversar com o criador do seu cão atual, essa é uma pergunta vital: “Houve casos de volvo gástrico na linha de sangue?”. Criadores sérios monitoram isso e tentam não reproduzir linhagens com alta incidência do problema. No entanto, mesmo com uma boa genética, a biologia não é matemática exata e o risco nunca é zero.
Saber o histórico familiar do seu Pastor Alemão permite que você seja mais proativo. Se o risco genético é alto, a gastropexia preventiva (cirurgia para fixar o estômago) deixa de ser uma opção e passa a ser uma recomendação enfática. Não espere o problema acontecer se a árvore genealógica do seu animal já está te dando bandeiras vermelhas.
Reconhecendo os Sinais de Emergência em Casa
O tempo é o único recurso que você não consegue recuperar na torção gástrica. A diferença entre a vida e a morte muitas vezes reside na capacidade do tutor de ler os sinais sutis iniciais. Muitos cães são estoicos; eles aguentam a dor em silêncio até não poderem mais. O Pastor Alemão, leal e focado, muitas vezes tenta disfarçar o desconforto para não preocupar o dono.
Você precisa se tornar um observador obsessivo do comportamento do seu cão após as refeições. A mudança geralmente é abrupta. O cão que estava bem há dez minutos agora parece que não encontra posição para deitar. Ele deita, levanta, deita de novo, alonga o corpo e geme baixinho. Essa inquietação é o primeiro grito de socorro do organismo.
Não espere ver todos os sintomas de uma vez. Às vezes, o único sinal é uma apatia repentina acompanhada de um olhar de pânico ou dor profunda. Se o seu instinto diz que há algo errado com a barriga dele, acredite no seu instinto. É preferível ir ao veterinário e descobrir que eram apenas gases simples do que esperar em casa e perder a janela de oportunidade cirúrgica.
A tentativa improdutiva de vômito
Este é o sinal clássico e o mais alarmante de todos. O cão assume a posição de vômito, contrai o abdômen, faz o som característico de ânsia, mas nada sai. Talvez saia um pouco de espuma branca ou saliva espessa, mas o conteúdo gástrico (a ração) não é expelido. Isso acontece porque a torção fechou o esôfago na entrada do estômago.
O corpo tenta desesperadamente esvaziar o órgão distendido, mas a “porta” está trancada mecanicamente. Você verá seu cão tentar vomitar várias vezes seguidas, com intervalos curtos, demonstrando angústia crescente. A cada tentativa, ele pode engolir mais ar, piorando a distensão.
Se você presenciar esse vômito não produtivo, pare tudo o que está fazendo. Não tente dar remédios caseiros, não ofereça água e não espere para ver se passa. Esse é o sinal universal da torção gástrica. Pegue a chave do carro e vá para o hospital veterinário mais próximo imediatamente.
A distensão abdominal e o som timpânico
A barriga do seu cão vai mudar de formato. No início, pode ser sutil, mas rapidamente a região atrás das costelas começa a inchar, ficando dura e proeminente. Em cães de pelo longo, isso pode ser difícil de ver visualmente logo de cara, então use suas mãos. A sensação ao tocar é de uma dureza anormal, como se fosse um tambor esticado ao máximo.
Você pode fazer um teste rápido e suave: dê pequenos “piparotes” (batidinhas leves com a ponta do dedo) na parede abdominal distendida. Se ouvir um som oco, semelhante ao de um tambor ou uma melancia madura, chamamos isso de som timpânico. Isso indica uma grande acumulação de gás sob pressão.
Lembre-se que a dor nessa região é excruciante. Seu cão pode rosnar ou tentar morder se você apertar, não por agressividade, mas por defesa. A pele fica tão esticada que brilha, e a respiração do animal torna-se curta e rápida, pois o estômago gigante pressiona o diafragma, impedindo que os pulmões se expandam totalmente.
Sinais de choque e alteração comportamental
À medida que a compressão das veias progride, o cão entra em choque hipovolêmico e endotóxico. O sangue não circula, os tecidos começam a morrer e liberam toxinas na corrente sanguínea. O comportamento do animal muda da inquietação para a depressão profunda. Ele pode colapsar, ser incapaz de levantar ou ficar deitado de lado ofegante.
Verifique as gengivas do seu cão. Levante o lábio superior. Em um cão saudável, a gengiva é cor de rosa e, se você apertar com o dedo e soltar, a cor volta em menos de dois segundos. Na torção, as gengivas estarão pálidas (brancas), acinzentadas ou até num tom vermelho-tijolo congesto. O tempo de preenchimento capilar será lento.
Além disso, as extremidades (patas e orelhas) podem ficar frias ao toque, enquanto a frequência cardíaca dispara. O coração tenta compensar a falta de volume sanguíneo batendo freneticamente (taquicardia). Se você colocar a mão no peito dele, sentirá o coração “querendo sair pela boca”. Esse é o estágio crítico pré-óbito.
Protocolos de Ação Imediata e Diagnóstico
Quando você chega à clínica com uma suspeita de torção, a equipe veterinária vai pular a burocracia inicial. Nós sabemos que estamos correndo contra o relógio. O diagnóstico precisa ser confirmado em minutos para que a cirurgia comece. Não se ofenda se formos diretos e rápidos; estamos focados em salvar seu animal.
O seu papel nesse momento é fornecer informações rápidas e precisas: a que horas ele comeu? O que ele comeu? Quando começaram os sintomas? Ele tem histórico de problemas cardíacos? Essas respostas ajudam o anestesista a preparar o protocolo de drogas mais seguro para um paciente que já está instável cardiovascularmente.
O diagnóstico definitivo é visual, através de uma radiografia. A imagem é inconfundível até para leigos: o estômago aparece gigante, cheio de gás, e muitas vezes vemos uma linha de tecido mole dividindo o órgão, o que chamamos de sinal do “Papa-Léguas” ou “boné frigio”. Essa imagem confirma que o estômago não está apenas dilatado, mas torcido.
O transporte seguro até o hospital
O trajeto até o veterinário é angustiante, mas você precisa manter a calma para dirigir com segurança. Se possível, peça para alguém dirigir enquanto você vai no banco de trás com o cão. Tente mantê-lo o mais calmo possível. O estresse aumenta a frequência cardíaca e a demanda de oxigênio, piorando o choque.
Evite pressionar a barriga do animal durante o transporte. Deixe-o na posição que ele encontrar menos desconfortável. Mantenha o ar condicionado do carro ligado ou as janelas abertas; o ambiente fresco ajuda a combater a sensação de falta de ar e o superaquecimento causado pelo esforço respiratório.
Ligue para a clínica enquanto estiver a caminho. Avise: “Estou chegando com um Pastor Alemão com suspeita de torção gástrica”. Isso permite que a equipe prepare a sala de emergência, ligue o aparelho de raio-x e deixe os cateteres e fluidos prontos. Esses 5 minutos de aviso prévio valem ouro.
A descompressão gástrica de emergência
Muitas vezes, antes mesmo de entrar no centro cirúrgico, precisamos aliviar a pressão interna para que o cão consiga respirar e o coração volte a receber sangue. Existem duas formas principais de fazer isso. A primeira é tentar passar uma sonda orogástrica (um tubo pela boca até o estômago).
Se a torção for completa, a sonda não passa. Nesse caso, realizamos a trocantrização. Usamos uma agulha grossa ou cateter para perfurar a parede lateral do abdômen diretamente no estômago e deixar o gás escapar. O som do gás saindo é, ironicamente, um alívio para todos na sala. A barriga murcha um pouco, o cão respira melhor e a pressão sanguínea melhora momentaneamente.
Essa descompressão não cura a torção. O estômago continua torcido. Ela é apenas uma medida de salvamento para estabilizar o paciente o suficiente para que ele suporte a anestesia geral. É uma ponte vital entre a chegada na emergência e a mesa de cirurgia.
A estabilização pré-cirúrgica necessária
Não podemos simplesmente abrir um cão que está em choque profundo; ele morreria na mesa. Precisamos de um acesso venoso calibroso (às vezes dois, um em cada pata dianteira) para infundir grandes volumes de fluidos cristaloides e coloides. O objetivo é “encher” os vasos sanguíneos novamente para combater a hipotensão.
Administramos analgésicos potentes (opioides) para controlar a dor severa e oxigenoterapia para ajudar os tecidos que estão sofrendo hipóxia. Também podemos usar medicamentos para estabilizar o ritmo cardíaco se houver arritmias graves detectadas no eletrocardiograma inicial.
Essa fase é intensa e pode durar de 15 a 30 minutos. Pode parecer que estamos demorando para operar, mas estamos na verdade preparando o terreno para que a cirurgia seja possível. Operar um paciente hemodinamicamente instável é uma sentença de morte, então essa estabilização agressiva é parte integrante do tratamento.
A Cirurgia e a Gastropexia
A laparotomia exploratória para correção de DVG é uma cirurgia de grande porte. Ao abrirmos o abdômen, muitas vezes o estômago “pula” para fora devido à pressão. O cirurgião precisa identificar o sentido da torção e desfazer o nó manualmente. É uma manobra delicada, pois os tecidos estão friáveis e podem se romper.
Uma vez destorcido, lavamos o estômago (através de sonda) para remover todo o conteúdo de comida e gás remanescente. Então, inspecionamos a cor do estômago. Se ele estiver rosado, ótimo. Se estiver roxo ou preto, significa que o tecido morreu por falta de sangue (necrose) e precisaremos remover parte do estômago (gastrectomia).
A complexidade da cirurgia depende do tempo que o cão ficou torcido. Quanto mais rápido o atendimento, maior a chance de o estômago estar íntegro. O sucesso cirúrgico não é apenas colocar tudo no lugar, é garantir que os órgãos sobrevivam à agressão isquêmica que sofreram.
O reposicionamento do estômago
Reposicionar o estômago não é apenas girá-lo de volta. Precisamos verificar se não há aderências ou danos a outros órgãos próximos. O omento (uma membrana gordurosa que cobre os intestinos) muitas vezes está rasgado ou congestionado. O cirurgião examina cuidadosamente toda a cavidade abdominal para garantir que não restam torções em alças intestinais secundárias.
Durante esse processo, a equipe de anestesia monitora a liberação de toxinas. Quando destorcemos o estômago, o sangue que estava “preso” e cheio de toxinas metabólicas é liberado de volta para a circulação geral. Isso pode causar uma queda súbita de pressão ou arritmias cardíacas severas, fenômeno conhecido como lesão de reperfusão.
Por isso, o momento da destorção é comunicado em voz alta na sala de cirurgia, para que todos fiquem alertas às alterações nos monitores vitais. É um trabalho de equipe sincronizado entre cirurgião e anestesista.
Avaliação da viabilidade do baço
O baço é vizinho de parede do estômago e compartilha vasos sanguíneos com ele. Quando o estômago gira, ele frequentemente leva o baço junto. Isso pode torcer os vasos esplênicos, cortando o suprimento de sangue para o baço ou causando uma trombose.
Em muitos casos de torção gástrica, o baço está tão danificado, infartado ou necrosado que precisamos removê-lo (esplenectomia). A boa notícia é que os cães vivem perfeitamente bem sem o baço. A má notícia é que isso aumenta o tempo cirúrgico e a perda de sangue.
Sempre avaliamos o baço criteriosamente. Se houver chance de recuperação, tentamos preservá-lo. Mas se ele for deixado necrosado lá dentro, causará sepse e morte no pós-operatório. A decisão é tomada ali, com o abdômen aberto, baseada na aparência e pulsação do órgão.
A técnica da Gastropexia para evitar recidivas
Se você operar seu cão, destorcer o estômago e não fizer a gastropexia, a chance de ele ter outra torção no futuro é altíssima, beirando os 80%. O estômago continua solto e a anatomia continua a mesma. Por isso, a gastropexia é obrigatória.
Esse procedimento consiste em costurar permanentemente a parede do estômago (geralmente a região do antro pilórico) à parede muscular interna do abdômen (costela ou musculatura lateral direita). Isso cria uma adesão forte, uma “âncora”.
Com a gastropexia, o estômago ainda pode dilatar (encher de gás) se o cão comer demais, mas ele não consegue mais girar. E é o giro que mata. Essa técnica transforma um problema potencialmente mortal em um problema apenas desconfortável (indigestão) no futuro.
O Pós-Operatório Crítico e Monitoramento
A cirurgia acabou, seu cão acordou, mas a batalha ainda não está ganha. Os primeiros 3 a 5 dias após a cirurgia são a zona de perigo. É nesse período que complicações decorrentes do choque inicial e da inflamação sistêmica podem aparecer. O Pastor Alemão, apesar de forte, é sensível a essas alterações metabólicas.
Você deve estar preparado para um período de internação. Raramente mandamos um cão para casa no mesmo dia da cirurgia de torção. Ele precisa de fluidoterapia contínua para manter os rins funcionando (que podem ter sofrido com a pressão baixa) e monitoramento constante.
Quando ele for para casa, sua casa se tornará uma unidade de terapia intensiva leve. O ambiente deve ser calmo, controlado e higienizado. Você será o enfermeiro principal, responsável por observar não apenas a ferida cirúrgica, mas o estado geral de ânimo e fisiologia do seu pet.
Monitoramento de arritmias cardíacas
Esta é a complicação pós-operatória mais comum e perigosa. Cerca de 40% a 50% dos cães com DVG desenvolvem arritmias cardíacas (geralmente complexos ventriculares prematuros) nas 12 a 72 horas após o evento. Isso ocorre devido à liberação de fatores inflamatórios que irritam o músculo cardíaco e à falta de oxigenação prévia.
No hospital, monitoramos isso com ECG contínuo. Em casa, você deve observar sinais de fraqueza, desmaios ou gengivas pálidas novamente. Se o seu cão parecer “aéreo” ou desabar ao tentar caminhar, pode ser o coração falhando em manter o ritmo.
Muitas vezes, essas arritmias são temporárias e se resolvem sozinhas conforme o corpo desinflama. Em outros casos, precisamos enviar o cão para casa com medicação antiarrítmica por algumas semanas. Seguir o horário desses remédios é crucial.
Manejo da dor e proteção gástrica
A incisão é grande e a manipulação interna foi intensa. A dor inibe a recuperação, suprime o apetite e baixa a imunidade. Não tenha medo dos analgésicos. Usamos combinações de opióides fracos (como tramadol) com anti-inflamatórios e dipirona. O conforto do seu cão é prioridade.
Além da dor muscular, o estômago está gastrite severa devido ao trauma. Protetores gástricos como omeprazol ou pantoprazol, juntamente com sucralfato (que faz um curativo na mucosa interna), são prescrições padrão.
O vômito no pós-operatório é perigoso pois aumenta a pressão abdominal. Se seu cão sentir náusea ou vomitar, entre em contato com o veterinário para ajuste da medicação antiemética (como maropitant ou ondansetrona). O estômago precisa de repouso absoluto de esforço.
Reintrodução alimentar gradual
Não vamos encher o pote de ração assim que ele chegar em casa. O estômago está cicatrizando e a digestão está lenta. A reintrodução alimentar começa com água e pequenas quantidades de dieta pastosa ou úmida gastrointestinal.
Ofereça “almôndegas” de comida a cada 3 ou 4 horas. O volume total do dia deve ser dividido em 6 a 8 pequenas refeições. Nada de grandes banquetes. O estômago não pode distender de forma alguma nessa fase para não forçar os pontos da gastropexia.
Gradualmente, ao longo de 10 a 14 dias, vamos diminuindo a frequência e aumentando o volume, além de misturar a ração seca novamente. A transição deve ser lenta. Se houver diarreia ou estufamento, damos um passo atrás. A paciência na alimentação é a chave da cicatrização interna.
Reestruturando a Rotina Alimentar e Ambiental
Após o susto e a recuperação, a vida volta ao normal, mas será um “novo normal”. Você não pode voltar aos velhos hábitos que colocaram seu Pastor Alemão em risco. A prevenção de recorrência (ou prevenção primária em outros cães da casa) exige uma mudança de cultura na sua rotina.
Muitos tutores perguntam: “O que eu fiz de errado?”. Na maioria das vezes, nada intencional. Mas agora que você sabe como a anatomia funciona, deve adaptar o manejo. O objetivo é evitar que o estômago fique muito cheio de uma só vez e evitar que ele balance violentamente.
Essas mudanças são simples de implementar, mas exigem consistência. Todos na casa devem seguir as regras: crianças, visitas e cuidadores. A rotina alimentar torna-se um ritual de calma e segurança, não apenas o momento de jogar ração na tigela.
A escolha e o uso de comedouros funcionais
O tipo de comedouro importa. Existem comedouros chamados de “slow feeders” ou comedouros lentos. Eles possuem labirintos e obstáculos que obrigam o cão a comer devagar, grão por grão, em vez de aspirar a comida. Isso reduz a ingestão de ar (aerofagia) e melhora a digestão.
Confira esta tabela comparativa para entender as opções de ferramentas de alimentação que você tem à disposição:
| Tipo de Solução | Como Funciona | Prós para Pastor Alemão | Contras / Atenção |
| Comedouro Lento (Slow Feeder) | Possui obstáculos internos (labirintos) que dificultam a pegada da ração. | Reduz drasticamente a velocidade de ingestão e a aerofagia (engolir ar). Estimula mentalmente. | Alguns cães ficam frustrados e podem tentar virar o pote. Exige limpeza mais detalhada. |
| Comedouro Elevado | Suporte que mantém o pote na altura do peito do cão. | Conforto ergonômico para a coluna e articulações (comum em cães idosos). | Cuidado: Estudos recentes sugerem que a elevação pode aumentar o risco de torção em raças gigantes. Use apenas sob orientação específica. |
| Alimentador Automático | Libera porções controladas em horários programados. | Garante o fracionamento exato da dieta (várias refeições pequenas) mesmo quando você não está. | Custo mais elevado. Não impede a ingestão rápida se não tiver mecanismo de barreira. |
Gerenciando o estresse e ansiedade
O Pastor Alemão é uma raça sensível e reativa. O estresse afeta a motilidade gástrica. Cães ansiosos ou que comem com medo de que outro cão roube sua comida engolem mais ar e têm digestão pior.
Crie um ambiente de refeição “zen”. Se você tem vários cães, alimente-os separadamente. O Pastor Alemão deve comer em paz, sem competição. Evite situações estressantes logo antes ou depois da refeição.
Se o seu cão é muito ansioso por natureza, converse com seu veterinário sobre treinos comportamentais ou suplementação natural para ansiedade. Um sistema nervoso calmo regula melhor as funções viscerais e diminui o risco de espasmos gástricos.
Fracionamento estratégico da dieta
A regra de ouro moderna é: nunca dê apenas uma refeição por dia. Um volume grande de comida pesa, distende os ligamentos e aumenta o risco de pêndulo. O ideal para um Pastor Alemão adulto é dividir a quantidade diária em, no mínimo, duas refeições (manhã e noite). Se possível, três é ainda melhor.
Além disso, a consistência da ração influencia. Rações com muita gordura ou que fermentam muito rápido podem produzir mais gás. Evite adicionar grandes volumes de água na ração seca se isso fizer o cão engolir tudo de uma vez como uma sopa (a menos que seja recomendação específica para o caso dele).
O controle da água pós-exercício também é vital. Não deixe o cão beber um balde inteiro de água logo após correr. Ofereça água em pequenas quantidades, deixe-o acalmar a respiração e então ofereça mais. O estômago cheio de água balança tanto quanto o cheio de comida.
Você agora tem o conhecimento necessário para proteger seu Pastor Alemão. A torção gástrica é assustadora, sim, mas a vigilância e a prevenção são armas poderosas. Olhe para o seu cão hoje, entenda a anatomia dele e faça as pequenas mudanças que garantam que ele continue sendo seu companheiro leal por muitos anos.


