Torção Gástrica: Uma Emergência Veterinária que Você Precisa Conhecer
Torção Gástrica: Uma Emergência Veterinária que Você Precisa Conhecer

Torção Gástrica: Uma Emergência Veterinária que Você Precisa Conhecer

O que é a Torção Gástrica e Por Que Ela é Tão Perigosa?

Entendendo a mecânica do estômago canino

Imagine o estômago do seu cão não apenas como um saco que armazena comida, mas como um órgão dinâmico suspenso dentro do abdômen por ligamentos. Na torção gástrica, ou Síndrome da Dilatação-Vólvulo Gástrico (DVG), ocorre um evento catastrófico onde esse órgão se enche excessivamente de gás e, devido a essa distensão, gira sobre o seu próprio eixo. É como se você torcesse as pontas de um papel de bala: a entrada (esôfago) e a saída (piloro) do estômago ficam bloqueadas. Nada entra e, pior ainda, nada sai. O gás continua a se acumular por fermentação bacteriana, transformando o estômago em um balão rígido e doloroso.

Essa rotação não afeta apenas a digestão. Quando o estômago gira, ele torce junto os vasos sanguíneos principais que nutrem o próprio estômago e o baço, e muitas vezes comprime a veia cava caudal, que é a grande “estrada” que traz o sangue de volta ao coração. Isso significa que, em questão de minutos, o fluxo sanguíneo é drasticamente interrompido. Sem sangue, o tecido do estômago começa a morrer (necrose), e o coração do seu pet começa a bombear “no vazio”, pois o sangue não retorna adequadamente para ser oxigenado e redistribuído.

Para nós, veterinários, entender essa mecânica é crucial porque dita a urgência do tratamento. Não se trata apenas de uma “dor de barriga” forte. É um colapso mecânico e circulatório total. Se o estômago girar 180 ou 360 graus, ele pode arrastar o baço junto, comprometendo também esse órgão. A parede do estômago, esticada ao limite e sem sangue, pode se romper, vazando conteúdo gástrico para o abdômen e causando uma peritonite fatal. É uma sequência de eventos aterrorizante que acontece dentro do seu melhor amigo, muitas vezes enquanto ele apenas parecia estar descansando após o jantar.

O efeito dominó no organismo do animal

A torção gástrica desencadeia o que chamamos de cascata de choque. Assim que a veia cava é comprimida pelo estômago gigante, a pressão arterial do cão despenca. O corpo, tentando sobreviver, entra em modo de emergência: ele desvia o pouco sangue disponível para órgãos vitais como o cérebro e o coração, deixando rins, fígado e extremidades sem oxigênio. É por isso que você notará as patas frias e as gengivas pálidas. Mas o dano não para por aí. A falta de oxigênio nas células libera toxinas e radicais livres na corrente sanguínea, que causam danos mesmo depois que conseguimos destorcer o estômago.

Além do choque hipovolêmico (baixo volume de sangue circulante), o cão sofre com dores excruciantes. A distensão gástrica pressiona o diafragma, dificultando a respiração. O animal tenta puxar o ar, mas o “balão” no abdômen não deixa os pulmões se expandirem. Isso cria um ciclo vicioso de ansiedade, dor e falta de ar. O coração, sofrendo com a falta de oxigênio e o impacto das toxinas liberadas pelo pâncreas e pelo próprio estômago isquêmico, começa a apresentar arritmias graves. Essas batidas irregulares do coração podem ser fatais mesmo dias após a cirurgia de correção.

Outro ponto crítico desse efeito dominó é a coagulação. O corpo, em estado de choque severo, pode começar a formar pequenos coágulos por todo o sistema sanguíneo ou perder a capacidade de coagular (Coagulação Intravascular Disseminada). Isso torna a cirurgia ainda mais arriscada, pois o animal pode sangrar incontrolavelmente. Como veterinário, vejo a DVG não como uma doença de um órgão só, mas como uma falência sistêmica iminente. Cada minuto que passa sem intervenção aumenta exponencialmente a carga tóxica e o dano celular irreversível que seu cão está sofrendo.

A corrida contra o relógio: taxas de sobrevivência

Tempo é tecido. Essa é a frase que martela na cabeça de qualquer cirurgião veterinário diante de uma torção gástrica. As estatísticas são claras e implacáveis: cães operados nas primeiras horas após o início dos sintomas têm uma chance de sobrevivência muito maior, podendo chegar a 90% em centros especializados. No entanto, se houver necrose da parede do estômago (tecido morto que precisa ser removido) ou se o baço estiver comprometido a ponto de precisar ser retirado, a taxa de mortalidade salta drasticamente. A diferença entre a vida e a morte muitas vezes reside na rapidez com que você, tutor, percebe que algo está errado.

Muitos tutores esperam “ver se melhora” porque os sintomas podem começar de forma confusa. O cão pode apenas parecer inquieto no início. Mas esperar até a manhã seguinte quase sempre resulta em óbito ou em um prognóstico reservado. Quando o tecido gástrico morre, precisamos remover partes do estômago (gastrectomia parcial), o que aumenta o tempo de cirurgia, o risco de vazamento de suturas e a chance de infecção generalizada. Se a necrose for muito extensa, infelizmente, às vezes a eutanásia torna-se a única opção ética para evitar o sofrimento, pois não sobra estômago funcional suficiente para a vida.

A sobrevivência também depende do pós-operatório intenso. Mesmo que a cirurgia seja um sucesso técnico e o estômago seja reposicionado, o animal não está fora de perigo. As primeiras 48 horas são críticas devido às arritmias cardíacas e à lesão de reperfusão — um dano que ocorre quando o sangue volta a fluir para os tecidos que ficaram sem oxigênio, liberando subprodutos tóxicos de uma só vez. Por isso, a “corrida” não termina quando o cão sai do bloco cirúrgico; ela continua na UTI, monitorando cada batimento cardíaco e cada mililitro de urina produzido.

Identificando os Sinais de Alerta no Seu Melhor Amigo

Mudanças comportamentais imediatas e ansiedade

Você conhece o seu cão melhor do que ninguém. Na torção gástrica, a mudança de comportamento é súbita e angustiante. O cão que estava feliz e comeu bem há uma hora de repente não consegue encontrar uma posição confortável. Ele deita, levanta, anda em círculos, deita de novo e geme baixinho. Essa inquietação é fruto de uma dor abdominal aguda e crescente. Ele pode olhar para a própria barriga ou tentar lamber o flanco, como se tentasse entender o que está acontecendo ali dentro.

Outro sinal comportamental clássico é a tentativa improdutiva de vomitar. O cão faz toda a mímica do vômito — contrai o abdômen, faz barulho de ânsia, estica o pescoço — mas nada sai, ou sai apenas uma espuma branca e espessa (saliva que ele engoliu). Isso acontece porque a torção bloqueou a saída do estômago; o conteúdo gástrico está preso. Ver seu cão tentar vomitar repetidamente sem sucesso é um dos maiores alertas vermelhos na medicina veterinária. Não ignore isso achando que ele comeu algo estragado e “já vai passar”.

A ansiedade do animal também é palpável. Ele pode ficar ofegante, com os olhos arregalados e pedindo atenção, ou, em alguns casos, tentar se esconder em um lugar escuro e isolado. Alguns cães começam a “rezar” (posição de prece), onde esticam as patas dianteiras no chão e mantêm o bumbum levantado, numa tentativa desesperada de aliviar a pressão no abdômen e no diafragma. Se você notar essa combinação de inquietação, ânsia sem vômito e olhar de pânico, corra para o hospital veterinário.

Sinais físicos inconfundíveis: o inchaço abdominal

O sinal físico mais característico da torção gástrica é a distensão abdominal, também conhecida como timpanismo. O abdômen do cão fica duro, tenso e visivelmente maior, como se ele tivesse engolido uma bola de basquete ou um tambor. Se você der leves “petelecos” na barriga dele, ouvirá um som oco, cheio de ar. Em cães de peito profundo, esse inchaço pode ficar muito evidente logo atrás das costelas, do lado esquerdo ou direito. No entanto, em cães muito grandes ou obesos, o inchaço pode não ser tão óbvio visualmente no início, mas a dureza ao toque estará lá.

À medida que o estômago infla, ele comprime tudo ao redor. O cão começa a babar excessivamente (sialorreia) porque sente náusea intensa e não consegue engolir a própria saliva confortavelmente devido à dor e à distensão esofágica. Essa baba pode ser espessa e formar fios longos. A respiração torna-se curta, rápida e superficial. O animal não consegue encher o peito de ar porque o estômago gigante está empurrando o diafragma contra os pulmões. Você verá o tórax dele movendo-se rapidamente, mas com pouca eficiência respiratória.

É importante notar que o tamanho do inchaço pode aumentar diante dos seus olhos em questão de minutos. O processo de fermentação e acúmulo de gás é contínuo. Não tente “apertar” a barriga para ver se sai o gás ou fazer massagem; isso causa dor extrema e pode piorar a situação ou até romper um estômago fragilizado. A presença desse “abdômen em tambor” associada à tentativa de vômito é, para nós veterinários, quase um diagnóstico fechado de DVG antes mesmo de tirarmos o raio-X.

Sintomas de choque: gengivas pálidas e fraqueza

Quando a torção evolui e a circulação sanguínea é comprometida, o cão entra em choque. O sinal mais fácil para você verificar em casa é a cor das mucosas (gengivas). Levante o lábio do seu cão: a gengiva deve ser rosada e úmida. Na torção gástrica, elas tornam-se pálidas, acinzentadas ou até brancas (“cor de porcelana”). Se você pressionar a gengiva com o dedo e soltar, a cor deve voltar em menos de 2 segundos. Se demorar mais ou não voltar, o sistema circulatório dele está colapsando.

A temperatura corporal também cai nas extremidades. Toque nas patas e nas orelhas do seu pet; elas estarão geladas. O cão começa a ficar progressivamente mais fraco. No início, ele anda cambaleante, como se estivesse bêbado (ataxia), devido à falta de oxigênio no cérebro e à queda de pressão. Rapidamente, ele pode evoluir para o decúbito lateral — deitado de lado, incapaz de se levantar, apenas respirando com dificuldade. Se chegar a esse ponto, o risco de morte é iminente e altíssimo.

O batimento cardíaco dispara. Se você colocar a mão no lado esquerdo do peito dele, logo atrás do cotovelo, sentirá o coração batendo muito rápido (taquicardia), tentando compensar a falta de sangue. Às vezes, o pulso é tão fraco na perna traseira (artéria femoral) que é difícil de sentir. Esse quadro de choque hipovolêmico e endotoxêmico requer estabilização agressiva com fluidos e oxigênio antes mesmo de pensarmos em anestesia para a cirurgia. Por isso, chegar ao veterinário antes desses sinais de colapso total é vital.

Quem Corre Mais Risco? Raças e Fatores Predisponentes

A maldição do tórax profundo: raças gigantes e grandes

A anatomia desempenha um papel fundamental na torção gástrica. Cães com o tórax profundo e estreito (aqueles que são “altos” mas “finos” vistos de frente) têm muito mais espaço interno para o estômago se mover e girar. O Dogue Alemão é o “garoto-propaganda” infeliz dessa condição, com o maior risco estatístico entre todas as raças. Outros gigantes como São Bernardo, Weimaraner, Pastor Alemão, Doberman, Setter Irlandês e Boxer também estão no topo da lista de risco.

Essa conformação anatômica permite que o estômago, quando pesado com comida e água, balance como um pêndulo. Se houver gás suficiente para dilatá-lo, os ligamentos que deveriam segurá-lo no lugar podem falhar ou esticar, permitindo a rotação. No entanto, não se engane achando que cães pequenos estão imunes. Embora raro, Dachshunds e Basset Hounds, que também têm peitos profundos proporcionalmente ao corpo, podem sofrer de DVG. Mas a incidência em raças gigantes é tão alta que muitos veterinários recomendam cirurgias preventivas.

A gordura visceral também parece ter um papel, mas de forma curiosa. Cães muito magros parecem ter um risco ligeiramente maior do que cães com peso ideal, talvez porque a falta de gordura intra-abdominal deixe mais espaço livre para o estômago se mover. Por outro lado, a obesidade sobrecarrega o sistema respiratório e cardiovascular, complicando qualquer emergência. O ideal é manter seu cão gigante com uma musculatura saudável e peso controlado, mas a anatomia óssea do tórax é um fator que não podemos mudar, apenas gerenciar.

O impacto da velocidade de ingestão e frequência das refeições

A maneira como seu cão come é tão importante quanto o que ele come. Cães “aspiradores de pó”, que engolem a ração inteira em segundos sem mastigar, engolem junto uma grande quantidade de ar (aerofagia). Esse ar se acumula no estômago e é o estopim para a dilatação. Se esse cão comer apenas uma vez ao dia, o volume de comida é muito grande, o que pesa no estômago e distende suas paredes, criando o cenário perfeito para o desastre.

Estudos mostram que dividir a quantidade diária de alimento em duas ou três refeições menores reduz significativamente o risco. Um estômago menos cheio e menos pesado tem menos chance de criar o momento angular necessário para a torção. Além disso, rações com grãos muito pequenos ou muito gordurosas, que retardam o esvaziamento gástrico, podem contribuir para o problema. A comida fica “sentada” no estômago por mais tempo, fermentando e produzindo gás.

A ingestão rápida de água também é um fator. Se o cão chega do passeio e bebe um balde inteiro de água de uma vez, ele está criando um peso súbito no estômago. O controle da ansiedade alimentar é parte da prevenção. Se você tem um cão voraz, o uso de estratégias para retardar a ingestão não é um luxo, é uma necessidade médica preventiva para evitar a mesa de cirurgia.

Genética e temperamento: o cão ansioso

Existe um componente hereditário forte. Se o pai ou a mãe do seu cão teve torção gástrica, a probabilidade de ele ter também aumenta consideravelmente. Isso sugere que a frouxidão dos ligamentos gástricos ou a conformação exata do abdômen pode ser passada de geração para geração. Criadores responsáveis de raças gigantes devem excluir da reprodução linhagens com histórico recorrente de DVG.

Mas há um fator menos discutido: o temperamento. Cães descritos como “nervosos”, “medrosos” ou “agressivos por medo” têm uma incidência maior de torção gástrica do que cães com temperamento calmo e estável. O estresse crônico afeta a motilidade gástrica e a fisiologia digestiva. Em situações de estresse agudo (como hospedagem em canil, mudança de casa, fogos de artifício ou chegada de um novo pet), o risco aumenta.

O estresse libera cortisol e altera o funcionamento do nervo vago, que controla o estômago. Isso pode levar a uma digestão mais lenta ou à deglutição de ar por ansiedade. Portanto, para cães de raças de risco, manter um ambiente tranquilo e gerenciar o estresse não é apenas uma questão de comportamento, mas de saúde física preventiva. Um cão zen tem um estômago mais seguro.

Diagnóstico e Tratamento: O Que Acontece no Hospital

A triagem de emergência e a descompressão gástrica

Assim que você pisa na clínica com suspeita de torção, seu cão fura a fila. É uma “código vermelho”. A primeira coisa que fazemos não é o raio-X, mas sim o início da estabilização. Colocamos dois cateteres calibrosos nas veias das patas dianteiras para infundir fluidos (soro) em alta velocidade. Precisamos combater o choque e “encher” os vasos sanguíneos novamente para manter o coração e os rins funcionando. Analgésicos potentes são administrados imediatamente, pois a dor é avassaladora.

Simultaneamente, precisamos esvaziar esse “balão”. Tentamos passar uma sonda orogástrica (um tubo pela boca até o estômago). Se a torção não for completa, o tubo passa, o gás sai com um cheiro forte característico e sentimos o abdômen murchar — é um alívio imediato para o cão. Se o tubo não passar porque a entrada do estômago está torcida e bloqueada, realizamos a trocaterização: inserimos uma agulha grossa (cateter) através da pele da barriga diretamente no estômago para deixar o ar escapar sob pressão. Isso ganha tempo e melhora a respiração e circulação do paciente antes da anestesia.

Só quando o animal está minimamente estável é que fazemos o raio-X. A imagem é clássica e infelizmente inesquecível para qualquer veterinário: o estômago cheio de ar assume uma forma que chamamos de “chapéu de papa” ou “C invertido”, com uma linha de tecido dividindo o estômago ao meio. Essa imagem confirma o diagnóstico de vólvulo (torção) e indica que a cirurgia é mandatória e imediata. Não há tratamento medicamentoso para destorcer o estômago; a faca é a única solução.

O procedimento cirúrgico passo a passo

A cirurgia tem três objetivos principais: destorcer o estômago, avaliar a viabilidade dos órgãos e fixar o estômago para que isso nunca mais aconteça. Ao abrirmos o abdômen, o estômago muitas vezes salta para fora, roxo ou preto. Com cuidado, o cirurgião reposiciona o órgão na sua anatomia correta. Nesse momento, observamos a cor voltar (ou não). Se a parede do estômago estiver cinza ou verde e fina como papel, aquele pedaço está morto e precisa ser removido.

O baço é inspecionado minuciosamente. Muitas vezes ele está congestionado, enorme e cheio de coágulos devido à torção dos seus vasos. Em muitos casos, precisamos remover o baço (esplenectomia) se ele estiver trombosado ou necrosado. É uma decisão tomada ali, com o abdômen aberto. Verificamos também o pâncreas e o fígado, que podem estar sofrendo com a falta de oxigênio.

O passo final e crucial é a Gastropexia. Não adianta apenas destorcer, pois a frouxidão dos ligamentos permanece e a recorrência seria quase certa (cerca de 80% de chance de torcer de novo). Na gastropexia, suturamos (costuramos) a parede do estômago firmemente à parede muscular interna do abdômen do lado direito. Isso cria uma aderência permanente que atua como uma âncora, impedindo que o estômago gire no futuro. O estômago ainda poderá dilatar com gás (ficar inchado), mas não poderá torcer, o que salva a vida do animal em episódios futuros.

O período crítico de recuperação na UTI

Sair da cirurgia vivo é uma grande vitória, mas os 3 a 5 dias seguintes são uma batalha contínua. O cão fica internado sob monitoramento constante de eletrocardiograma (ECG). As arritmias cardíacas são muito comuns no pós-operatório devido às toxinas liberadas pelo estômago isquêmico. Às vezes precisamos usar medicamentos antiarrítmicos para manter o coração estável.

O controle da dor é agressivo, geralmente com infusão contínua de analgésicos. Também monitoramos a pressão arterial, os níveis de eletrólitos e a função renal. A alimentação é reintroduzida gradualmente, começando com pequenas quantidades de água e depois papinhas leves, geralmente 24 a 48 horas após a cirurgia, dependendo da condição do estômago. Se houve remoção de parte do estômago, o cuidado é redobrado para evitar vazamentos na sutura.

Você, tutor, só levará seu amigo para casa quando ele estiver comendo sozinho, sem vômitos, com o coração estável e a dor controlada. É uma experiência exaustiva emocional e financeiramente, mas ver um cão que estava à beira da morte sair abanando o rabo pela porta da clínica é a maior recompensa da nossa profissão.

Mitos e Verdades na Prevenção da Torção Gástrica

A polêmica dos comedouros elevados

Durante anos, nós veterinários e criadores recomendamos elevar os pratos de comida para cães gigantes, acreditando que isso facilitaria a deglutição e diminuiria a ingestão de ar. A lógica parecia sólida: o cão não precisaria se abaixar tanto. No entanto, estudos mais recentes e amplos (incluindo um famoso estudo da Universidade de Purdue) indicaram exatamente o contrário. Cães que comem em pratos elevados podem ter um risco MAIOR de torção gástrica.

A teoria atual é que a posição elevada permite uma deglutição mais rápida e relaxada, o que paradoxalmente pode aumentar a velocidade de ingestão e a aerofagia. Hoje, a recomendação geral mudou: a menos que seu cão tenha um problema ortopédico grave no pescoço ou coluna que o impeça de abaixar, deixe o prato no chão. É mais seguro e fisiológico para a anatomia gástrica. Se você usa suporte elevado, converse com seu veterinário sobre retirá-lo gradualmente.

Exercícios físicos e alimentação: qual o intervalo seguro?

Este é um ponto onde a sabedoria popular estava certa. Exercício vigoroso com o estômago cheio é um convite ao desastre. Imagine correr uma maratona depois de comer uma feijoada; seu estômago balança violentamente. Para um cão de peito profundo, esse balanço pode gerar a inércia necessária para a torção.

A regra de ouro que prescrevo é: nada de exercícios intensos 1 hora antes e 2 horas depois das refeições. Isso inclui correr atrás da bolinha, brincar de luta com outros cães ou caminhadas muito longas. O passeio higiênico leve (apenas para fazer as necessidades) é permitido, mas mantenha o cão calmo. Deixe o estômago fazer o trabalho de digestão e esvaziamento em paz. A gravidade e a movimentação brusca são inimigas de um estômago cheio.

Dietas caseiras versus rações comerciais: o que diz a ciência

Existe um debate sobre se o tipo de alimento influencia o risco. Rações secas com alto teor de gordura ou óleo vegetal listado nos primeiros quatro ingredientes foram associadas a um risco maior em alguns estudos. Acredita-se que a gordura atrase o esvaziamento gástrico. Além disso, rações secas expandem dentro do estômago quando absorvem líquidos.

Adicionar alimentos úmidos (latas ou sachês de qualidade) ou comida natural à ração seca parece reduzir o risco. Talvez isso ocorra porque torna a dieta menos densa caloricamente por volume ou altera a fermentação. Alguns tutores optam por molhar a ração seca antes de servir, para que ela inche fora do cão e não dentro. Embora não haja uma “dieta mágica” anti-torção, incluir alimentos úmidos e evitar rações onde a gordura é a principal fonte calórica são medidas sensatas.


Quadro Comparativo: Aliados na Hora de Comer

Para ajudar você a escolher a melhor ferramenta de prevenção alimentar, preparei este comparativo direto focando na redução da velocidade de ingestão, que é um fator chave.

CaracterísticaComedouro Lento (Slow Feeder)Comedouro Tradicional (Inox/Plástico)Comedouro Elevado
Principal FunçãoDificultar o acesso à ração, forçando o cão a comer devagar e mastigar.Apenas conter o alimento.Facilitar o acesso sem baixar a cabeça (ergonomia).
Redução de AerofagiaAlta. Ao comer devagar, o cão engole muito menos ar.Nula. Permite que o cão aspire a comida (“aspirador”).Negativa. Pode facilitar a ingestão rápida e aumentar o risco de DVG.
Estímulo MentalSim. Transforma a refeição em um desafio cognitivo.Não.Não.
Recomendação Veterinária para PrevençãoAltamente Recomendado para cães vorazes e de risco.Não recomendado para cães vorazes.Não recomendado para prevenção de torção (risco aumentado).
CustoMédio.Baixo a Médio.Médio a Alto.

Cuidados Pós-Operatórios e Vida Longa ao Seu Pet

A importância da Gastropexia Preventiva

Se você tem um Dogue Alemão, um Pastor Alemão ou outra raça gigante, não espere a emergência acontecer. A Gastropexia Profilática (Preventiva) é uma cirurgia eletiva, feita com o cão saudável, para fixar o estômago e impedir a torção futura. Ela pode ser feita, por exemplo, no mesmo momento da castração, aproveitando a anestesia.

Essa cirurgia reduz a taxa de mortalidade associada à DVG de forma drástica, pois transforma uma possível torção fatal em uma simples dilatação (gases) que é muito mais fácil de tratar. Hoje em dia, pode ser feita até por laparoscopia, com cortes mínimos e recuperação rápida. Converse seriamente com seu veterinário sobre isso. É o melhor “seguro de vida” que você pode comprar para o seu cão gigante.

Reintrodução alimentar e manejo dietético vitalício

Após uma cirurgia de torção, o estômago do seu cão nunca mais será o mesmo. A motilidade pode ficar alterada. A dieta deve ser fracionada para sempre. Em vez de uma ou duas refeições grandes, seu cão deve comer 3 a 4 pequenas porções ao longo do dia. Isso evita a sobrecarga gástrica.

A consistência do alimento também importa. No início, usamos dietas gastrointestinais pastosas de alta digestibilidade. Com o tempo, voltamos à ração, mas a qualidade deve ser excelente para evitar fermentação excessiva. O uso de probióticos pode ajudar a manter a flora intestinal equilibrada e reduzir a produção de gases. Você se tornará um fiscal da digestão do seu cão, observando sempre se ele está estufado após comer.

Monitorando sinais de recorrência e complicações tardias

Mesmo com a gastropexia, o estômago ainda pode dilatar (encher de gás), embora não consiga torcer completamente. Isso ainda é desconfortável e requer tratamento médico, embora raramente cirúrgico. Você deve manter a vigilância sobre os sintomas de “barriga inchada” pelo resto da vida do animal.

Além disso, cães que passaram por necrose gástrica ou esplenectomia (retirada do baço) podem ter a imunidade levemente comprometida ou digestão mais sensível. Acompanhamento veterinário semestral, exames de sangue e atenção redobrada a qualquer sinal de vômito ou apatia são o novo normal. Mas a boa notícia é: com esses cuidados, cães sobreviventes de torção gástrica podem viver muitos anos felizes e saudáveis ao seu lado. O susto passa, mas o cuidado permanece.

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