Tartaruga Tigre d’água: Legislação e Cuidados Essenciais
Você sabia que a tartaruga tigre d’água não é tecnicamente uma “tartaruga” no sentido estrito da palavra, mas sim um cágado? Pois é, esse animal fascinante, cientificamente chamado de Trachemys dorbigni, é nativo do sul do Brasil, Uruguai e Argentina. Ela conquistou o coração de muitas famílias por sua beleza quando filhote, com aquele verde vibrante e manchas alaranjadas ou amarelas, mas é fundamental entender que esse pequeno ser vai crescer – e muito.
Ao decidir trazer uma tigre d’água para sua vida, você está assumindo um compromisso de longo prazo, já que esses animais podem viver facilmente mais de 30 anos se bem cuidados. Infelizmente, vejo muitos casos na clínica de animais que sofrem por falta de informação básica sobre suas necessidades biológicas. Elas não são “enfeites de aquário”; são seres sencientes, complexos e que interagem com o ambiente de forma surpreendente.
O objetivo aqui não é te assustar, mas sim te preparar. Ter um réptil em casa é uma experiência incrível de observação e aprendizado sobre a natureza. Quando você oferece o ambiente correto, com a temperatura ideal e a alimentação balanceada, você verá um animal ativo, curioso e cheio de personalidade. Vamos entender juntos como garantir que sua companheira de carapaça tenha uma vida plena e saudável.
Legislação e Posse Responsável
Entendendo as Regras do IBAMA
A primeira coisa que você precisa saber é que a tartaruga tigre d’água é um animal da fauna silvestre brasileira. Isso significa que você não pode simplesmente pegar uma na beira de um lago ou comprar de um vendedor na rua ou em grupos de redes sociais sem procedência. A comercialização só é permitida por criadouros comerciais autorizados pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ou órgãos estaduais equivalentes.
Quando você adquire seu animal de uma fonte legal, você recebe uma Nota Fiscal que deve conter o nome científico da espécie (Trachemys dorbigni) e, crucialmente, o número do microchip que foi implantado no animal. Esse microchip é o RG da sua tartaruga. Sem ele e sem a nota fiscal, você estaria tecnicamente cometendo um crime ambiental, sujeito a multas e apreensão do animal, além de financiar o tráfico de animais silvestres, que é cruel e devastador para a nossa biodiversidade.
É importante ressaltar que a legislação visa proteger as populações naturais. Animais nascidos em cativeiro legalizado estão habituados ao contato humano e livres de parasitas que animais capturados na natureza poderiam trazer. Se você encontrar uma tigre d’água na rua ou em um lago, nunca a leve para casa. Deixe-a lá ou, se ela estiver ferida ou em local de risco, acione a Polícia Ambiental ou o Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) da sua região.
Microchipagem e Identificação
O microchip é um dispositivo minúsculo, do tamanho de um grão de arroz, inserido sob a pele ou na musculatura do animal, geralmente quando ainda é filhote no criadouro. Ele não funciona como um GPS (não dá para rastrear a tartaruga se ela fugir), mas carrega um código numérico único. Em uma consulta veterinária ou fiscalização, usamos um leitor específico para conferir se o número bate com a documentação que você possui.
Muitos tutores me perguntam se o microchip machuca ou incomoda o animal. Posso garantir que, quando aplicado corretamente, é indolor e imperceptível para a tartaruga no dia a dia. Ele é feito de material biocompatível e não causa rejeição. É a sua garantia de que aquele animal não foi retirado da natureza, preservando assim o equilíbrio ecológico dos nossos banhados e rios.
Mantenha sempre a nota fiscal e o certificado de origem em uma pasta segura. Se você precisar viajar com sua tartaruga para outro estado, ou mesmo levá-la ao veterinário, leve cópias desses documentos junto. Em viagens interestaduais, pode ser necessário também emitir uma Guia de Trânsito Animal (GTA), dependendo das exigências estaduais vigentes, então sempre consulte um veterinário antes de pegar a estrada.
O Impacto do Abandono
Jamais, em hipótese alguma, solte sua tartaruga de estimação na natureza. Isso é um erro gravíssimo que muitos cometem achando que estão fazendo um bem quando o animal cresce demais para o aquário. Uma tartaruga de cativeiro pode carregar bactérias ou vírus para os quais as populações selvagens não têm defesa, causando extermínio em massa.
Além disso, se você soltar sua tigre d’água em uma região onde ela não é nativa (como no Sudeste ou Nordeste do Brasil), ela pode se tornar uma espécie invasora. Por serem resistentes e vorazes, elas competem por comida com as espécies locais, predam a fauna nativa e desequilibram todo o ecossistema. O abandono é crime ambiental e crueldade animal.
Se por algum motivo de força maior você não puder mais cuidar do seu animal, a atitude correta é procurar o criadouro onde você a comprou (alguns aceitam devolução), tentar doar para alguém que conheça a legislação e os cuidados (fazendo a transferência de titularidade junto ao órgão ambiental) ou entregar voluntariamente a um CETAS. Assumir a responsabilidade vai até o fim.
Características Físicas e Crescimento
Mudanças de Cor e Tamanho
Aquele filhotinho verde-limão que cabe na palma da mão vai mudar drasticamente. A Trachemys dorbigni sofre uma mudança ontogenética de coloração. Isso significa que, à medida que envelhecem, elas escurecem. As fêmeas tendem a manter alguns padrões rajados, mas os machos podem ficar quase totalmente negros (melanísticos) quando idosos. É um processo natural e não indica doença.
Sobre o tamanho, prepare-se: as fêmeas são verdadeiras gigantes perto dos machos, podendo chegar a 30 ou até 35 centímetros de carapaça (sem contar cabeça e cauda). Os machos ficam menores, geralmente na casa dos 20 a 25 centímetros. Esse crescimento é rápido nos primeiros anos se a alimentação e o aquecimento estiverem corretos.
Você precisa planejar o recinto pensando no tamanho adulto. Um aquário pequeno de 40 litros vai servir apenas para o primeiro ano de vida, no máximo. O crescimento da carapaça deve ser liso e uniforme. Se você notar que o casco está ficando piramidal (com elevações pontudas em cada gomo), isso é sinal de má nutrição ou falta de umidade adequada, um problema sério de manejo.
Dimorfismo Sexual
Como saber se você tem um menino ou uma menina? Quando são bebês, é praticamente impossível saber apenas olhando. O dimorfismo sexual (diferença física entre os sexos) só começa a aparecer quando eles atingem uma certa maturidade, geralmente por volta dos 3 a 5 anos de idade, dependendo da taxa de crescimento.
Os machos possuem garras dianteiras muito longas, que usam para fazer um “carinho” vibratório na face da fêmea durante o cortejo. Além disso, a cauda do macho é mais grossa e longa, pois abriga o órgão reprodutor. O plastrão (a parte de baixo do casco) do macho pode ter uma leve concavidade para facilitar o encaixe sobre a fêmea na hora do acasalamento.
As fêmeas, além de serem maiores e mais robustas, possuem a cauda curta e a cloaca posicionada mais próxima à base da cauda, sob a proteção da carapaça. As garras delas são curtas e funcionais para cavar ninhos, não para exibição. Identificar o sexo é importante para prever o tamanho final e também para questões de saúde reprodutiva, como a retenção de ovos.
Anatomia Curiosa
Você sabia que o casco é um osso vivo? A carapaça (parte de cima) e o plastrão (parte de baixo) são fusões das costelas e vértebras da tartaruga. Por isso, ela tem sensibilidade no casco! Se você coçar o casco dela com uma escovinha macia, ela vai sentir. Nunca fure, pinte ou cole adesivos no casco, pois isso bloqueia a troca de calor e a absorção de UV, além de poder causar dor e infecções.
Elas não têm dentes, mas possuem uma lâmina córnea na boca chamada ranfoteca, que é extremamente afiada e forte. Uma mordida de uma tigre d’água adulta pode machucar bastante e até arrancar um pedaço de pele, por isso o manuseio deve ser cuidadoso. Elas trocam as placas do casco (escudos) periodicamente à medida que crescem, o que é normal, desde que a placa velha saia inteira e a de baixo esteja saudável.
Outra curiosidade anatômica é a respiração. Embora passem a maior parte do tempo na água, elas têm pulmões e precisam subir para respirar. No entanto, elas conseguem fazer trocas gasosas complementares pela cloaca e pela mucosa bucal quando estão submersas, o que permite que fiquem longos períodos embaixo d’água, especialmente quando estão dormindo ou hibernando (embora em cativeiro evitemos a hibernação).
O Aquaterrário Ideal
Espaço e Volume de Água
Esqueça aquelas bacias com uma palmeira de plástico no meio. Isso é tortura para o animal. Uma tigre d’água precisa de um aquaterrário, que é um aquário adaptado com uma parte seca. A regra de ouro para o volume de água é: tenha, no mínimo, 10 a 15 litros de água para cada centímetro de carapaça da tartaruga. Para um adulto, estamos falando de um tanque de 200 a 300 litros.
A profundidade da água deve ser suficiente para que ela possa nadar e se virar caso caia de costas. Se a água for muito rasa, ela pode virar e não conseguir desvirar, correndo risco de afogamento. Sim, tartarugas podem se afogar! O espaço para natação é vital para que ela exercite a musculatura e evite a obesidade.
O vidro do aquário deve ser resistente, pois elas são fortes e batem o casco nas paredes. Evite pedrinhas pequenas no fundo (calhau de rio ou cascalho colorido), pois elas engolem essas pedras e isso causa obstrução intestinal fatal, o que requer cirurgia urgente. Use areia de filtro de piscina bem fina ou deixe o fundo sem substrato (“bare bottom”) para facilitar a limpeza.
Filtragem e Aquecimento
Tartarugas sujam muito mais que peixes. Elas fazem muito cocô e desperdiçam comida. Por isso, o sistema de filtragem deve ser superdimensionado. Se o seu aquário tem 200 litros, use um filtro projetado para 400 ou 600 litros. Filtros externos tipo “Canister” são os melhores para isso, pois possuem muito espaço para mídias biológicas que “comem” a amônia da água.
Sendo animais ectotérmicos (de sangue frio), elas dependem da temperatura externa para fazer a digestão e manter a imunidade alta. Você precisa de um termostato com aquecedor na água, mantendo a temperatura constante entre 26°C e 28°C para adultos e até 30°C para filhotes. Água fria faz a tartaruga parar de comer e adoecer.
É essencial usar um termômetro confiável para monitorar isso diariamente. Não confie apenas na regulagem do aparelho, pois eles podem descalibrar. A água morna acelera o metabolismo, fazendo com que ela cresça saudável e ativa. Se a água ficar abaixo de 22°C, o sistema imunológico dela “desliga” e abrem-se as portas para pneumonias e fungos.
Iluminação e Parte Seca
A parte seca é onde a mágica do metabolismo ósseo acontece. Essa área deve ser totalmente seca e de fácil acesso (uma rampa). Sobre essa área, você precisa instalar duas lâmpadas (ou uma que faça as duas funções): uma de aquecimento (lâmpada cerâmica ou spot) e uma lâmpada UVB específica para répteis.
A lâmpada UVB 5.0 (para animais tropicais) substitui o sol. O vidro da janela filtra os raios UV, então colocar o aquário perto da janela fechada não adianta nada e ainda superaquece a água (efeito estufa). A tartaruga precisa tomar esse “banho de luz” para sintetizar vitamina D3, que é o que fixa o cálcio nos ossos. Sem isso, o casco fica mole e o animal morre.
Mantenha as luzes ligadas durante o dia (10 a 12 horas) e desligadas à noite. Elas precisam do ciclo dia/noite para regular os hormônios. A temperatura na parte seca, logo abaixo da lâmpada de aquecimento, deve ser um pouco mais alta que a da água, em torno de 30°C a 32°C, convidando o animal a sair para se secar (“basking”), o que previne fungos na pele.
Alimentação e Nutrição
O Que Oferecer e Frequência
Tigres d’água são onívoras, ou seja, comem de tudo. Mas a base da alimentação em cativeiro deve ser uma ração extrusada de excelente qualidade, específica para tartarugas aquáticas. As boas marcas já vêm balanceadas com cálcio e vitaminas. Para filhotes, alimente todos os dias, uma quantidade que possa ser consumida em 10 minutos. Para adultos, você pode alimentar dia sim, dia não, para evitar obesidade.
Além da ração, você deve oferecer alimentos frescos. Pequenos peixes de rio (inteiros, com espinha e vísceras), lambaris e camarões frescos (não o seco salgado!) são ótimos. Folhas verdes escuras são fundamentais: couve, escarola, agrião, folhas de hibisco. Elas fornecem fibras e vitamina A.
Evite dar comida na parte seca. Elas precisam da água para engolir, pois não produzem saliva como nós. Jogue a comida na água e remova as sobras imediatamente após a refeição para não poluir o tanque. Se possível, acostume sua tartaruga a comer em um balde separado com a mesma água do aquário; isso mantém o aquário principal limpo por muito mais tempo.
Alimentos Proibidos
Nunca, jamais dê alface. Alface é praticamente só água e pode causar diarreia. Evite também frutas em excesso, pois o açúcar fermenta no intestino delas, causando gases e cólicas (o famoso timpanismo). Carnes vermelhas de mamíferos (boi, porco) e frango devem ser evitadas, pois a gordura e a proteína dessas carnes não são bem digeridas pelo fígado dos répteis a longo prazo.
O maior vilão, no entanto, é o “camarãozinho seco” (o Gammarus vendido como petisco barato). Aquilo é, nutricionalmente falando, “isopor salgado”. Tem pouquíssima proteína aproveitável e nenhum vitamínico. Muitos tutores dão só isso porque elas adoram, mas é como alimentar uma criança só com salgadinho de pacote. O resultado é cegueira por falta de vitamina A e morte precoce.
Fique longe também de rações de peixe ou comida de gato/cachorro. As necessidades nutricionais são completamente diferentes. Comida humana processada, pão, biscoito ou restos de almoço temperados são tóxicos devido ao sal e conservantes.
Suplementação de Cálcio
Mesmo com uma boa ração e lâmpada UVB, às vezes é necessário suplementar cálcio, especialmente para filhotes em crescimento rápido e fêmeas em idade reprodutiva. O cálcio em pó pode ser polvilhado na comida fresca, mas como vai para a água, boa parte se perde.
Uma estratégia melhor é oferecer peixes inteiros ou “neonatos” (camundongos recém-nascidos congelados, vendidos para alimentação de répteis) esporadicamente para adultos, pois os ossos da presa são a melhor fonte de cálcio. Outra opção são os blocos de cálcio para dissolver na água, embora sua eficácia seja debatida, ajudam a neutralizar a acidez da água.
Se o casco parecer mole ao toque (como uma unha flexível), corra para o veterinário. Isso não se resolve só com comida; muitas vezes precisa de cálcio injetável e correção urgente do manejo de luz UVB.
Saúde e Doenças Comuns
Hipovitaminose A
Essa é clássica em tartarugas que só comem o camarão seco. O principal sintoma são os olhos inchados. As pálpebras ficam edemaciadas, fechadas, e o animal para de comer porque não enxerga a comida. Muitos tutores acham que é uma infecção ocular e compram colírios, mas o problema é sistêmico, nutricional.
A falta de vitamina A afeta todos os epitélios (pele e mucosas), não só os olhos. Pode causar problemas respiratórios e renais graves. O tratamento envolve injeções de vitamina A prescritas pelo veterinário e, claro, a correção total da dieta.
Prevenir é fácil: ofereça vegetais de cor verde escura ou alaranjados (cenoura ralada, abóbora) desde cedo. Se o animal recusar vegetais, existem suplementos vitamínicos que podem ser misturados na ração, mas sempre com orientação profissional para evitar a hipervitaminose (excesso), que também é perigosa.
Doença Óssea Metabólica (DMO)
Popularmente chamada de raquitismo, a DMO ocorre quando há desequilíbrio na relação cálcio/fósforo ou falta de vitamina D3 (falta de lâmpada UVB). O casco fica mole, deformado, com as bordas viradas para cima. Em casos graves, a tartaruga não consegue levantar o corpo para andar e pode sofrer fraturas espontâneas.
O tratamento é longo e nem sempre reverte as deformidades do casco, que ficarão para o resto da vida. O foco é parar a progressão da doença e fortalecer os ossos. Lembre-se: a lâmpada UVB tem validade! Mesmo que ela acenda, ela para de emitir raios UV após 6 a 12 meses de uso. Troque a lâmpada regularmente.
Além do casco, o bico (ranfoteca) pode crescer demais, ficando com aspecto de “bico de papagaio”, dificultando a alimentação. Isso também está ligado ao metabolismo do cálcio e falta de desgaste natural.
Pneumonia e Doenças Respiratórias
Tartarugas são muito sensíveis a correntes de ar frio e oscilações de temperatura. Se o aquário fica no chão, ou perto de uma porta onde bate vento, o risco é alto. A pneumonia se manifesta com a tartaruga nadando “torta” (de lado), boiando sem conseguir afundar, ou fazendo sons de chiado ao respirar.
Você pode notar também bolhas saindo pelo nariz ou boca e o animal esticando o pescoço como se estivesse com falta de ar. Isso é uma emergência veterinária. O tratamento exige antibióticos injetáveis e nebulização. Não tente tratar em casa aumentando a temperatura apenas, pois a infecção avança rápido.
Para evitar, mantenha o aquaterrário em local protegido de ventos e use uma tampa parcial (tela ou vidro com frestas) para manter o ar acima da água aquecido e úmido, evitando que ela respire ar gelado ao sair da água quente.
Comportamento e Socialização
Interação com Humanos e Manuseio
Apesar de serem répteis, as tigres d’água são surpreendentemente interativas. Com o tempo, elas aprendem a associar a sua presença com comida. É muito comum ver tutores relatando que a tartaruga “pede comida”, nadando freneticamente no vidro quando alguém entra na sala. É um comportamento condicionado, mas demonstra inteligência.
Sobre o manuseio: evite pegar na mão o tempo todo. O calor da nossa mão é excessivo para elas, e o estresse de ficar suspenso no ar, sem apoio para as patas, é grande. Quando precisar pegar, segure firmemente pelas laterais da carapaça (no meio do corpo), longe da boca e das garras traseiras que podem arranhar.
Atenção redobrada com crianças. Tartarugas podem carregar Salmonella naturalmente em sua pele e trato digestivo. Não é doença para a tartaruga, mas pode causar gastroenterite grave em humanos. A regra é clara: tocou na tartaruga ou lavou o aquário? Lave as mãos com água e sabão imediatamente. Nunca beije sua tartaruga.
Convivência com Outras Espécies
Tartarugas são predadoras oportunistas. Colocar peixinhos dourados ou guppies junto com a tigre d’água vai resultar em um banquete caro. Mesmo que ela conviva bem por meses, um dia o instinto fala mais alto. Além disso, peixes podem mordiscar a cauda ou a pele da tartaruga, causando feridas.
Misturar com outras espécies de tartarugas também não é recomendado. Espécies diferentes têm microbiotas diferentes (bactérias) que podem ser fatais umas para as outras. Além disso, a Trachemys dorbigni é dominante e agressiva na hora de comer, podendo deixar tartarugas de outras espécies (ou indivíduos menores da mesma espécie) sem alimento ou feridas por mordidas territoriais.
Se você quiser ter mais de uma tigre d’água, certifique-se de que o espaço seja gigantesco e que elas tenham tamanhos similares. Se uma for muito maior, vai intimidar a menor.
Sinais de Estresse e Bem-estar
Como saber se sua tartaruga está feliz? Uma tartaruga saudável é alerta, tem olhos brilhantes, mergulha ao ver movimento brusco (instinto de defesa) e faz “basking” (toma sol) regularmente. Ela deve explorar o ambiente, mexer nas pedras e investigar novidades.
Sinais de estresse incluem: ficar o tempo todo escondida, tentar escalar as paredes do aquário incessantemente (como se quisesse fugir o tempo todo), recusar comida por dias ou passar o dia todo na parte seca sem entrar na água (ou vice-versa). Aletargia (ficar parada de olhos fechados) fora da época de frio é o maior sinal de alerta de que algo está errado no manejo ou na saúde.
Enriquecimento ambiental é importante. Mude a disposição das pedras, coloque um tronco novo, ofereça comida viva (peixinhos de rio) de vez em quando para estimular a caça. Isso mantém a mente do animal ativa.
Reprodução e Ciclo de Vida
Maturidade Sexual e Acasalamento
A maturidade sexual da tigre d’água não é ditada apenas pela idade, mas principalmente pelo tamanho. Em cativeiro, com comida farta, elas crescem rápido e podem amadurecer mais cedo que na natureza. Geralmente, machos estão prontos aos 2-3 anos e fêmeas aos 5 anos.
O cortejo é elaborado: o macho nada de frente para a fêmea, vibra as garras no rosto dela e pode haver perseguição e mordiscadas no pescoço. Se você tem um casal no mesmo tanque, fique de olho. O macho pode ser insistente demais e estressar a fêmea, ou até feri-la gravemente, sendo necessário separá-los.
Lembre-se que reproduzir animais silvestres em casa sem licença de criador comercial é tecnicamente proibido se o objetivo for venda ou distribuição, mas a reprodução espontânea pode acontecer. O ideal é evitar a reprodução para não gerar filhotes que você não terá como cuidar ou doar legalmente.
Postura dos Ovos e Incubação
Aqui vai um dado crucial: fêmeas podem colocar ovos mesmo sem ter cruzado com um macho! São ovos inférteis, como os de galinha. Se você tem uma fêmea adulta, você precisa fornecer uma caixa de areia seca fora da água para ela desovar.
Se ela não encontrar um lugar para cavar e botar os ovos, ela pode reter esses ovos dentro do corpo (distocia). Os ovos calcificam, causam infecção e podem matar o animal. Se sua fêmea estiver agitada, tentando sair do aquário e cavando o chão seco, coloque-a numa caixa com terra fofa ou areia imediatamente.
Na natureza, o sexo dos filhotes é determinado pela temperatura de incubação (TSD – Temperature-Dependent Sex Determination). Temperaturas mais baixas geram machos, temperaturas mais altas geram fêmeas. Em casa, incubar ovos férteis é complexo e requer incubadora profissional para manter umidade e calor constantes por 60 a 90 dias.
Cuidados com os Filhotes Neonatos
Quando os filhotes nascem, eles ainda possuem o saco vitelino (uma bolsa de nutrientes na barriga). Não se deve colocar o filhote na água funda imediatamente até que esse saco seja absorvido e a “cicatriz” no umbigo feche, para evitar infecções.
Os filhotes são muito mais frágeis que os adultos. A temperatura da água para eles deve ser rigorosamente 29°C-30°C. Eles desidratam rápido e precisam de alimentação diária rica em proteína. A mortalidade no primeiro ano de vida é alta se os parâmetros não forem perfeitos.
A carapaça deles é mais flexível nos primeiros meses, o que os torna vulneráveis a quedas ou apertões. O cuidado e a delicadeza devem ser extremos nessa fase.
Comparativo de Espécies
Para te ajudar a situar a Tigre d’água no mundo dos quelônios pets, preparei este quadro comparativo com outros dois animais que costumam gerar dúvida:
| Característica | Tigre d’água (Trachemys dorbigni) | Jabuti-piranga (Chelonoidis carbonarius) | Cágado-de-barbicha (Phrynops geoffroanus) |
| Ambiente | Aquático/Semiaquático: Precisa de muita água e uma área seca. | Terrestre: Não nada! Precisa de terrário seco ou quintal. Se cair na água funda, afoga. | Aquático: Similar à tigre d’água, mas prefere fundos de rios e é mais carnívoro. |
| Alimentação | Onívora: Ração, peixes, folhas, insetos. | Onívora (foco vegetal): Frutas, folhas, flores e pouca proteína animal. | Carnívora: Prefere peixes, moluscos e insetos. Come pouco vegetal. |
| Tamanho Adulto | Médio/Grande (25 a 30cm). Precisa de aquário grande. | Médio/Grande (30 a 50cm). Precisa de um jardim ou terrário enorme. | Médio (25 a 35cm). Pescoço bem mais longo que a tigre d’água (pescoço de cobra). |
| Interação | Ativa, reconhece o dono, pede comida na água. | Lento, mas muito interativo, segue o dono no jardim. | Mais tímido, geralmente mais arisco e morde com facilidade se manuseado. |
| Legislação | Silvestre (Exige nota do IBAMA). | Silvestre (Exige nota do IBAMA). | Silvestre (Exige nota do IBAMA). |
Cuidar de uma tartaruga tigre d’água é uma jornada de décadas. Você verá sua vida mudar, mudará de casa, de emprego, e ela estará lá, nadando tranquilamente no aquário que você preparou com tanto carinho. Se você seguir essas diretrizes – aquecimento, luz UVB, alimentação variada e respeito à legislação – terá uma parceira pré-histórica incrível. Qualquer mudança de comportamento, não hesite: procure um veterinário especializado em animais silvestres. A saúde delas é delicada e o tempo é precioso. Cuide bem da sua pequena dinossaura!

