Sarna Sarcóptica e o risco para sua família
Sarna Sarcóptica e o risco para sua família

Sarna Sarcóptica e o risco para sua família

Sarna Sarcóptica e o risco para sua família

Ver seu cachorro se coçando sem parar é uma das cenas mais angustiantes para qualquer dono de pet. A pata batendo no chão, o desconforto visível e a pele ficando vermelha são sinais de que algo não vai bem e, muitas vezes, o culpado é um parasita microscópico capaz de causar um verdadeiro caos na dermatologia veterinária. Estamos falando da sarna sarcóptica, também conhecida como escabiose, uma doença que não tira o sono apenas do seu animal, mas que pode afetar toda a sua casa.

A preocupação aumenta quando descobrimos que essa condição não é exclusiva dos cães. Como médico veterinário, recebo diariamente tutores apavorados com a possibilidade de terem sido contagiados pelos seus melhores amigos. A resposta curta é que o risco existe, mas a dinâmica da doença em humanos é diferente da que ocorre nos animais, o que exige informação correta para evitar pânico e garantir o tratamento adequado para todos.

Neste artigo, vamos mergulhar fundo no universo desse ácaro. Você vai entender exatamente como ele age, como identificar os sinais antes que a pele do seu cão esteja em carne viva e, o mais importante, como resolver o problema de forma definitiva. Esqueça as receitas caseiras milagrosas; aqui vamos focar na ciência e na prática clínica para devolver a paz e a saúde para o seu lar.

O que é a Sarna Sarcóptica e quem causa

Conheça o ácaro Sarcoptes scabiei

A sarna sarcóptica é uma doença de pele parasitária causada por um ácaro minúsculo chamado Sarcoptes scabiei var. canis. Diferente de carrapatos ou pulgas que você consegue ver a olho nu caminhando sobre o pelo, este ácaro é invisível sem a ajuda de um microscópio. Ele tem um formato arredondado, quase como uma tartaruga microscópica, e possui patas curtas adaptadas para escavar.

O comportamento desse parasita é o que torna a doença tão irritante. As fêmeas fertilizadas escavam túneis nas camadas superficiais da pele do seu cachorro, alimentando-se de células e fluidos teciduais. É dentro desses túneis que elas depositam seus ovos e fezes. Essa atividade mecânica de escavação, somada às substâncias que elas liberam, provoca uma reação inflamatória violentíssima no organismo do animal.

É importante compreender que este ácaro é um parasita obrigatório. Isso significa que ele precisa de um hospedeiro para completar seu ciclo de vida e se reproduzir com sucesso. Embora ele possa sobreviver por curtos períodos no ambiente, o objetivo dele é sempre encontrar um cão para chamar de casa, onde poderá se alimentar e perpetuar a espécie, causando, infelizmente, muito sofrimento ao hospedeiro.

A diferença para a sarna negra e de ouvido

Muitos tutores confundem os tipos de sarna, mas elas são causadas por agentes completamente diferentes e possuem prognósticos distintos. A sarna sarcóptica não deve ser confundida com a sarna demodécica, popularmente chamada de “sarna negra”. A demodécica é causada pelo Demodex canis, um ácaro que já vive naturalmente na pele dos cães e se manifesta quando há uma baixa de imunidade, além de não ser contagiosa para outros animais ou humanos da mesma forma agressiva.

Existe também a sarna otodécica, restrita aos ouvidos e causada pelo Otodectes cynotis. Enquanto a sarna de ouvido gera aquela cera escura parecida com borra de café e muita coceira localizada nas orelhas, a sarna sarcóptica é uma doença de pele generalizada. Ela pode começar nas pontas das orelhas e cotovelos, mas tem um potencial enorme de se espalhar pelo corpo todo se não for tratada rapidamente.

Saber diferenciar esses tipos é crucial para o tratamento. Um remédio que funciona para sarna de ouvido pode não ser eficaz para a sarcóptica sistêmica, e o tratamento da sarna negra envolve muito mais o suporte imunológico do que apenas matar o parasita. Na sarcóptica, o foco é a eliminação total e rápida do ácaro invasor para cessar a reação alérgica.

Por que a coceira é tão desesperadora

A característica mais marcante da escabiose é o prurido intenso, ou seja, uma coceira que parece não ter fim. Esse sintoma não acontece apenas porque o ácaro está caminhando na pele. A verdadeira causa é uma reação de hipersensibilidade do sistema imunológico do cão contra os produtos do ácaro, como sua saliva, fezes e os próprios ovos depositados sob a epiderme.

Imagine ter centenas de picadas de mosquito que nunca param de coçar, somadas a uma reação alérgica sistêmica. É assim que seu cão se sente. A coceira é tão severa que o animal para de comer, brincar e dormir. Ele passa o dia e a noite se coçando, mordendo e lambendo as áreas afetadas, o que leva a feridas graves, infecções bacterianas secundárias e um estado de estresse profundo.

Essa reação alérgica pode continuar por dias ou até semanas mesmo após os ácaros terem sido mortos pelo tratamento. Por isso, como veterinário, muitas vezes preciso prescrever medicamentos para controlar a coceira e a inflamação em paralelo ao antiparasitário, garantindo que o animal tenha um alívio imediato enquanto o medicamento principal faz o trabalho de eliminar a infestação.

Transmissão: Como seu cão pega e passa

O perigo do contato direto

A forma mais comum de transmissão da sarna sarcóptica é o contato direto entre um animal infectado e um saudável. Isso pode acontecer durante um passeio no parque, em uma brincadeira na praça ou até mesmo através da grade do portão ao cheirar um cachorro de rua. O ácaro é extremamente ágil na transferência de hospedeiro quando há oportunidade.

Não é necessário um contato prolongado. Uma interação rápida pode ser suficiente para que algumas larvas ou fêmeas adultas passem para o novo hospedeiro. Animais que vivem em aglomerações, como abrigos, canis ou hotéis para cães, estão em maior risco se não houver um controle rigoroso de parasitas. A introdução de um novo cão na família sem a devida quarentena ou exames prévios é uma porta de entrada clássica para a doença.

Filhotes e animais jovens, por terem o sistema imune ainda em desenvolvimento e comportamento mais sociável e brincalhão, acabam sendo alvos frequentes. No entanto, cães de qualquer idade ou raça podem ser infectados. Diferente da sarna negra, que tem componente genético, a sarna sarcóptica é puramente uma questão de exposição ao agente transmissor.

Objetos contaminados (fômites)

Você sabia que seu cão pode pegar sarna sem nunca ter encostado em outro cachorro? Isso ocorre através do que chamamos de fômites: objetos inanimados que carregam o agente infeccioso. O Sarcoptes scabiei tem a capacidade de sobreviver fora do corpo do cão por um período que varia de 24 horas a alguns dias, dependendo das condições de temperatura e umidade do ambiente.

Caminhas, cobertores, escovas, toalhas e até mesmo a roupa do tutor podem servir de transporte para o ácaro. Se você afaga um cão com sarna na rua e logo depois abraça o seu pet em casa, você pode estar atuando como o vetor da doença. Clínicas veterinárias e pet shops seguem protocolos rigorosos de higiene justamente para evitar esse tipo de transmissão indireta entre os pacientes.

A resistência do ácaro no ambiente exige que o tratamento do animal seja acompanhado de uma limpeza profunda. De nada adianta medicar o cão se ele volta a deitar na mesma caminha infestada de ácaros vivos. O ciclo de reinfestação é uma das principais causas de falha terapêutica que observamos no consultório, prolongando o sofrimento do animal desnecessariamente.

A transmissão para humanos (Zoonose)

Chegamos à pergunta que motivou este artigo: sim, a sarna sarcóptica é uma zoonose. Isso significa que ela é transmissível do animal para o ser humano. Quando um cão infestado tem contato próximo com seus tutores — dormindo na mesma cama, ficando no colo ou recebendo abraços constantes —, os ácaros podem tentar colonizar a pele humana.

No entanto, há uma diferença fundamental. O Sarcoptes scabiei var. canis é adaptado especificamente para cães. Na pele humana, ele não consegue completar seu ciclo de vida, ou seja, ele não consegue se reproduzir e criar túneis profundos com a mesma eficiência que faz no cão. Por isso, a infecção em humanos é geralmente autolimitante, durando o tempo de vida do ácaro que foi transmitido.

Mesmo sendo temporária, a infestação em humanos é bastante incômoda. Ela causa pápulas vermelhas e muita coceira, principalmente em áreas de contato como braços, abdômen e tórax. Se você notar esses sintomas em você ou em sua família simultaneamente ao quadro dermatológico do seu pet, é essencial procurar um dermatologista humano e informar sobre a suspeita de escabiose canina, enquanto tratamos o cão.

Sintomas: O que observar no seu pet

Sinais visíveis na pele

Os primeiros sinais da sarna sarcóptica costumam aparecer em áreas com menos pelos. As bordas das orelhas, os cotovelos, os jarretes (calcanhares) e a região ventral (barriga) são os locais prediletos para o início das lesões. Você notará a pele ficando avermelhada (eritema) e o surgimento de pequenas bolinhas (pápulas) que, com o tempo, formam crostas amareladas.

Com a evolução da doença e a coceira incessante, a pele começa a ficar grossa, escura e com aspecto de “casca de elefante” (hiperqueratose e hiperpigmentação). A perda de pelo (alopecia) torna-se evidente não apenas pela ação do ácaro, mas pelo trauma mecânico do cão se coçando. Em casos avançados não tratados, o animal pode ficar quase totalmente pelado, coberto de feridas e crostas.

Outro sinal importante é o odor. A pele inflamada e infeccionada por bactérias oportunistas (piodermite) exala um cheiro forte e característico, muitas vezes descrito como rançoso. Se o seu cão está com coceira intensa e começando a apresentar um cheiro diferente na pele, é um sinal de alerta vermelho para procurar ajuda profissional imediatamente.

O teste do reflexo otopodal (caseiro)

Existe um teste prático que realizamos no consultório e que você pode observar em casa, embora ele não substitua o diagnóstico laboratorial. Chamamos de reflexo otopodal. Ele acontece devido à extrema sensibilidade das bordas das orelhas, onde a concentração de ácaros costuma ser alta.

Para testar, você deve coçar suavemente a borda da orelha do seu cão. Em animais com sarna sarcóptica, essa manipulação costuma desencadear um reflexo involuntário na pata traseira do mesmo lado, que começa a fazer movimentos de coceira no ar. É como se o cão tentasse coçar a orelha que você está manipulando.

Esse reflexo é positivo em grande parte dos casos de escabiose, mas não em todos. Se o seu cão apresentar esse sinal, a probabilidade de ser sarna sarcóptica é altíssima. No entanto, a ausência do reflexo não descarta a doença, especialmente em fases iniciais ou em cães que estão tomando algum tipo de corticoide que mascare a sensibilidade.

Comportamento e estresse do animal

A sarna sarcóptica não afeta apenas a pele; ela destrói a qualidade de vida do animal. A coceira é uma forma de dor crônica. Um cão com escabiose ativa vive em constante estado de alerta e desconforto. É comum observarmos mudanças bruscas de comportamento, como irritabilidade, agressividade repentina ao ser tocado ou depressão profunda.

O animal pode perder o apetite e emagrecer rapidamente, não pela ação direta do parasita consumindo nutrientes, mas pelo estresse metabólico e pela incapacidade de parar de se coçar para comer tranquilamente. O sono também é gravemente afetado, pois o prurido costuma piorar à noite ou em ambientes mais quentes.

Tratar a sarna é, portanto, uma questão de bem-estar animal urgente. Não é “apenas uma coceira”. É uma condição torturante que impede o cão de exercer suas atividades naturais. Recuperar a saúde da pele devolve a alegria e a personalidade do seu pet, muitas vezes em questão de dias após o início do tratamento correto.

Sintomas em Humanos: O que acontece com você

A “pseudo-escabiose” em pessoas

Quando a sarna canina passa para humanos, a condição é tecnicamente chamada de “pseudo-escabiose”. O prefixo “pseudo” é usado porque, diferentemente da sarna humana clássica (causada pelo Sarcoptes scabiei var. hominis), a sarna canina não consegue se manter na nossa pele a longo prazo. Somos um hospedeiro acidental e “sem saída” para esses ácaros.

Ainda assim, a reação do nosso corpo à presença deles é intensa. O sistema imune humano reconhece a invasão e dispara uma resposta inflamatória. Isso resulta em uma coceira súbita e intensa, que pode ser confundida com alergias a produtos de limpeza, picadas de insetos ou dermatites de contato. A diferença é que a coceira da pseudo-escabiose está diretamente ligada ao contato com o pet.

A boa notícia é que, ao tratarmos o cachorro e limparmos o ambiente, os sintomas nas pessoas da casa tendem a desaparecer espontaneamente em duas a três semanas. Não é necessário, na maioria das vezes, usar escabicidas fortes em humanos para tratar a sarna canina, a menos que haja orientação médica específica para alívio dos sintomas.

Onde as lesões costumam aparecer

As lesões em humanos têm uma distribuição corporal bem característica. Elas aparecem principalmente nas áreas de maior contato com o animal. Se você costuma carregar seu cão no colo, é provável que tenha lesões nos braços, no peito e no abdômen. Se o cão dorme na cama encostado nas suas pernas, as lesões aparecerão ali.

Visualmente, elas se apresentam como pequenas bolinhas vermelhas, parecidas com picadas de mosquito, mas agrupadas ou dispersas na região de contato. Diferente da sarna humana verdadeira, é raro observarmos os “túneis” cinzentos na pele ou lesões entre os dedos das mãos, que são típicos da escabiose humana.

Crianças costumam ser mais afetadas por terem a pele mais sensível e por manterem contato mais próximo e frequente com os animais, rolando no chão ou abraçando os pets. Fique atento se seu filho começar a se coçar após brincar com o cachorro, especialmente se o animal também estiver se coçando.

O ácaro sobrevive na nossa pele?

Como mencionei, a sobrevivência do Sarcoptes canino na pele humana é curta. Ele pode viver por alguns dias, tentar se alimentar e até causar irritação, mas a reprodução é falha. As fêmeas não conseguem escavar túneis profundos o suficiente para depositar os ovos com segurança, e o ciclo se quebra.

Isso significa que você não vai transmitir a sarna do seu cachorro para seus colegas de trabalho ou amigos na escola. A transmissão humano-humano da sarna canina é extremamente rara e praticamente irrelevante do ponto de vista epidemiológico. A fonte da infestação é sempre o cão ou o ambiente contaminado por ele.

Portanto, o foco para resolver o problema de pele da família deve ser, invariavelmente, o tratamento do cão. Curar o animal é a medida de saúde pública mais eficaz para proteger as pessoas da casa. Enquanto o cão continuar infestado, ele continuará agindo como uma fonte renovável de ácaros para o ambiente e para vocês.

Diagnóstico Profissional

O exame de raspado cutâneo

O padrão ouro para diagnosticar a sarna sarcóptica na clínica veterinária é o raspado cutâneo superficial e profundo. Com uma lâmina de bisturi (cega, para não cortar o animal, apenas raspar), o veterinário coleta material das lesões, incluindo pelos, crostas e sangue capilar. Esse material é colocado em uma lâmina de microscópio com óleo mineral ou hidróxido de potássio.

Sob a lente do microscópio, procuramos pelo ácaro adulto, ninfas, larvas ou ovos. Encontrar um único ácaro ou ovo é suficiente para fechar o diagnóstico definitivo. É um momento de “vitória” no consultório, pois confirma a suspeita e direciona o tratamento com 100% de certeza.

Além do raspado, o histórico clínico é fundamental. Um cão com coceira intensa que não responde a corticoides, que tem o reflexo otopodal positivo e que pode ter tido contato com outros cães é um candidato clássico à escabiose. A junção da clínica com o exame laboratorial é o melhor caminho.

Por que o exame pode dar negativo?

Aqui reside o grande desafio da sarna sarcóptica: o exame de raspado pode dar negativo mesmo que o cão tenha a doença. Isso acontece porque, diferentemente de outras sarnas onde os ácaros se multiplicam aos milhares, na sarcóptica o número de parasitas pode ser relativamente baixo. A coceira intensa é mais fruto da alergia do que da quantidade de bichos.

Estima-se que em mais da metade dos casos reais de escabiose, o raspado não consegue capturar o ácaro. Ele pode estar escondido profundamente em um túnel onde a lâmina não alcançou, ou simplesmente não estar presente naquela área específica da pele no momento da coleta.

Um resultado negativo no raspado, portanto, não descarta a doença. Se os sintomas são clássicos e o histórico é compatível, o veterinário experiente não vai ignorar a possibilidade de sarna apenas porque não viu o ácaro no microscópio. Precisamos confiar na clínica e na observação do paciente como um todo.

Diagnóstico terapêutico: Tratando para confirmar

Quando temos uma forte suspeita de sarna sarcóptica, mas os exames não mostram o ácaro, optamos pelo que chamamos de “diagnóstico terapêutico”. Isso consiste em tratar o animal como se ele tivesse a doença e observar a resposta. Se o cão melhorar significativamente da coceira e as lesões regredirem após o início da medicação acaricida, confirmamos o diagnóstico retroativamente.

Essa abordagem é muito comum e segura hoje em dia, graças à disponibilidade de medicamentos modernos que são extremamente eficazes contra a sarna e possuem alta margem de segurança para os cães. Não precisamos deixar o animal sofrendo à espera de um exame positivo.

O tratamento teste também serve para excluir a sarna da lista de possíveis causas de coceira. Se tratamos corretamente para sarna e a coceira persiste inalterada, podemos focar a investigação em outras causas, como dermatite atópica (alergia ambiental) ou alergia alimentar.

O Ciclo de Vida do Ácaro: A Vida Sob a Pele

A escavação de túneis e postura de ovos

Para entender a persistência dessa doença, precisamos visualizar o que acontece microscopicamente. O ciclo começa quando uma fêmea fertilizada chega à pele do cão. Em questão de minutos a horas, ela começa a perfurar a camada córnea (a camada mais externa da pele). Ela secreta enzimas que dissolvem o tecido, permitindo que ela avance.

Esses túneis podem medir vários milímetros. Lá dentro, protegida do ambiente externo, a fêmea vive cerca de 3 a 4 semanas, depositando 2 a 3 ovos por dia. Ela nunca volta à superfície voluntariamente; ela vive e morre dentro desse túnel que ela mesma construiu, deixando um rastro de ovos e dejetos para trás.

Essa “engenharia” do ácaro é o que torna os tratamentos tópicos superficiais (como sabonetes comuns) ineficazes. O medicamento precisa ter a capacidade de penetrar na pele ou circular pelo sangue para atingir o parasita onde ele está escondido.

Fases de larva, ninfa e adulto

Os ovos eclodem rapidamente, entre 3 a 5 dias, liberando larvas de seis patas. Essas larvas são muito ativas e migram para a superfície da pele. Lá, elas cavam novos bolsões rasos (bolsas de muda) onde se transformam em ninfas e, posteriormente, em adultos de oito patas.

O ciclo completo, de ovo a adulto pronto para reproduzir, leva de 17 a 21 dias. Essa velocidade é assustadora. Um único casal de ácaros pode gerar uma população imensa em poucos meses se não houver intervenção. É por isso que a doença parece piorar exponencialmente com o passar das semanas.

Os machos adultos vivem principalmente na superfície da pele, procurando os túneis das fêmeas para acasalar. É nessa fase de superfície (larvas e machos buscando fêmeas) que a transmissão por contato direto é mais provável de acontecer.

A reação alérgica do hospedeiro

O sistema imunológico do cão não ignora essa invasão. A presença do ácaro, suas fezes e a quitina do seu exoesqueleto desencadeiam uma resposta inflamatória massiva. O corpo envia células de defesa para o local, causando vermelhidão, calor e inchaço.

Essa reação é o que chamamos de hipersensibilidade. Curiosamente, cães que nunca tiveram sarna podem demorar algumas semanas para começar a se coçar intensamente após o contágio (período de incubação e sensibilização). Já cães que tiveram sarna antes e são reexpostos começam a se coçar quase imediatamente, pois o sistema imune já “lembra” do inimigo.

A coceira leva ao autotraumatismo (mordidas e arranhões), que quebra a barreira da pele e permite a entrada de bactérias Staphylococcus, criando piodermites secundárias que agravam ainda mais o quadro, gerando pus e crostas melicéricas.

Descontaminação do Ambiente e Prevenção

Limpando onde o cão dorme

O tratamento do cão é apenas metade da batalha. Se o ambiente continuar infestado, a reinfecção é certa. A primeira medida é recolher todas as caminhas, mantas, cobertores e roupas que o animal usou. Esses itens devem ser lavados em máquina com água quente (se possível acima de 50°C) ou deixados de molho em água com desinfetante antes da lavagem normal.

Se o cão dorme na sua cama ou sobe no sofá, as roupas de cama e capas de almofada também devem entrar na faxina. O uso de aspirador de pó é essencial em tapetes, carpetes e estofados, pois ajuda a remover fisicamente as crostas de pele que contêm os ácaros. O saco do aspirador deve ser descartado imediatamente após o uso.

Ácaros odeiam calor e secura. Secar as roupas em secadora ou deixá-las expostas ao sol forte por várias horas ajuda na eliminação dos parasitas remanescentes.

A sobrevivência do ácaro fora do animal

Sarcoptes scabiei é sensível ao ressecamento. Em condições normais de uma casa, ele sobrevive de 2 a 6 dias fora do hospedeiro. Em ambientes frios e úmidos, pode durar um pouco mais. Isso nos dá uma vantagem tática: o tempo.

Se você tem itens que não podem ser lavados (como um colchão grande de cachorro ou bichos de pelúcia delicados), uma estratégia eficaz é o “isolamento” desses objetos. Coloque-os em sacos plásticos pretos bem vedados e deixe-os fechados, de preferência ao sol ou em local quente, por pelo menos uma semana. Sem acesso a um hospedeiro, os ácaros morrerão de fome e desidratação.

Limpeza de pisos pode ser feita com água sanitária diluída (cuidado com o enxágue para não irritar as patas do cão) ou produtos à base de amônia quaternária, que são viricidas e bactericidas potentes, além de auxiliarem na higiene geral.

Isolamento e quarentena de novos pets

Durante o tratamento, o cão infectado deve, na medida do possível, ficar restrito a uma área da casa mais fácil de limpar e separado de outros animais. Se você tem vários cães, a recomendação veterinária padrão é tratar TODOS os animais da casa, mesmo os que não apresentam sintomas. Lembre-se que alguns podem ser portadores assintomáticos no início da infestação.

A prevenção a longo prazo envolve cuidado ao introduzir novos animais. Nunca coloque um novo filhote ou cão resgatado junto com os seus pets residentes sem antes passar por uma consulta veterinária e um período de observação. Banhos e tratamentos preventivos na chegada do novo membro são medidas de segurança básicas.

Evite também que seu cão socialize com animais de rua que apresentem falhas de pelo ou coceira visível. Embora queiramos que nossos pets sejam sociáveis, a saúde deve vir em primeiro lugar.

Tratamentos Eficazes e Comparativo

A revolução dos comprimidos mastigáveis

Antigamente, tratar sarna era um processo trabalhoso, fedido e demorado. Usávamos banhos com produtos tóxicos ou injeções doloridas repetidas vezes. A boa notícia é que a medicina veterinária evoluiu. Hoje, as Isoxazolinas — classe de medicamentos orais mastigáveis — revolucionaram o tratamento da escabiose.

Esses comprimidos, que muitos tutores conhecem como “remédio de pulga e carrapato”, são extremamente eficazes contra o Sarcoptes scabiei. Uma única dose já começa a matar os ácaros em poucas horas, e a manutenção mensal garante a cura completa e a prevenção de reinfestações. Eles são seguros, práticos e têm alta palatabilidade.

Banhos medicamentosos e tópicos

Apesar da eficácia dos comprimidos orais, os banhos ainda têm seu lugar, mas com outra função. Hoje, focamos nos banhos terapêuticos para tratar a pele, não necessariamente para matar o ácaro. Shampoos antissépticos (com clorexidina), calmantes (com aloe vera ou aveia) e queratolticos (para remover crostas) são essenciais para dar conforto ao animal e curar as feridas secundárias.

Os banhos acaricidas antigos (como o Amitraz) caíram em desuso devido à sua toxicidade e complexidade de aplicação, sendo reservados apenas para casos muito específicos ou onde o custo dos orais é proibitivo, sempre sob estrita supervisão veterinária.

Comparativo de Opções de Tratamento

Para te ajudar a visualizar as opções que discutimos no consultório, preparei este quadro comparativo entre as principais abordagens terapêuticas:

CaracterísticaIsoxazolinas (Ex: Simparic, Bravecto, Nexgard)Ivermectina (Injetável ou Oral)Banhos Acaricidas (Amitraz)
Eficácia para SarnaAltíssima. Mata o ácaro rapidamente e previne reinfestação.Média/Alta. Requer múltiplas doses e tempo maior.Média. Depende da aplicação correta em todo o corpo.
Facilidade de UsoExcelente. Um comprimido saboroso.Requer idas ao veterinário (injetável) ou dosagem diária/semanal precisa.Baixa. Cheiro forte, trabalhoso e precisa secar naturalmente.
SegurançaAlta para a maioria das raças (incluindo Collies em doses de bula).Perigosa para raças sensíveis (Collies, Shelties, Border Collies) se não testada.Baixa. Risco de intoxicação se o animal lamber ou estiver debilitado.
Ação na CoceiraIndireta. Ao matar o ácaro rápido, a coceira cessa progressivamente.Lenta. A morte dos ácaros é mais gradual.Lenta. Pode irritar mais a pele inflamada.
Indicação PrincipalPrimeira escolha na dermatologia moderna.Opção de baixo custo para abrigos ou grandes populações.Casos raros ou onde orais não são possíveis.

Tratando a infecção secundária

Não podemos esquecer que matar o ácaro é apenas parte do trabalho. A pele do cão ficou destruída pela escavação e pelas unhas do próprio animal. Muitas vezes, precisamos prescrever antibióticos (se houver infecção bacteriana profunda) e medicamentos para controlar o prurido, como o Oclacitinib (Apoquel) ou o Lokivetmab (Cytopoint), por curtos períodos.

Esses medicamentos para coceira dão “férias” ao cão, permitindo que ele durma e se alimente bem enquanto o acaricida elimina o parasita e a pele se regenera. O tratamento completo é multidisciplinar: mata o bicho, cura a infecção, acalma a pele e limpa o ambiente.

Seguindo essas diretrizes e mantendo uma comunicação aberta com seu veterinário, a sarna sarcóptica deixa de ser um pesadelo e se torna apenas um problema passageiro. Seu cão voltará a ter um pelo brilhante e, o mais importante, voltará a ser aquele companheiro feliz e tranquilo que você tanto ama. Cuide do seu amigo, cuide da sua casa e proteja sua família.

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