Por que os gatos arranham móveis? (E como evitar)
Por que os gatos arranham móveis? (E como evitar)
Você chega em casa após um longo dia de trabalho e encontra aquele cenário clássico. O braço do seu sofá novo está desfiado. O tapete persa ganhou uma textura que você definitivamente não encomendou. É frustrante. Eu entendo perfeitamente essa sensação. No consultório, ouço essa queixa quase diariamente de tutores dedicados que amam seus gatos, mas detestam ver a mobília destruída.
Antes de pensar que seu gato está agindo por vingança ou pura rebeldia, respire fundo. Preciso que você entenda algo fundamental sobre a natureza do seu companheiro. O ato de arranhar não é um desvio de conduta. Não é um comportamento que precisamos “curar”. É uma necessidade fisiológica e comportamental tão vital para ele quanto comer ou dormir.
Como veterinário, meu objetivo hoje é mudar sua perspectiva. Vamos mergulhar na mente e na anatomia do seu felino. Vou explicar exatamente o que acontece biologicamente quando ele crava as unhas no seu estofado e, o mais importante, vou te ensinar a redirecionar esse instinto de forma eficaz. Você não vai precisar escolher entre ter um gato feliz ou ter móveis bonitos. É totalmente possível ter os dois.
Entendendo a Etologia Felina e o Instinto
O comportamento animal, ou etologia, nos ensina que nada na natureza é desperdício de energia. Se o seu gato gasta tempo e calorias arranhando uma superfície, existe uma razão evolutiva poderosa por trás disso. A primeira coisa que você precisa saber é que o arranhão funciona como um letreiro de neon para outros gatos. É uma forma de marcação territorial visual extremamente eficiente. Ao deixar marcas verticais visíveis, ele está sinalizando para qualquer intruso ou membro da família que aquele território já possui um dono.
Além do sinal visual, existe uma camada de comunicação invisível aos nossos olhos humanos. As patas dos gatos possuem glândulas odoríferas localizadas entre os coxins, aquelas “almofadinhas” fofas. Quando ele arranha, ele deposita feromônios específicos naquele local. É como se ele estivesse assinando o local com uma tinta química que diz “eu estive aqui, isso é meu e eu me sinto seguro aqui”. Para o gato, uma casa sem o cheiro dele é um ambiente hostil e estranho.
Essa necessidade de afirmação territorial é ainda mais forte em casas com múltiplos gatos. O ato de arranhar ajuda a estabelecer limites e hierarquia sem a necessidade de brigas físicas. Muitas vezes, o gato que arranha mais vigorosamente em áreas sociais centrais, como a sala de estar, está demonstrando confiança ou tentando se autoafirmar no grupo. Entender isso é crucial. Se você simplesmente impede o gato de arranhar sem dar uma alternativa, você está basicamente tapando a boca dele e impedindo que ele se comunique dentro da própria casa.
A Anatomia da Unha Felina e a Saúde Ortopédica
Vamos falar um pouco de anatomia, mas prometo não ser chato. A unha do gato não é apenas uma “unha” como a nossa. Ela é uma extensão direta da última falange do dedo, a falange distal. Isso significa que a saúde da unha está intimamente ligada à saúde óssea e articular do animal. As unhas dos felinos crescem em camadas, como uma cebola. Quando ele arranha, o objetivo mecânico é remover a bainha externa velha e desgastada, expondo uma nova garra afiada e saudável que está por baixo.
Mas o benefício vai muito além da manicure. Observe seu gato quando ele arranha. Ele estica as patas dianteiras, arquia as costas e estende o corpo todo. Esse movimento é um alongamento ortopédico essencial. Ele ativa os músculos dos ombros, da região lombar e das patas. Para um predador que precisa de explosão muscular para caçar (ou para correr atrás da bolinha de papel), manter essa musculatura alongada e flexível é vital. Impedir esse movimento pode predispor o animal a dores articulares e rigidez muscular precoce.
Outro ponto crítico que vejo na clínica são as doenças ungueais causadas pela falta de desgaste. Gatos que não arranham o suficiente, ou que são impedidos de fazê-lo, podem sofrer com o encravamento das unhas. A unha cresce tanto que faz a volta e perfura o coxim digital, causando dor intensa, infecção e claudicação (manqueira). Além disso, a acumulação de camadas velhas de queratina pode incomodar o animal, alterando sua pisada e afetando sua postura a longo prazo. Portanto, arranhar é uma questão de saúde ortopédica e dermatológica.
O Fator Estresse e o Comportamento Redirecionado
Gatos são esponjas emocionais. Eles absorvem a tensão do ambiente de uma forma que muitos tutores desconhecem. Quando um gato está estressado, ansioso ou se sentindo ameaçado, ele tende a aumentar a frequência de comportamentos de marcação, incluindo o arranhar. É uma forma de mecanismo de enfrentamento. Ao liberar feromônios territoriais e gastar energia física no arranhador (ou no sofá), ele libera endorfinas que ajudam a acalmá-lo.
Você precisa observar o contexto. O gato começou a arranhar excessivamente depois que você mudou os móveis de lugar? Depois da chegada de um bebê? Ou talvez após a introdução de um novo pet? Isso é um sinal clássico de ansiedade. O animal está tentando recuperar o controle do ambiente espalhando seu cheiro familiar por toda parte. Punir o gato nesse cenário só aumenta o nível de estresse e, consequentemente, aumenta a necessidade dele arranhar para se acalmar. Vira um ciclo vicioso destrutivo.
O tédio é outro grande vilão. Gatos domésticos que vivem exclusivamente “indoor” (dentro de casa) muitas vezes não têm estímulos suficientes. Na natureza, eles passariam horas caçando, patrulhando e explorando. No apartamento, a vida pode ser monótona. O sofá acaba virando a atração principal porque oferece uma textura interessante e resistência ideal. Se o seu gato destrói a casa, pergunte-se: o que mais ele tem para fazer? Um ambiente pobre em estímulos cria um gato destrutivo e infeliz.
Enriquecimento Ambiental Avançado e Gatificação
Agora que entendemos o problema, vamos à solução técnica. Não basta comprar um arranhador qualquer no pet shop. Precisamos pensar em “gatificação”. Isso significa adaptar o ambiente para atender às necessidades etológicas do gato. Gatos vivem em três dimensões, não duas. Eles precisam de altura. Criar rotas de fuga verticais, com prateleiras e nichos, permite que o gato domine o território de cima. E adivinhe? Essas estruturas verticais são lugares excelentes para instalar superfícies de arranhar.
A escolha do arranhador deve ser baseada na preferência individual do seu paciente — digo, do seu gato. Existem gatos “verticais”, que gostam de se esticar para cima (como se estivessem arranhando o tronco de uma árvore), e gatos “horizontais”, que preferem arranhar tapetes e carpetes. Você precisa observar onde ele está atacando hoje. Se é o braço do sofá, ele quer verticalidade. Se é o tapete, ele quer horizontalidade. O material também importa. O sisal é excelente porque desfia longitudinalmente, imitando a casca de árvore. O papelão é ótimo, mas dura menos.
O erro número um que vejo nos atendimentos domiciliares é o posicionamento. O tutor compra um arranhador lindo e o coloca na lavanderia, escondido, porque não combina com a decoração da sala. Seu gato não vai até a lavanderia para arranhar. Ele quer arranhar onde a vida acontece, onde o cheiro social da família é mais forte e onde ele acorda de suas sonecas. Coloque o arranhador ao lado do sofá que ele gosta de destruir. Ele precisa ser uma alternativa mais atraente e conveniente do que o móvel proibido.
Técnicas de Redirecionamento e Educação Positiva
Esqueça o borrifador de água. Esqueça os gritos. Como profissional da saúde animal, afirmo categoricamente: a punição física ou o susto não ensinam o gato. Elas apenas ensinam o gato a ter medo de você. Ele vai continuar arranhando o sofá quando você não estiver olhando, e a confiança entre vocês será quebrada. O segredo é o reforço positivo. Quando ele usar o arranhador correto, premie imediatamente. Use petiscos de alta palatabilidade, carinho ou brincadeiras. Faça com que o arranhador seja a “Disneylândia” da casa.
Podemos usar a bioquímica a nosso favor. Existem produtos no mercado que mimetizam os feromônios faciais felinos (aquelas substâncias que eles depositam quando esfregam a bochecha nas coisas). Se aplicarmos esse feromônio sintético (comercialmente conhecido como Feliway Classic, por exemplo) nos locais onde você não quer que ele arranhe, o gato entenderá aquele local como já marcado e seguro, diminuindo a necessidade de arranhar ali. Por outro lado, podemos usar catnip (erva do gato) no arranhador novo para torná-lo irresistível.
A introdução de um novo arranhador deve ser um evento. Brinque com uma varinha perto do objeto. Faça com que o gato crave as unhas no sisal durante a brincadeira. Assim que ele sentir a textura satisfatória sob as garras, o instinto assumirá o comando. Se ele voltar ao sofá, redirecione gentilmente. Bloqueie o acesso ao local preferido do sofá com fita dupla face (gatos odeiam a sensação pegajosa) temporariamente, enquanto o novo arranhador está posicionado logo à frente. É uma reeducação de hábito, não uma imposição de força.
Comparativo de Soluções para Arranhar
Para te ajudar a visualizar as opções, preparei um quadro comparativo entre o produto ideal (Arranhador Torre de Sisal) e duas alternativas comuns no mercado.
| Característica | Arranhador Torre de Sisal (Recomendado) | Arranhador de Papelão Ondulado | Tronco de Madeira Natural |
| Durabilidade | Alta. O sisal é resistente e pode durar anos. | Baixa a Média. O papelão se desfaz com o uso frequente. | Muito Alta. Madeira maciça é extremamente durável. |
| Estabilidade | Excelente (se tiver base larga). Permite o alongamento total. | Variável. Modelos leves deslizam no chão, frustrando o gato. | Excelente, mas geralmente requer fixação complexa ou é muito pesado. |
| Atratividade | Alta. Textura rugosa que permite cravar as unhas. | Muito Alta. A textura macia é quase irresistível para a maioria. | Média/Alta. Depende do tipo de madeira e da casca. |
| Custo-Benefício | O melhor investimento a longo prazo. | Barato inicialmente, mas exige reposição constante. | Custo inicial elevado e difícil de encontrar em áreas urbanas. |
| Limpeza | Fácil. Solta poucos resíduos. | Gera muita sujeira (“farelo” de papelão) pela casa. | Pode soltar cascas e sujeira orgânica. |
Lembre-se de que cada gato é um indivíduo único. O que funciona para o gato do seu vizinho pode não ser a preferência do seu. A chave é a observação e a paciência.
Arranhar é ser gato. Ao fornecer os meios adequados para que ele expresse esse comportamento natural, você não está apenas salvando seu sofá. Você está promovendo saúde física, estabilidade emocional e garantindo que seu amigo felino se sinta verdadeiramente em casa. Observe os sinais, ajuste o ambiente e aproveite a companhia do seu pet sem estresse. Se as tentativas de redirecionamento falharem e o comportamento parecer compulsivo, procure um veterinário comportamentalista para uma avaliação mais detalhada.


