Pica (Alotrofagia) em gatos: O vício de comer plástico e lã
Pica (Alotrofagia) em gatos: O vício de comer plástico e lã

Pica (Alotrofagia) em gatos: O vício de comer plástico e lã

Pica (Alotrofagia) em gatos: O vício de comer plástico e lã[1][2]

Você já pegou seu gato mastigando a alça de uma sacola plástica com um olhar vidrado? Ou talvez tenha notado que aquele seu suéter de lã favorito está misteriosamente cheio de buracos, como se traças gigantes tivessem atacado? Se essas cenas são familiares na sua casa, você não está lidando apenas com um gatinho travesso. Estamos falando de uma condição clínica chamada Pica, ou Alotrofagia, um transtorno que leva o felino a ingerir itens que não são comida.[3][4][5]

Como veterinário, vejo muitos tutores chegarem ao consultório rindo dessas situações, achando engraçado o “gosto exótico” do pet. Mas a verdade é que esse comportamento é um sinal de alerta luminoso sobre a saúde física ou mental do seu animal. Não é apenas uma mania estranha; é um grito de socorro ou um sintoma de que algo no organismo dele não está funcionando como deveria. E o mais importante: pode ser fatal se resultar em uma obstrução intestinal.

Neste artigo, vamos desvendar o que se passa na cabeça e no corpo do seu gato. Vou te explicar por que o plástico e a lã são tão atraentes, como diferenciar uma brincadeira de um transtorno compulsivo e, principalmente, como agir para proteger quem você ama. Esqueça os mitos de internet; vamos falar de ciência veterinária aplicada ao dia a dia da sua casa, de forma prática e direta.

O que é Alotrofagia (Pica)? Entendendo o Comportamento

A Alotrofagia, popularmente conhecida como Pica, é definida pela ingestão consistente e voluntária de materiais não nutritivos. É crucial que você entenda a diferença entre “mastigar e cuspir” e “engolir”. Muitos gatos gostam de destruir caixas de papelão e deixam os pedacinhos espalhados pelo chão. Isso é bagunça, é brincadeira, é comportamento predatório. A Pica ocorre quando o gato realmente engole o material, ou quando o ato de mastigar se torna uma obsessão tão intensa que ele não consegue parar, mesmo sem ingerir.

Esse transtorno é frequentemente comparado ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) em humanos. O gato sente um impulso incontrolável de colocar aquele objeto na boca. Para alguns, é uma forma de aliviar a ansiedade; para outros, é uma resposta a uma deficiência nutricional ou desconforto gástrico. O comportamento costuma começar cedo, ainda na juventude, mas pode surgir em gatos adultos como resposta a mudanças bruscas no ambiente ou doenças subjacentes.

É importante também diferenciar a Pica do comportamento de sucção de lã (wool sucking). A sucção é comum em gatos que foram desmamados muito cedo e buscam conforto simulando a amamentação em tecidos macios. Embora a sucção possa evoluir para a ingestão (Pica), ela começa como um mecanismo de autoconforto, muitas vezes acompanhado daquele movimento de “amassar pãozinho”. A Pica verdadeira é mais agressiva e perigosa, envolvendo a destruição e consumo do material.

Os materiais favoritos: Plástico, Lã e Cordas

Você deve se perguntar: “Por que plástico?”. A preferência por materiais específicos não é aleatória. As sacolas plásticas, por exemplo, muitas vezes contêm amido de milho, gelatina ou estearatos (derivados de gordura animal) em sua composição para evitar que grudem na fabricação ou para torná-las biodegradáveis. Para o olfato apurado do seu gato, aquela sacola de supermercado tem um cheiro sutil de comida. Além disso, a textura lisa e o barulho crocante do plástico estimulam o instinto predador, simulando a sensação de morder ossos ou cartilagens de uma presa.

A lã e os tecidos sintéticos atraem por motivos diferentes. A lanolina, uma cera natural presente na lã de ovelha, tem um odor que muitos gatos acham irresistível e reconfortante. A textura fibrosa desses materiais também oferece uma resistência prazerosa à mastigação, funcionando quase como um “fio dental” que massageia as gengivas. Gatos estressados buscam esses tecidos porque o ato de mastigar libera endorfinas no cérebro, proporcionando uma sensação temporária de relaxamento e prazer.

Já as cordas, fios de carregadores, cadarços e elásticos de cabelo representam um perigo duplo. Eles se assemelham a tripas ou caudas de presas, ativando o instinto de caça. O problema é que a língua do gato possui papilas voltadas para trás, o que torna muito difícil cuspir um fio depois que ele entra na boca. O gato acaba sendo forçado a engolir o objeto linear, o que pode causar o pregueamento do intestino, uma das condições cirúrgicas mais graves na medicina felina.

Sinais de alerta: Como saber se seu gato ingeriu algo

Muitas vezes, você não vai flagrar o gato no ato. O “crime” acontece de madrugada ou quando você está no trabalho. Por isso, você precisa ser um detetive. O primeiro sinal óbvio é o desaparecimento de objetos ou o aparecimento de buracos em roupas e mantas. Se você encontrar pedaços de plástico no vômito ou nas fezes, a confirmação está feita. Mas nem sempre o corpo estranho sai. Fique atento a vômitos frequentes, especialmente se forem logo após comer ou beber água.

Outro sinal clínico importante é a mudança no apetite. Um gato com um corpo estranho no estômago pode ter “apetite caprichoso” – ele quer comer, vai até o pote, mas desiste ou come muito pouco. Em casos de obstrução parcial, ele pode ter diarreia ou fazer fezes muito finas. Dor abdominal também é comum; o gato pode ficar curvado, evitar que você toque na barriga dele ou se esconder mais do que o normal.

A letargia é um sinal tardio e grave. Se o seu gato, que normalmente é ativo, está quieto, prostrado e não quer brincar, leve-o imediatamente ao veterinário. Gatos são mestres em esconder dor. Quando eles demonstram apatia, é porque o problema já está avançado. Não espere ele “melhorar sozinho” se você suspeita que ele engoliu uma fita ou um pedaço de plástico. A rapidez no atendimento é o que separa um tratamento clínico de uma cirurgia de emergência.

As Raízes do Problema: Por que eles fazem isso?

Para resolver a Pica, precisamos tratar a causa, não apenas o sintoma. Dividimos as causas em três grandes grupos, e a investigação veterinária sempre começa descartando as causas físicas. Problemas gastrointestinais crônicos, como a Doença Inflamatória Intestinal (DII), podem causar náusea ou desconforto, e o gato aprende que mastigar grama (ou na falta dela, plástico) alivia essa sensação. É uma tentativa desesperada de automedicação.

A anemia é outra causa médica clássica. Gatos com baixa contagem de glóbulos vermelhos podem desenvolver um desejo por lamber terra, cimento ou areia sanitária (um tipo específico de Pica chamado geofagia), na tentativa de obter minerais como o ferro. Doenças virais como a Leucemia Felina (FeLV) e a Imunodeficiência Felina (FIV), ou problemas hormonais como o hipertireoidismo, aumentam o metabolismo e a fome, levando o gato a buscar “alimento” em qualquer lugar, inclusive em objetos não comestíveis.

Por fim, temos as causas dietéticas. Rações de baixa qualidade, com pouca fibra ou nutrientes desbalanceados, deixam o gato com uma sensação crônica de fome oculta. O organismo dele pede nutrientes que não estão chegando, e o cérebro dispara o comando para buscar outras fontes. Por isso, a primeira pergunta que faço no consultório é sempre sobre o que o gato come. Uma nutrição adequada é a base de qualquer tratamento comportamental ou clínico.

Causas Comportamentais: A mente do gato

Quando os exames clínicos estão normais, olhamos para a mente do gato. O tédio é o inimigo número um do gato moderno de apartamento. Na natureza, um felino passa horas caçando, rastreando e capturando. Em casa, ele recebe a comida pronta no pote. Essa energia acumulada precisa sair de alguma forma. A frustração por não poder expressar comportamentos naturais se transforma em comportamentos destrutivos e compulsivos, como a Pica.

A ansiedade e o estresse também são gatilhos poderosos. Mudanças na rotina, a chegada de um novo bebê ou pet, obras em casa ou até mesmo a tensão entre gatos que não se dão bem no mesmo ambiente podem desencadear o problema. O ato de mastigar libera neurotransmissores calmantes. O gato “descobre” que comer lã o acalma, e passa a repetir isso sempre que se sente inseguro. Torna-se um mecanismo de enfrentamento (coping mechanism) para lidar com um ambiente que ele percebe como hostil ou instável.

A separação precoce da mãe é um fator de risco comportamental significativo. Gatinhos que não foram amamentados o tempo suficiente ou que foram retirados da ninhada antes das 8 a 12 semanas tendem a manter comportamentos orais infantis. Eles transferem a necessidade de sugar a mãe para objetos como cobertores e roupas. Com o tempo, essa sucção pode evoluir para a mastigação e ingestão, consolidando o hábito da Alotrofagia na vida adulta.

A atração sensorial: Por que o plástico é irresistível?

Existe uma ciência sensorial por trás da atração pelo plástico que vai além da simples curiosidade. Como mencionei brevemente, muitos plásticos industriais utilizam sebo bovino ou outros derivados animais como agentes deslizantes. Para um carnívoro estrito como o gato, isso é um chamariz olfativo que nós, humanos, somos incapazes de perceber. O plástico “cheira” a gordura, e gordura é algo que o gato busca instintivamente na natureza.

Além do cheiro, há a questão tátil e auditiva. O som de uma sacola plástica sendo amassada (aquele “crac-crac”) tem uma frequência sonora muito similar ao barulho de pequenos roedores se movendo em folhas secas ou quebrando ossos. Esse som ativa o córtex auditivo do gato e dispara o reflexo de predação. Morder o plástico satisfaz a necessidade de sentir a “quebra” da presa.

A temperatura também influencia. O plástico retém e reflete o calor de forma diferente de outros materiais. Para um gato que está entediado, a sensação de algo liso e fresco na língua é uma novidade sensorial em um ambiente monótono. Gatos exploram o mundo pela boca, e quando encontram um material que oferece múltiplas recompensas sensoriais (cheiro de gordura, barulho de presa, textura interessante), o cérebro reforça positivamente aquele comportamento, criando um ciclo vicioso difícil de quebrar.

A Neurobiologia e Genética por trás da Pica

Para entender a profundidade desse vício, precisamos olhar para dentro do cérebro felino. A Pica não é apenas “mau comportamento”; ela tem raízes neurobiológicas profundas, muitas vezes ligadas a desequilíbrios na química cerebral. Estudos sugerem que a Alotrofagia em gatos compartilha mecanismos com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) em humanos. Isso envolve, principalmente, a serotonina, um neurotransmissor responsável pela regulação do humor, sono e sensação de bem-estar.

O papel da Serotonina e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)

Quando os níveis de serotonina estão baixos ou desregulados, o cérebro busca formas de compensação. Comportamentos repetitivos, como mastigar ritmicamente, podem estimular temporariamente a liberação de serotonina e dopamina, trazendo alívio momentâneo para um estado de ansiedade ou desconforto. É por isso que punir o gato (gritar ou borrifar água) não funciona e pode até piorar o quadro. A punição aumenta a ansiedade, que reduz ainda mais a serotonina, aumentando a necessidade do gato de realizar o comportamento compulsivo para se acalmar.

Além da serotonina, o sistema dopaminérgico — o sistema de recompensa do cérebro — está ativado. Cada vez que o gato mastiga o objeto proibido e sente alívio, a dopamina reforça a conexão neural: “Mastigar plástico = Sentir-se melhor”. Com o tempo, essa via neural fica tão forte que o comportamento se torna automático. O gato não “escolhe” comer a lã; o cérebro dele exige isso como uma droga. Tratamentos com medicamentos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (como a fluoxetina) funcionam justamente porque ajudam a restaurar esse equilíbrio químico, permitindo que o gato “desaprenda” a compulsão.

É fascinante notar como o estresse crônico altera fisicamente o cérebro. Gatos submetidos a ambientes pobres em estímulos ou com conflitos constantes podem ter uma redução na plasticidade neural. Isso os torna mais rígidos em seus hábitos e menos capazes de lidar com frustrações sem recorrer a comportamentos estereotipados como a Pica. O tratamento comportamental visa, portanto, criar novas vias neurais de prazer que não envolvam a ingestão de objetos.

A conexão ancestral: O instinto de “depenar” a presa

Do ponto de vista evolutivo, o gato é um caçador especializado que consome suas presas quase inteiras. Antes de comer a carne, no entanto, muitos felinos realizam o processo de “depenar” ou retirar o excesso de pelos e penas da presa. Esse comportamento motor fino, de usar os dentes incisivos e pré-molares para arrancar pedaços de cobertura, é inato.

Na Pica, esse instinto pode estar redirecionado. Quando você vê um gato arrancando fios de um tapete ou mastigando a franja de uma colcha, você está observando um comportamento de “depenagem” deslocado. Sem uma presa real para processar, e com o instinto de caça frustrado pela alimentação em potes, o gato direciona essa sequência motora para os objetos da casa. O tecido ou o plástico oferece a resistência mecânica que a carne da presa ofereceria.

Isso explica por que muitos gatos com Pica não engolem grandes pedaços de uma vez, mas sim roem e arrancam pedacinhos metodicamente. O ato de rasgar e puxar é, em si, gratificante para o instinto predador. Reconhecer isso é fundamental para o tratamento: precisamos oferecer ao gato alternativas que simulem essa “destruição construtiva”, como brinquedos que podem ser despedaçados de forma segura ou alimentos crus (sob supervisão veterinária) que exijam mastigação real.

Por que Siameses e Birmaneses são mais afetados?

Existe um componente genético inegável na Pica. Raças orientais, especificamente Siameses, Birmaneses, Tonquineses e seus cruzamentos, são estatisticamente muito mais propensos a desenvolver o transtorno, especialmente a sucção e ingestão de lã. Isso sugere que existe um gene, ou um conjunto de genes, que predispõe esses animais a uma maior sensibilidade oral ou a uma disfunção nos mecanismos de saciedade e ansiedade.

Nessas raças, o comportamento pode surgir mesmo em ambientes perfeitos, sem estresse aparente e com boa nutrição. Isso indica que a “fiação” do cérebro deles é ligeiramente diferente. Eles tendem a ser mais vocais, mais apegados aos tutores e mais inteligentes, o que também significa que se entediam mais fácil e sentem a ansiedade de separação com mais intensidade. A Pica nessas raças muitas vezes começa na puberdade, sugerindo também uma influência hormonal na expressão desses genes.

Se você tem um gato oriental ou mestiço, a vigilância deve ser redobrada desde filhote. Evite deixar roupas de lã acessíveis e introduza enriquecimento ambiental cedo. Saber que seu gato tem uma predisposição genética não é uma sentença, mas um aviso para que você adapte o ambiente às necessidades neurobiológicas específicas dele. Eles precisam de mais desafios mentais e interação do que a média dos gatos para manterem seus cérebros saudáveis e longe de comportamentos compulsivos.

Riscos Silenciosos e Perigos Imediatos

A Pica não é apenas um incômodo para o seu guarda-roupa; é uma roleta russa com a vida do seu gato. O risco mais óbvio e letal é a obstrução intestinal. Quando o gato ingere plástico, tecido ou borracha, esses materiais não são digeridos. Eles podem passar pelo estômago, mas frequentemente travam no intestino delgado, que é estreito e cheio de curvas. Isso cria um bloqueio físico. O intestino tenta empurrar o objeto com contrações fortes, o que causa dor intensa, necrose (morte) do tecido intestinal e, eventualmente, perfuração.

A perfuração gástrica ou intestinal leva ao vazamento de conteúdo fecal para dentro da cavidade abdominal, causando peritonite séptica. É uma infecção generalizada gravíssima. Nesse estágio, o gato entra em choque rapidamente. A cirurgia para remover o corpo estranho e limpar o abdômen é complexa, cara e tem um pós-operatório delicado. Infelizmente, muitos gatos não sobrevivem se o diagnóstico demorar.

Além da obstrução física, existe o risco de intoxicação. Plásticos, borrachas e tecidos tingidos contêm corantes, ftalatos, bisfenol A e outras substâncias químicas que não foram feitas para serem ingeridas. A exposição crônica a essas toxinas pode sobrecarregar o fígado e os rins do gato ao longo dos anos. Alguns materiais, como pilhas ou certos tipos de plantas de plástico, podem causar envenenamento agudo imediato, levando a convulsões e falência de órgãos em questão de horas.

Quando correr para o veterinário (Sinais de emergência)

Você precisa saber diferenciar um vômito comum de uma emergência. Gatos vomitam bolas de pelo ocasionalmente, mas se o seu gato vomitar mais de três vezes em um único dia, ou se o vômito for improdutivo (ele faz força, mas não sai nada ou sai apenas uma espuma branca/amarela), corra para o veterinário. A tentativa de vomitar sem sucesso é um sinal clássico de obstrução.

Outro sinal crítico é a ausência de fezes por mais de 24 horas, especialmente se acompanhada de falta de apetite. Se o gato vai à caixa de areia, faz força e chora, ou sai sem fazer nada, isso é uma emergência. Verifique também a boca do gato. Às vezes, um fio ou pedaço de plástico fica preso na base da língua enquanto o resto desce pelo esôfago. Nunca puxe um fio que você vê saindo da boca ou do ânus do gato. Puxar pode cortar o intestino dele por dentro como uma navalha. Deixe isso para o cirurgião.

Fique atento ao comportamento de “fome de ar” ou respiração ofegante, que pode indicar dor extrema ou distensão abdominal comprimindo o diafragma. Se o abdômen do gato estiver duro ao toque (como um tambor) e ele reagir com agressividade ou vocalização quando você tenta pegar, não espere amanhecer. A Alotrofagia pode transformar um gato saudável em um paciente crítico em questão de horas. A prevenção é o melhor remédio, mas a ação rápida é o que salva vidas.

Diagnóstico e Tratamento Veterinário

O diagnóstico da Pica começa com uma conversa detalhada. Eu preciso saber tudo: rotina, dieta, histórico de doenças, ambiente e, claro, o que exatamente ele come. Em seguida, partimos para os exames. O exame de sangue (hemograma e bioquímico) é essencial para descartar anemia, problemas renais, hepáticos e diabetes. Também costumo pedir exames da tireoide para gatos mais velhos e testes virais (FIV/FeLV) se o status do gato for desconhecido.

A imagem é a nossa melhor amiga. O ultrassom abdominal e o Raio-X são fundamentais. O Raio-X pode mostrar objetos radiopacos (como metal ou ossos) e padrões de gás no intestino que sugerem obstrução. O ultrassom é mais sensível para ver espessamento das paredes do intestino (sugerindo inflamação crônica como DII) e para localizar corpos estranhos que não aparecem no Raio-X, como plásticos e tecidos. Em alguns casos, a endoscopia pode ser usada tanto para diagnóstico quanto para remover objetos do estômago sem necessidade de cirurgia aberta.

O tratamento é multimodal. Se houver uma causa médica (como DII ou hipertireoidismo), tratamos a doença primária e, muitas vezes, o comportamento de Pica desaparece. Se a causa for puramente comportamental, entramos com modificação ambiental e, em casos severos, medicação. Medicamentos psicoativos, como a fluoxetina ou clomipramina, podem ser prescritos para reduzir a ansiedade e a compulsividade, mas eles demoram semanas para fazer efeito e não são uma “cura mágica” sem as mudanças no ambiente.

Ajustes na dieta e suplementação

A dieta desempenha um papel central. Gatos com Pica muitas vezes se beneficiam de uma dieta rica em fibras insolúveis. A fibra aumenta a sensação de saciedade e ajuda a regular o trânsito intestinal. Além disso, a presença de mais volume no estômago pode reduzir a ansiedade da fome. Existem rações terapêuticas específicas para saciedade ou para sensibilidade gastrointestinal que funcionam muito bem.

A suplementação com probióticos também tem mostrado resultados promissores. Sabemos hoje que o intestino e o cérebro estão conectados (eixo intestino-cérebro). Um intestino saudável produz neurotransmissores melhores. Introduzir alimentos que exijam mastigação vigorosa, como pedaços maiores de carne (se a dieta permitir) ou pescoço de frango cru (com orientação nutricional), pode ajudar a satisfazer a necessidade oral mecânica de forma segura e nutritiva.

Outra estratégia é oferecer “alternativas verdes”. Grama para gatos (milho de pipoca, trigo ou aveia plantados em vasos) deve estar sempre disponível. Isso dá ao gato algo seguro e fibroso para mastigar e destruir. Se ele tiver uma saída segura para o comportamento de pastar, é menos provável que ataque suas plantas ornamentais ou objetos de plástico.

Transformando o Ambiente: Enriquecimento Avançado

Se o seu gato come plástico por tédio ou instinto reprimido, a solução é dar a ele o que fazer. Mas jogar um ratinho de pelúcia no chão não basta. Precisamos de estratégias avançadas. A “gatificação” (catification) é o processo de adaptar sua casa para as necessidades verticais do gato. Prateleiras, nichos e arranhadores altos permitem que o gato monitore seu território de cima, o que aumenta a sensação de segurança e reduz a ansiedade.

Quebra-cabeças alimentares: Trabalhando pela comida

Na natureza, o gato trabalha duro por cada caloria. Em casa, ele não deve receber comida de graça em um pote sem fundo. Use comedouros lentos, tabuleiros de atividades e bolas dispensadoras de ração. Faça o gato usar o cérebro e as patas para conseguir o alimento. Isso se chama “forrageamento”. O tempo que ele gasta tentando tirar a ração do brinquedo é tempo que ele não passa pensando em comer plástico. Além disso, a resolução do problema libera dopamina, gerando satisfação real.

Estabeleça uma rotina de brincadeiras interativas. Você precisa ser o “motor” da presa. Use varinhas com penas e simule o movimento de um pássaro ou inseto: esconda a isca, faça-a fugir, deixe o gato capturar. A brincadeira deve ter início, meio e fim (captura), seguida de uma recompensa alimentar (petisco ou a própria refeição). Isso fecha o ciclo predatório e drena a energia física e mental acumulada.

Alternativas seguras para mastigação

Para gatos que precisam mastigar, ofereça substitutos seguros. Sticks de Matatabi (Silvervine) são excelentes; são madeira natural que muitos gatos adoram roer e que ainda têm efeito relaxante. Brinquedos de borracha texturizada (semelhantes aos de cães pequenos) podem ser untados com patê para incentivar o uso. Carne desidratada (jerky) para pets é dura e exige mastigação, sendo uma ótima alternativa comestível ao plástico.

O objetivo não é apenas proibir o gato de comer o errado, mas dar a ele o “certo” que seja tão ou mais atraente. Se ele gosta de rasgar papelão, crie uma “caixa de destruição” onde ele pode fazer isso à vontade. Se ele gosta de tecidos, ofereça brinquedos de tecidos resistentes próprios para pets e retire os perigosos do alcance. O gerenciamento do ambiente (esconder fios, guardar roupas, usar lixeiras com tampa) é vital enquanto o tratamento comportamental faz efeito.

Comparativo de Ferramentas para Gerenciamento da Pica

Para te ajudar a escolher as melhores armas nessa batalha contra a Alotrofagia, preparei um comparativo entre três tipos de ferramentas auxiliares que costumo recomendar. Nenhuma delas é a cura sozinha, mas cada uma ataca o problema por um ângulo diferente.

CaracterísticaSpray de Sabor Amargo (Repelente)Difusor de Feromônio (Feliway)Brinquedos de Enriquecimento (Puzzles)
Função PrincipalDissuadir a mastigação pelo gosto ruim.Reduzir a ansiedade e o estresse ambiental.Redirecionar o comportamento e combater o tédio.
Como atuaCria uma associação negativa imediata (gosto horrível) ao morder o objeto proibido.Libera análogos sintéticos de feromônios faciais ou maternos que “dizem” ao cérebro do gato que o ambiente é seguro.Estimula a cognição e o instinto de caça, gastando energia mental e física.
Melhor uso paraFios elétricos, móveis, plantas e locais específicos que não podem ser removidos.Gatos ansiosos, casas com múltiplos gatos, mudanças de rotina ou Pica por estresse.Gatos entediados, comilões vorazes e para uso durante a ausência do tutor.
LimitaçãoAlguns gatos ignoram o gosto ou até gostam. Requer reaplicação constante. Não resolve a causa raiz.Não funciona para todos os gatos. O custo mensal é mais elevado. Ação sutil e a longo prazo.Exige paciência para ensinar o gato a usar. Pode frustrar gatos muito ansiosos no início.
Veredito do VetÚtil como “primeiros socorros” para proteger fios, mas não cura a doença.Essencial se a causa for ansiedade/estresse. Cria a base emocional para o tratamento.A melhor ferramenta de prevenção e manutenção da saúde mental a longo prazo.

Spray de Sabor Amargo: É a sua primeira linha de defesa para o que não pode ser guardado (como o fio da geladeira). Mas lembre-se: ele apenas evita a mordida naquele momento. Se o gato estiver muito motivado, ele pode lamber até o gosto sair ou procurar outro objeto.

Difusor de Feromônio: Pense nele como um “abraço químico”. Ele não vai fazer o gato parar de comer plástico magicamente no primeiro dia, mas vai baixar o nível geral de alerta e ansiedade, tornando mais fácil para o gato aceitar as mudanças e parar com os comportamentos compulsivos ao longo das semanas.

Brinquedos de Enriquecimento: São os verdadeiros remédios para o tédio. Um gato ocupado tentando tirar o petisco de dentro de uma bola não está pensando em comer sua cortina. Invista em variedade e faça rotação dos brinquedos para que eles não percam a graça.

Lidar com a Pica exige paciência, detetive e muito amor. Não brigue com seu gato; ele não faz isso de propósito para te irritar. Ele está doente ou sofrendo. Com o manejo correto, apoio veterinário e um ambiente enriquecido, é possível controlar esse instinto e devolver a paz e a segurança para o seu lar.

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