Otite canina: Como limpar a orelha do cachorro corretamente
Otite canina: Como limpar a orelha do cachorro corretamente

Otite canina: Como limpar a orelha do cachorro corretamente

Você já acordou no meio da noite com o som das orelhas do seu cachorro batendo violentamente contra a cabeça dele? Ou talvez tenha sentido um cheiro diferente, meio adocicado ou azedo, vindo daquela região quando foi fazer um carinho? Se a resposta for sim, você não está sozinho. A otite canina é um dos motivos mais frequentes que trazem pacientes ao meu consultório todos os dias. E a verdade, que muitas vezes não contam nos pet shops, é que a maioria desses casos poderia ser evitada com uma rotina simples, mas técnica, de higienização.

Cuidar dos ouvidos do seu cão não é apenas uma questão de estética ou de evitar odores ruins na casa. É uma questão de saúde, bem-estar e prevenção de dor crônica. O ouvido dos cães é uma estrutura fascinante e complexa, muito diferente da nossa, e compreendê-la é o primeiro passo para garantir que seu amigo viva sem incômodos. Neste guia, vamos mergulhar fundo no universo da saúde auricular canina. Vou te ensinar não apenas o “como fazer”, mas o “porquê” de cada movimento, desmistificando crenças antigas e te dando as ferramentas para ser o melhor enfermeiro particular que seu pet poderia ter.

Por Que a Limpeza dos Ouvidos é Inegociável?

A negligência com a higiene auricular é a porta de entrada para problemas que podem se tornar crônicos e custosos. Diferente de nós, humanos, que muitas vezes passamos a vida inteira sem precisar de uma limpeza profunda nos ouvidos, os cães possuem características biológicas que favorecem o acúmulo de sujeira. Quando você ignora essa necessidade, cria um ambiente de estufa perfeito para microrganismos indesejados.

A prevenção é mais barata e menos dolorosa que o tratamento

Tratar uma otite instalada é um processo desgastante. Envolve consultas, exames de citologia para identificar se a causa é fungo ou bactéria, antibióticos, antifúngicos e, muitas vezes, sedação para limpeza em clínica porque a dor é tanta que o animal não permite o toque. O custo financeiro disso é alto, mas o custo emocional para o cão é ainda maior. Uma rotina de limpeza preventiva, feita em casa com o produto certo, custa uma fração desse valor e mantém a integridade do canal auditivo, evitando que o tecido engrosse e se torne permanentemente estreito, o que chamamos de estenose.

O conforto do seu melhor amigo em primeiro lugar

Imagine ter uma coceira incessante em um lugar que você não consegue alcançar direito. É isso que um cão com início de otite sente. A sujeira acumulada, formada por cerúmen, células mortas, poeira e umidade, causa prurido intenso. Ao limpar as orelhas regularmente, você remove esses irritantes mecânicos. Você devolve a paz ao seu cachorro. Muitos tutores relatam que o comportamento do animal muda, ficando mais calmo e menos irritadiço, simplesmente porque aquele incômodo de fundo, aquele ruído constante de desconforto, desapareceu.

Identificando problemas antes que se tornem graves

O momento da limpeza é, na verdade, um momento de inspeção de saúde. Quando você cria o hábito de mexer nas orelhas do seu cão semanalmente ou quinzenalmente, você passa a conhecer o que é o “normal” dele. Você sabe a cor da cera padrão, o cheiro natural da pele dele e a temperatura da orelha. Isso significa que, no primeiro dia em que a orelha estiver um pouco mais vermelha ou com um cheiro ligeiramente diferente, você notará. Essa detecção precoce é o segredo para resolver problemas com um simples medicamento tópico de curta duração, em vez de meses de tratamentos complexos.

Sinais Claros de que Algo Não Vai Bem

Como veterinário, costumo dizer que os cães falam conosco o tempo todo, mas usam a linguagem corporal em vez de palavras. A dor de ouvido é uma das dores mais agudas que existem, e seu cão dará sinais muito específicos quando precisar de ajuda. Saber ler esses sinais é crucial para diferenciar uma simples orelha suja de uma infecção ativa que requer intervenção médica imediata antes mesmo de você tentar limpar em casa.

O famoso “sacudir de cabeça” e a coceira

O sinal clássico é o “head shake”. O cão sacode a cabeça vigorosamente, fazendo as orelhas baterem nas laterais do rosto. Ele faz isso na tentativa de expulsar o que está incomodando lá dentro, seja um excesso de fluido ou uma coceira profunda. Além disso, você pode notar ele esfregando a cabeça no tapete, no sofá ou usando as patas traseiras para coçar a base da orelha insistentemente. Se o seu cão interrompe brincadeiras ou o sono para coçar a orelha, isso não é normal e indica que o nível de desconforto já ultrapassou o limite do aceitável.

Odores desagradáveis e secreções escuras

O cheiro é um indicador diagnóstico poderoso. Um ouvido saudável tem cheiro de “cachorro”, um odor levemente almiscarado, mas nunca ruim. Se você sentir um cheiro de queijo velho, chulé ou algo azedo, é sinal de proliferação de leveduras (como a Malassezia) ou bactérias. A cor da secreção também muda. O cerúmen normal costuma ser amarelado ou marrom claro. Na otite, podemos ver uma cera marrom escura e barrenta (típica de fungos/ácaros) ou uma secreção purulenta amarelada ou esverdeada (típica de bactérias). Se sair sangue, a situação é emergencial.

Vermelhidão, inchaço e dor ao toque

Antes de introduzir qualquer produto, olhe a parte interna da orelha, aquela pele rosa e lisa. Se ela estiver num tom vermelho vivo, quente ao toque ou inchada, não limpe. A pele inflamada é extremamente sensível e a aplicação de produtos de limpeza, que muitas vezes contêm agentes secantes, pode causar uma ardência insuportável. Além disso, se o seu cão, que normalmente é dócil, tentar morder ou chorar quando você toca perto da orelha, pare imediatamente. Isso é sinal de dor aguda e ele precisa de um analgésico sistêmico prescrito pelo veterinário antes de qualquer manipulação local.

Entendendo a Anatomia e os Fatores de Risco

Para limpar corretamente, você precisa visualizar o que está fazendo. A anatomia do cão é a principal culpada pela alta incidência de otites. Diferente do nosso canal auditivo, que é uma linha reta horizontal até o tímpano, o canal auditivo do cão tem o formato da letra “L”. Ele desce na vertical e depois faz uma curva brusca para a horizontal até chegar ao tímpano. Essa estrutura é perfeita para a audição apurada deles, mas terrível para a ventilação.

O formato em “L” do canal auditivo: Uma armadilha natural

A gravidade joga contra os cães nesse aspecto. A sujeira, a umidade e os detritos entram pelo canal vertical e tendem a se depositar bem na curva do “L”, onde é escuro, quente e úmido — o resort cinco estrelas para bactérias e fungos. É por isso que apenas passar um paninho na parte externa não resolve. Precisamos de uma solução líquida que escorra por essa descida vertical, faça a curva e dissolva a sujeira acumulada lá no fundo, trazendo-a para fora quando o cão sacudir a cabeça. Entender isso muda totalmente a forma como você aplica o produto.

Orelhas caídas vs. Orelhas eretas: Quem corre mais risco?

A raça do seu cão influencia diretamente a frequência da limpeza. Cães com orelhas eretas (como Pastores Alemães e Huskies) têm uma ventilação natural melhor. O ar circula, mantendo o canal mais seco. Já os cães com orelhas pendulares e caídas (como Cocker Spaniels, Golden Retrievers e Basset Hounds) têm uma “tampa” natural sobre o canal auditivo. Isso abafa a região, aumenta a temperatura e a umidade interna. Se você tem um cão de orelhas caídas, sua vigilância precisa ser dobrada, pois a evaporação natural da umidade é quase inexistente.

A influência da alergia alimentar e atopia na otite

Muitos tutores limpam, limpam e limpam, mas a orelha volta a sujar em dois dias. Nesses casos, a “sujeira” não é falta de higiene, é inflamação vinda de dentro para fora. A pele do canal auditivo é uma extensão da pele do corpo. Cães alérgicos (seja a componentes da ração ou a ácaros/pólen do ambiente) manifestam sua alergia inflamando o ouvido. Essa inflamação faz as glândulas de cerúmen trabalharem em excesso. Se você tem um cão que sofre de otites recorrentes mesmo com limpeza correta, o problema provavelmente não está na orelha, mas no sistema imunológico reagindo a algo que ele come ou respira.

Mitos Perigosos e Soluções Caseiras

A internet está cheia de conselhos bem-intencionados, mas que podem ser desastrosos para a saúde do seu pet. No consultório, canso de ver ouvidos queimados ou ulcerados por “receitas naturais”. A pele do canal auditivo é muito fina, tem apenas algumas camadas de células de espessura, e o pH do cão é diferente do humano. Usar produtos inadequados desequilibra a flora natural (microbioma) que protege o ouvido, abrindo espaço para infecções agressivas.

Vinagre e álcool: Por que você deve manter longe das orelhas

Existe um mito antigo de que pingar álcool e vinagre ajuda a secar o ouvido e matar bactérias. O álcool irrita e resseca a pele, causando microfissuras que ardem muito. O vinagre, embora ácido (o que teoricamente combateria fungos), quando usado puro ou em diluição errada, causa queimaduras químicas e inflamação severa se a pele já estiver minimamente lesionada. Imagine jogar suco de limão em um corte no seu dedo. É isso que você faz ao jogar vinagre em um ouvido inflamado. Produtos veterinários têm o pH ajustado especificamente para não agredir a mucosa canina.

Arrancar os pelos de dentro do ouvido: Fazer ou não fazer?

Antigamente, era regra: tem pelo no ouvido, tem que arrancar. Hoje, a medicina veterinária mudou essa diretriz. Arrancar os pelos causa microtraumas na pele, deixando os poros abertos e inflamados, o que facilita a entrada de bactérias. Só recomendamos a remoção dos pelos (tosa ou pinçamento) se o excesso for tanto que esteja criando uma rolha impenetrável que impede a medicação de entrar ou a ventilação de ocorrer. E mesmo assim, isso deve ser feito por um profissional. Para a manutenção em casa, deixe os pelos quietos a menos que seu veterinário tenha instruído explicitamente o contrário.

Soro fisiológico limpa mesmo ou apenas molha?

O soro fisiológico é ótimo para limpar feridas, mas péssimo para limpar ouvidos de cães. Por quê? Porque ele é basicamente água com sal. Ele não tem capacidade ceruminolítica, ou seja, não dissolve a cera gordurosa. É como tentar lavar uma frigideira engordurada apenas com água, sem detergente. Além disso, o soro adiciona umidade ao local. Se você jogar soro e não conseguir secar perfeitamente (o que é impossível lá no fundo do “L”), você acabou de deixar água parada no ouvido do seu cão, favorecendo fungos. Use produtos específicos que tenham propriedades de secagem rápida e quebra de gordura.

O Kit de Limpeza Perfeito (O que Usar e O que Evitar)

O sucesso da limpeza depende 50% da técnica e 50% das ferramentas. Você não precisa de um arsenal complexo, mas precisa dos itens certos. Esqueça as pinças metálicas e os remédios caseiros. O objetivo é remover a sujeira mecanicamente e quimicamente sem causar trauma.

O limpador auricular ideal

Você precisa de um produto veterinário classificado como “ceruminolítico” ou “limpador auricular para uso rotineiro”. Esses produtos contêm ingredientes como ácido lático, ácido salicílico ou extratos calmantes (como Aloe Vera) em concentrações seguras. Eles servem para amolecer a cera dura, desgrudar as crostas da pele e facilitar a expulsão. Alguns ainda possuem tecnologia de neutralização de odores e pH neutro. Evite usar remédios (antibióticos em gotas) para limpar. Remédio é para tratar doença diagnosticada; limpador é para higiene. Usar antibiótico como limpeza cria bactérias super-resistentes.

Algodão ou gaze? A escolha certa para não machucar

Prefira discos de algodão (aqueles de tirar maquiagem) ou gaze macia. O algodão em bola pode soltar fiapos que ficam presos lá dentro. A gaze tem uma textura levemente rugosa que ajuda a “agarrar” a sujeira melhor que o algodão liso, mas deve ser usada com delicadeza para não arranhar. Tenha sempre à mão uma boa quantidade, pois você vai usar vários pedaços até que eles saiam limpos.

O perigo oculto das hastes flexíveis (cotonetes)

Esta é a regra de ouro: Cotonetes são proibidos dentro do canal auditivo. Você pode usar hastes flexíveis apenas para limpar as dobras externas da orelha, aquelas curvinhas cheias de recantos que você enxerga a olho nu. Jamais insira a haste no buraco do ouvido. Lembra do formato em “L”? Ao empurrar o cotonete, você funciona como um êmbolo, empurrando a cera que estava na entrada para o fundo do canal, compactando-a contra o tímpano. Isso cria um tampão de cera que só sai com lavagem sob anestesia, além do risco real de o cão se mexer bruscamente e você perfurar o tímpano dele, causando surdez irreversível.

CaracterísticaLimpador Auricular Veterinário (Recomendado)Solução Caseira (Vinagre/Água)Soro Fisiológico
Poder de LimpezaAlto (Dissolve gorduras e cera)Baixo/Médio (Apenas solta superficialmente)Nulo (Não dissolve gordura)
SegurançaAlta (pH balanceado para cães)Baixa (Risco de queimadura/irritação)Média (Risco de deixar umidade)
Ação SecanteSim (Evapora rápido)NãoNão (Deixa o ouvido úmido)
Controle de OdorSim (Neutraliza moléculas)Não (Mascara ou piora)Não
IndicaçãoUso rotineiro e preventivoNão recomendadoApenas lavagem externa

Passo a Passo Detalhado da Limpeza Segura

Agora que você tem o material e o conhecimento teórico, vamos para a prática. A técnica correta transforma uma luta de vale-tudo em um momento de conexão. O segredo é a calma e a associação positiva. Se o seu cão tem medo, comece apenas manipulando a orelha e dando petiscos, sem limpar, por alguns dias antes de introduzir o produto.

Preparando o ambiente e acalmando o pet

Escolha um local fácil de limpar, pois o cão vai sacudir a cabeça e pode voar cera para as paredes. O banheiro ou uma área externa são ideais. Chame seu cão com voz alegre. Se ele for pequeno, coloque-o sobre uma mesa com tapete antiderrapante (para ele não escorregar e sentir medo). Se for grande, posicione-o sentado de costas para um canto ou parede, assim ele não pode recuar e fugir. Faça carinho, ofereça um petisco de alto valor. Mostre o frasco do produto, deixe ele cheirar e dê outro petisco. Ele precisa entender que aquele frasco traz coisas boas.

A aplicação correta do produto e a massagem essencial

Levante a orelha do cão para expor a entrada do canal (retifique o “L” o máximo possível puxando a orelha levemente para cima). Preencha o canal auditivo com a solução de limpeza. Não tenha medo da quantidade; o canal precisa ficar cheio de líquido para que a sujeira flutue. Dica de ouro: Não encoste o bico do frasco na pele suja da orelha para não contaminar o produto restante.
Assim que aplicar o líquido, abaixe a orelha e imediatamente comece a massagear a base da orelha, bem na junção com a cabeça. Você deve ouvir um barulho de “choc-choc”. Esse som é o líquido se movendo e desgrudando a sujeira das paredes do canal. Massageie vigorosamente, mas com carinho, por uns 15 a 20 segundos. Essa é a parte mais importante.

A remoção da sujeira e a recompensa final

Depois da massagem, afaste-se um pouco e deixe o cão fazer o trabalho dele: sacudir a cabeça. A força centrífuga vai jogar a sujeira amolecida do fundo para fora. Agora, pegue seu algodão ou gaze, enrole no dedo indicador e limpe apenas até onde seu dedo alcança. Remova todo o excesso de líquido e a sujeira que saiu. Repita a passagem do algodão até que ele saia limpo. Nunca force o dedo para dentro. Terminou? Festa! Dê muitos petiscos, brinque, faça festa. Ele deve sair dessa experiência pensando “foi chato, mas valeu a pena pelo prêmio”.

Frequência e Manutenção da Saúde Auricular

Uma dúvida comum é: “devo fazer isso todo dia?”. A resposta é um sonoro não. O ouvido tem um sistema de autolimpeza e uma flora bacteriana saudável. Limpar em excesso remove essa proteção natural e deixa a pele úmida demais, causando o que chamamos de otite por maceração. O equilíbrio é a chave.

Filhotes, adultos e idosos: As necessidades mudam?

Para a maioria dos cães com orelhas saudáveis, uma limpeza a cada 7 ou 10 dias é o ideal. Filhotes devem ser acostumados desde cedo, mesmo que a orelha esteja limpa (simule a limpeza) para que não virem adultos que mordem o veterinário. Cães idosos podem ter a imunidade mais baixa e a pele mais frágil, exigindo produtos mais suaves e inspeções mais frequentes, pois podem não ter energia para demonstrar incômodo como um jovem teria.

Cães nadadores: Cuidados redobrados com a umidade

Se você tem um Labrador, um Golden ou qualquer cão que ama piscina e mar, a regra muda. Toda vez que o cão entrar na água, você deve aplicar o limpador auricular logo depois do banho. A água da piscina (com cloro) ou do mar (com sal e areia) irrita o ouvido. O limpador vai ajudar a remover essa água “suja” e a secar o canal auditivo, restaurando o pH. Considere isso parte do pós-banho obrigatório, assim como a secagem dos pelos.

Quando a limpeza em casa não é suficiente: Hora do Vet

Lembre-se: limpeza é prevenção. Se durante o processo você notar que o cão grita de dor, se houver sangue no algodão, ou se o cheiro for insuportável mesmo após a limpeza, pare tudo. Você não vai curar uma infecção bacteriana apenas lavando; você precisa de medicação prescrita. Insistir na limpeza caseira em um ouvido gravemente infectado é cruel e ineficiente. Use a limpeza para manter a saúde, mas confie no seu veterinário para restaurá-la quando a doença aparecer.

Cuidar das orelhas do seu cão é um ato de amor e responsabilidade. Com as ferramentas certas, a técnica correta e um pouco de paciência, você transformará a saúde do seu pet e evitará dores de cabeça futuras (para você e para ele). Mãos à obra e bom cuidado!

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