Obesidade em Labradores: Genética, Controle e Vida Saudável
Obesidade em Labradores: Genética, Controle e Vida Saudável

Obesidade em Labradores: Genética, Controle e Vida Saudável

Obesidade em Labradores: Genética, Controle e Vida Saudável

Se você convive com um Labrador, provavelmente já presenciou aquela cena clássica: você acabou de servir uma tigela cheia de ração, ele devorou tudo em trinta segundos e, logo em seguida, está sentado ao seu lado com aquele olhar profundo e suplicante, como se não comesse há dias. Não se sinta culpado ou sozinho nessa experiência. Como veterinário, ouço essa história quase todos os dias no consultório. A boa notícia é que existe uma explicação científica para isso, e não, o seu cachorro não é apenas “guloso” por falta de educação.

A relação dos Labradores com a comida é única e biologicamente complexa. Durante muito tempo, acreditávamos que o ganho de peso nessa raça era puramente fruto de excesso de comida e falta de exercícios. Hoje, a ciência nos mostra que o buraco é mais embaixo. A genética desempenha um papel fundamental na forma como o cérebro desses cães processa a fome e a saciedade. Mas atenção: genética não é destino. Entender o que acontece dentro do corpo do seu amigo é o primeiro passo para garantir que ele tenha uma vida longa, saudável e feliz ao seu lado.

Neste artigo, vamos mergulhar fundo no universo da obesidade canina, focando especificamente nos nossos amados Labradores. Vou explicar, de forma simples e direta, o que os estudos mais recentes descobriram e, o mais importante, vou te dar ferramentas práticas para gerenciar o peso do seu cão. Prepare-se para transformar a rotina da sua casa e devolver a vitalidade que seu pet merece. Vamos juntos nessa jornada de saúde.

A Ciência por Trás do Apetite Voraz

A fama de “saco sem fundo” do Labrador não é apenas uma piada entre tutores; ela tem raízes no DNA. Pesquisas recentes, incluindo estudos importantes da Universidade de Cambridge, identificaram que cerca de um em cada quatro Labradores possui uma mutação em um gene específico chamado POMC. Esse gene é responsável por produzir neuropeptídeos que dizem ao cérebro: “Ok, já comi o suficiente, estou satisfeito”. Nos cães com a mutação, essa mensagem de “pare de comer” simplesmente não chega ou chega de forma muito fraca.

Isso significa que o seu Labrador pode sentir fome fisiológica real, mesmo estando com o estômago cheio. Imagine a sensação que você tem quando pula o almoço e chega ao jantar faminto. Para muitos Labradores, essa é a sensação constante, o dia todo, todos os dias. Essa falha na sinalização de saciedade transforma a busca por comida em uma obsessão biológica, e não apenas um mau hábito. Entender isso muda completamente a nossa perspectiva: não é uma falha de caráter do cão, é um desafio fisiológico que precisamos ajudá-lo a gerenciar.

Além da questão da fome constante, a ciência revelou outro dado crucial. A mesma via genética que regula o apetite também influencia o gasto energético. Ou seja, a mutação não só faz o cão querer comer mais, como também pode impactar o metabolismo basal. Isso cria uma “tempestade perfeita” para a obesidade: um impulso incontrolável para ingerir calorias somado a uma eficiência metabólica que conserva energia.

Entendendo a mutação no gene POMC e a saciedade

Aprofundando um pouco mais, o gene POMC (pro-opiomelanocortina) atua no hipotálamo, a região do cérebro que funciona como o centro de controle do apetite. Em um cão sem a mutação, após uma refeição, o corpo libera substâncias que se ligam aos receptores cerebrais para induzir a sensação de plenitude e satisfação. Nos Labradores afetados, essa mutação impede a produção correta de dois neuropeptídeos chave: a beta-endorfina e o hormônio estimulante de melanócitos beta (beta-MSH).

A ausência ou a baixa produção dessas substâncias deixa o “interruptor” da fome ligado permanentemente. É por isso que o treinamento com petiscos funciona tão bem para a raça, mas também é o motivo pelo qual o controle de peso é uma batalha diária. O cão está biologicamente programado para procurar comida incessantemente, pois seu cérebro raramente registra a recompensa química de estar saciado. Isso exige de você, tutor, uma vigilância redobrada e uma compreensão empática de que o comportamento dele é impulsionado por um instinto de sobrevivência desregulado.

É importante ressaltar que nem todo Labrador tem essa mutação. Cerca de 25% da população da raça carrega essa alteração genética. No entanto, o comportamento alimentar voraz é tão disseminado na raça que mesmo os cães sem a mutação específica do POMC tendem a ser mais motivados por comida do que outras raças. Isso sugere que podem haver outros fatores genéticos menores ou características evolutivas da raça que favorecem esse apetite robusto, selecionado talvez em seus ancestrais que trabalhavam em águas geladas e precisavam de reservas de energia.

O impacto metabólico: por que eles queimam menos calorias?

Você já deve ter ouvido alguém dizer: “eu engordo até respirando”. Pois bem, para alguns Labradores, isso não é exagero. Estudos indicam que cães portadores da mutação genética associada à obesidade podem ter um gasto energético de repouso menor do que cães sem a mutação. Em termos práticos, isso significa que, se você tiver dois Labradores do mesmo tamanho e idade, dormindo no sofá pelo mesmo tempo, o que tem a predisposição genética estará queimando menos calorias do que o outro.

Essa diferença metabólica é traiçoeira. Ela implica que a quantidade de ração recomendada no rótulo do pacote — que é baseada em uma média geral para cães — pode ser excessiva para o seu Labrador. Se você seguir estritamente a embalagem sem ajustar para o metabolismo individual do seu pet, você estará, sem querer, superalimentando-o. O corpo dele é extremamente eficiente em estocar energia na forma de gordura, uma vantagem evolutiva no passado, mas um problema sério no conforto da vida moderna doméstica.

Por isso, o cálculo calórico para um Labrador precisa ser personalizado. Não podemos confiar apenas nas tabelas genéricas. Precisamos observar a resposta do corpo dele. Se ele come a quantidade “normal” e engorda, a “normalidade” dele é, na verdade, uma necessidade calórica inferior. Aceitar que seu cão pode precisar de 20% ou 30% menos comida do que um Pastor Alemão do mesmo peso é crucial para o sucesso do controle de peso.

A relação entre o gene DENND1B e o controle de peso

Mais recentemente, a ciência deu outro passo à frente. Além do famoso gene POMC, pesquisadores identificaram variantes no gene DENND1B que também estão associadas ao risco de obesidade em Labradores (e curiosamente, em humanos também). Diferente do POMC, que atua diretamente na via da saciedade, o mecanismo exato do DENND1B ainda está sendo desvendado, mas sabe-se que ele interage com o sistema imunológico e com a regulação de insulina e glicose.

Essa descoberta reforça a ideia de que a obesidade é uma doença poligênica e multifatorial. Não existe um único culpado. A presença de variantes no DENND1B pode explicar por que alguns Labradores que não têm a mutação no POMC ainda lutam contra a balança. Isso mostra que o sistema de regulação de peso é uma rede complexa de sinais hormonais, neurais e metabólicos.

Para você, isso confirma que a abordagem “tamanho único” não funciona. Se o seu cão tem uma genética que desfavorece a magreza, as estratégias de controle precisam ser multimodais: dieta, exercício, enriquecimento ambiental e controle comportamental. A ciência genética não serve para nos dar uma desculpa para deixar o cão obeso, mas sim para nos dar a certeza de que precisamos ser mais rigorosos, consistentes e estratégicos do que os tutores de outras raças.

Identificando os Sinais de Perigo no seu Labrador

Muitos tutores só percebem que o cão está obeso quando o veterinário dá o alerta ou quando surgem problemas de saúde. Isso acontece porque o ganho de peso é gradual e, como vemos o animal todos os dias, nosso cérebro se adapta à nova silhueta e a normaliza. Além disso, a imagem do Labrador “roliço” e “fofinho” é frequentemente romantizada em filmes e propagandas, distorcendo nossa percepção do que é um cão saudável e atlético.

Identificar o sobrepeso precocemente é a melhor forma de prevenção. Não espere seu cão ter dificuldade para levantar ou parar de correr no parque. A obesidade é uma doença inflamatória crônica. O tecido adiposo (gordura) não é apenas um depósito inerte de energia; ele é ativo e libera hormônios e substâncias inflamatórias que afetam o corpo todo. Portanto, saber avaliar o corpo do seu cão é uma habilidade essencial de saúde preventiva.

Vamos aprender a olhar para o seu Labrador com “olhos clínicos”. Esqueça a balança por um momento, pois o peso em quilos pode variar conforme o tamanho da estrutura óssea do animal. O que realmente importa é a composição corporal e a quantidade de gordura que ele carrega. Vamos focar na palpação e na observação visual, métodos que você pode aplicar hoje mesmo na sua sala de estar.

Como utilizar o Escore de Condição Corporal (ECC) em casa

O Escore de Condição Corporal é a ferramenta padrão-ouro que nós veterinários usamos. Imagine uma escala de 1 a 9, onde 1 é esquálido, 9 é obeso mórbido e 4-5 é o ideal. O seu objetivo é manter seu Labrador no escore 4 ou 5. Mas como saber onde ele se encaixa? Comece pela palpação das costelas. Passe as mãos suavemente pelas laterais do tórax do seu cão. Você deve ser capaz de sentir as costelas facilmente, sem precisar fazer pressão, como se estivesse passando os dedos sobre as costas da sua mão. Se parecer que você está tocando a palma da mão (acolchoado), há excesso de gordura. Se parecer os nós dos dedos fechados, ele está magro demais.

O segundo ponto é a vista superior. Olhe para o seu cão de cima enquanto ele está em pé. Você deve ver uma “cintura” clara logo após as costelas, antes dos quadris. O corpo dele deve ter o formato de uma ampulheta suave. Se as linhas laterais forem retas ou abauladas para fora (formato de salsicha ou mesa de centro), ele está com sobrepeso. A ausência dessa cintura é um dos primeiros sinais visuais de acúmulo de gordura abdominal.

Por fim, observe o perfil lateral. Quando o cão está de pé, a linha do abdômen deve subir em direção à virilha (o chamado “tuck up” abdominal). O peito deve ser mais baixo que a barriga. Se a linha da barriga for reta e paralela ao chão, ou pior, se for pendular, é sinal de alerta vermelho. Realize esse check-up caseiro mensalmente. Anotar as mudanças ou tirar fotos mensais ajuda muito a manter a objetividade.

Diferenciando fome real de comportamento “pidão”

Aqui está o maior desafio emocional para os donos de Labradores: diferenciar necessidade fisiológica de manipulação comportamental. Como vimos, a genética pode fazer com que eles sintam fome, mas muitas vezes o comportamento de pedir comida é reforçado por nós. Se toda vez que seu cão te olha com aqueles olhos doces ou coloca a pata na sua perna, você dá um pedacinho de queijo, você ensinou a ele que “olhar triste = queijo”.

A fome real geralmente se manifesta perto dos horários habituais de refeição. O cão pode ficar inquieto, ir até o pote vazio ou lamber os beiços. Já o comportamento de “pedinte” (begging) acontece sempre que você está comendo, independentemente se ele acabou de jantar ou não. Se ele comeu sua ração completa há 30 minutos e está pedindo sua pizza, isso não é necessidade nutricional; é oportunidade e hábito.

Para quebrar esse ciclo, você precisa confiar na nutrição que está oferecendo. Se você está dando uma ração de alta qualidade, na quantidade correta calculada pelo veterinário, seu cão está nutrido. O pedido extra é desejo, não necessidade. Aprenda a ler os sinais de saúde, não os de chantagem emocional. Um cão saudável, com pelagem brilhante e energia, não está passando fome, mesmo que ele tente te convencer do contrário todos os dias.

Os riscos invisíveis: articulações, diabetes e longevidade

A obesidade cobra um preço alto, e nos Labradores, a primeira parcela geralmente é paga pelas articulações. Essa raça já tem predisposição genética para displasia coxofemoral e de cotovelo. Adicione 5 ou 10 quilos extras a essa equação e você tem uma receita para dor crônica e osteoartrite precoce. O excesso de peso sobrecarrega mecanicamente a cartilagem, acelerando o desgaste e transformando caminhadas prazerosas em calvários dolorosos.

Além do esqueleto, o sistema metabólico sofre. O tecido gorduroso em excesso favorece a resistência à insulina, aumentando o risco de diabetes mellitus. Cuidar de um cão diabético exige injeções diárias de insulina e monitoramento rigoroso, mudando completamente a rotina da família. Problemas cardiorrespiratórios, intolerância ao calor e maior risco anestésico também entram na lista de complicações associadas à gordura.

Estudos mostram que cães magros vivem, em média, quase dois anos a mais do que seus companheiros obesos. Pense nisso: manter o peso do seu Labrador controlado não é apenas estética, é ganhar mais dois anos de vida com seu melhor amigo. Dois anos a mais de bolinhas jogadas, de lambidas no rosto e de companhia leal. Esse é o maior incentivo que você pode ter para se manter firme na dieta.

Nutrição Estratégica: Muito Além de Fechar a Boca

Controlar o peso de um Labrador não é apenas reduzir a quantidade de comida no pote. Se você simplesmente diminuir a porção de uma ração de manutenção comum, você pode acabar causando deficiências nutricionais (menos vitaminas e minerais) e deixar o cão desesperado de fome, pois o volume no estômago será muito pequeno. A estratégia correta envolve escolher o alimento certo que permita volume e saciedade com menos calorias.

A nutrição moderna nos oferece ferramentas incríveis. Rações terapêuticas ou específicas para perda de peso são formuladas para serem menos densas energeticamente. Isso significa que o cão pode comer um prato cheio, sentir o estômago preenchido, mas ingerir metade das calorias do que ingeriria com uma ração normal.

Para te ajudar a visualizar as opções, preparei um quadro comparativo entre os principais tipos de dietas disponíveis no mercado para controle de peso:

CaracterísticaRação de Manutenção (Padrão)Ração Light (Comercial)Ração Terapêutica (Saciedade/Veterinária)
Indicação PrincipalCães com peso ideal e ativos.Cães com leve sobrepeso ou tendência a engordar.Cães obesos ou com grande dificuldade de perder peso.
Densidade CalóricaAlta. Focada em energia para o dia a dia.Moderada. Redução leve de gorduras (cerca de 10-15% menos).Baixa/Muito Baixa. Drástica redução calórica por grama.
Teor de FibrasPadrão (3-5%).Aumentado (8-10%) para ajudar no trânsito intestinal.Muito Alto (15-20% ou mais). Focada em expandir no estômago.
SaciedadeBaixa para cães gulosos.Média. Pode não ser suficiente para Labradores compulsivos.Alta. Formulada especificamente para reduzir a fome.
CustoAcessível/Médio.Médio/Alto.Alto (Investimento em saúde).

O papel das fibras e proteínas na sensação de saciedade

O segredo para um Labrador em dieta não passar o dia chorando de fome está na dupla dinâmica: fibra e proteína. As fibras, especialmente as insolúveis, ocupam espaço físico no estômago. Elas absorvem água e incham, enviando sinais mecânicos de plenitude para o cérebro sem adicionar calorias significativas. É como comer uma salada gigante antes do prato principal.

Já a proteína tem um papel duplo. Primeiro, ela tem um alto poder de saciedade digestiva. Segundo, e mais importante, ela protege a massa muscular. Quando um cão perde peso, queremos que ele perca gordura, não músculo. Músculos consomem muita energia, então preservar a massa magra ajuda a manter o metabolismo acelerado. Uma dieta rica em proteínas de alta qualidade garante que o corpo queime os estoques de gordura enquanto mantém a força muscular.

Ao escolher a ração, olhe o rótulo. Procure por níveis elevados de proteína bruta e fibra bruta. E não esqueça da água. A água é essencial para que as fibras façam seu trabalho de expansão. Mantenha sempre água fresca disponível e considere adicionar um pouco de água morna à ração seca para aumentar o volume e liberar aromas que agradam o paladar.

A armadilha dos petiscos e a matemática das calorias

Aqui é onde a maioria das dietas falha. Você compra a ração mais cara, pesa as gramas na balança digital, mas durante o dia oferece “só um biscoitinho”, “só uma pontinha de pão”, “só um pedaço de fruta”. No final do dia, esses “sós” somados podem equivaler a uma refeição inteira extra em calorias. Para um Labrador com metabolismo lento, um biscoito canino comum pode representar 10% da necessidade calórica diária dele.

Não estou dizendo para você nunca mais dar petiscos. A interação e o agrado são partes importantes do vínculo. Mas precisamos ser matemáticos. A regra de ouro é: os petiscos não podem ultrapassar 10% das calorias totais do dia. E, preferencialmente, devem ser descontados da quantidade de ração principal. Se ele comeu um biscoito, tira-se um pouco da ração do jantar.

A melhor estratégia é substituir petiscos industrializados calóricos por opções naturais e de baixa caloria. Cubos de cenoura crua, pedaços de maçã (sem semente), abobrinha ou chuchu cozidos na água e até cubos de gelo são excelentes. Muitos Labradores ficam felizes apenas com o ato de receber algo e o “croc” da mastigação, não importando se é um bife ou um pedaço de pepino. Use essa voracidade a seu favor.

Alimentação interativa: comendo devagar e gastando energia

A forma como você serve a comida é tão importante quanto o que você serve. Jogar a ração em um pote fundo permite que o Labrador aspire a comida em segundos. Isso impede que o cérebro registre a saciedade a tempo e pode até causar problemas digestivos graves, como a dilatação vólvulo-gástrica (torção gástrica), que é fatal.

Abolir o pote tradicional é uma das intervenções mais eficazes que você pode fazer hoje. Use comedouros lentos (slow feeders), que possuem labirintos e obstáculos que obrigam o cão a usar a língua e o focinho para “caçar” cada grão. Isso transforma uma refeição de 30 segundos em uma atividade de 10 ou 15 minutos.

Outra opção fantástica são os brinquedos recheáveis ou dispensadores de comida. O cão precisa rolar, patar e morder o objeto para conseguir o alimento. Isso transforma a hora de comer em enriquecimento mental e físico. Ele gasta energia para obter energia. Para um Labrador, que é uma raça de trabalho e caça, ter que “trabalhar” pela comida é instintivamente gratificante e ajuda a reduzir a ansiedade.

Exercícios Físicos Inteligentes e Enriquecimento Ambiental

Mover o corpo é fundamental, mas para um Labrador com sobrepeso, nem todo exercício é benéfico. Sair para correr 5km no asfalto com um cão obeso pode destruir as articulações dele antes mesmo de ele emagrecer. O objetivo nesta fase inicial é queimar calorias sem causar impacto ou dor. O exercício precisa ser constante e progressivo.

Além do físico, precisamos exercitar a mente. Um cão entediado é um cão que procura o que fazer, e geralmente essa busca termina na cozinha ou destruindo algo. O enriquecimento ambiental combate o tédio e reduz os níveis de cortisol (hormônio do estresse), que também está ligado ao acúmulo de gordura abdominal. Um cão mentalmente cansado é um cão mais calmo e menos obcecado por comida.

Criar uma rotina é essencial. Labradores amam previsibilidade. Se ele sabe que a caminhada acontece todo dia às 7h da manhã e o jogo de buscar bola às 18h, ele tende a ficar menos ansioso nos intervalos. A consistência é a chave para transformar o metabolismo dele a longo prazo.

Atividades de baixo impacto para proteger as articulações

Caminhadas são excelentes, mas precisam ser bem geridas. Prefira terrenos macios como grama ou terra batida em vez de concreto duro. O ritmo deve ser constante – um trote leve ou uma caminhada rápida é melhor para queimar gordura do que o “para e cheira” a cada metro. Comece com 15 a 20 minutos duas vezes ao dia e aumente gradualmente conforme a resistência dele melhora.

Evite pular e frear bruscamente. Jogar frisbee ou bola para ele pegar no ar pode ser perigoso para as costas e joelhos de um cão pesado. Se for jogar bola, jogue rasteiro para que ele não precise saltar e girar o corpo no ar. Subir e descer escadas também deve ser minimizado até que ele perca os quilos iniciais.

Lembre-se da intolerância ao calor e ao exercício. A gordura atua como um isolante térmico, dificultando que o cão se resfrie. Labradores obesos podem superaquecer muito rápido. Evite exercícios nos horários mais quentes do dia e fique atento à respiração ofegante excessiva. Se ele parecer exausto, pare imediatamente.

Jogos mentais: cansando o cérebro para reduzir a ansiedade

Você sabia que 15 minutos de atividade mental intensa podem cansar tanto quanto uma longa caminhada? Jogos de olfato são perfeitos para Labradores. Esconda porções da ração dele pela casa ou no jardim e faça-o usar o nariz para encontrar. Isso ativa o instinto natural de caça e rastreamento, proporcionando uma satisfação enorme.

Treinos de obediência e truques novos também gastam muitas calorias mentais. Ensine-o a “dar a pata”, “rolar”, “fingir de morto”. Use os próprios grãos da ração diária como recompensa durante o treino. Isso fortalece o vínculo entre vocês e mantém o cérebro dele focado em tarefas construtivas em vez de focar na tigela vazia.

Outra ideia é o uso de caixas de papelão e garrafas pet (sem tampas e anéis) para criar desafios. Coloque a ração dentro de uma garrafa pet amassada para que ele tenha que descobrir como tirar os grãos. Esses “quebra-cabeças” caseiros são baratos e extremamente eficazes para manter a mente ocupada.

A natação como aliada de ouro para Labradores pesados

Se existe um “santo graal” do exercício para Labradores obesos, é a natação. A água sustenta o peso do corpo, aliviando completamente o estresse nas articulações, ao mesmo tempo que oferece resistência ao movimento, o que exige grande esforço muscular e cardiovascular. É o exercício perfeito: alta queima calórica com zero impacto.

A maioria dos Labradores ama água instintivamente. Se você tiver acesso a uma piscina segura, um lago limpo ou centros de hidroterapia veterinária, use e abuse desse recurso. Sessões de 15 a 20 minutos de natação podem fazer maravilhas pelo tônus muscular e pela perda de peso.

Sempre supervise a natação. Um cão obeso cansa mais rápido e pode ter dificuldade para sair da piscina. Use coletes salva-vidas próprios para cães se for nadar em águas mais profundas ou abertas, garantindo a segurança enquanto ele se exercita. A hidroterapia profissional, com esteira aquática, é ainda melhor, pois permite controlar a temperatura da água e a velocidade do exercício com precisão.

O Papel Crucial do Tutor na Jornada de Emagrecimento

Chegamos ao ponto mais delicado: você. O sucesso ou fracasso do programa de perda de peso do seu Labrador depende 90% do comportamento humano e 10% do cão. O cão não abre a geladeira, não compra a ração e não se serve sozinho. Somos nós que controlamos o ambiente dele. Reconhecer nossa responsabilidade é o primeiro passo para a mudança.

Muitas vezes, alimentamos nossos cães para alimentar nossas próprias necessidades emocionais. Ver a alegria dele ao receber um petisco nos faz sentir amados. Mas precisamos ressignificar o que é amor. Amor é cuidar da saúde. Amor é querer que ele viva mais tempo. Amor, às vezes, é dizer “não” para o pedaço de pizza e dizer “sim” para uma caminhada juntos.

A disciplina precisa ser constante. Não adianta fazer dieta de segunda a sexta e liberar geral no churrasco de domingo. O organismo do cão não entende “dia do lixo”. A consistência é o que traz resultados. Prepare-se para ser o “vilão” bonzinho da história, aquele que restringe a comida para salvar a vida.

Vencendo a culpa: dizer “não” é um ato de amor

Aquele olhar de “pidão” do Labrador foi evolutivamente desenhado para quebrar nossas defesas. Eles levantam as sobrancelhas (músculo levantador do ângulo medial do olho) para parecerem mais infantis e tristes. É uma armadilha biológica! Quando sentir a culpa bater, lembre-se da anatomia dele. Lembre-se das articulações doendo, do risco de diabetes.

Mude a sua resposta ao pedido. Quando ele vier pedir comida, interprete isso como um pedido de atenção. Em vez de dar um biscoito, dê carinho, faça uma massagem, escove o pelo dele ou jogue uma bolinha. Mostre a ele que interagir com você rende coisas boas que não são necessariamente comestíveis. Com o tempo, ele aprenderá a pedir carinho em vez de comida.

Se a culpa for muito grande, tenha sempre à mão os vegetais permitidos que mencionamos (cenoura, abobrinha). Assim, você atende ao desejo dele de mastigar algo, atende ao seu desejo de agradar, mas sem comprometer a saúde dele com calorias vazias.

Gerenciando a rotina familiar e evitando sabotadores

Um dos maiores desafios é quando nem todos na casa estão a bordo. O pai dá um pedacinho de carne, a avó deixa cair um pão de queijo, as crianças dão o resto do lanche. Esses “sabotadores”, muitas vezes agindo por amor, podem arruinar todo o esforço. É fundamental fazer uma reunião de família e explicar que a dieta é uma prescrição médica séria.

Estabeleça regras claras. Defina quem é a pessoa responsável por alimentar o cão. Se todos alimentarem, é fácil perder a conta de quantas refeições ele já comeu (e o Labrador nunca vai dizer que já almoçou!). Se houver visitas, peça educadamente para não alimentarem o cão, ou deixe um pote com os vegetais permitidos para que as visitas possam oferecer algo seguro.

Se você tem outros animais em casa que não estão de dieta, a alimentação deve ser separada. Labradores são aspiradores e vão limpar o pote dos outros cães ou gatos se tiverem chance. Alimente-os em cômodos separados ou supervisione até que todos terminem, recolhendo os potes imediatamente após a refeição.

Monitoramento contínuo: celebrando vitórias sem comida

A jornada de perda de peso é uma maratona, não um tiro de 100 metros. Pese seu cão a cada duas semanas. Use a mesma balança se possível (a da clínica veterinária é o ideal). Anote o peso e tire fotos de cima e de lado. Ver a cintura aparecer novamente é extremamente gratificante e motivador.

Celebre as conquistas! Se ele perdeu 500g, comemore. Mas não comemore com um banquete. Comemore com um passeio novo, um brinquedo novo ou uma sessão extra de brincadeiras. Crie recompensas que reforcem o estilo de vida ativo e saudável que vocês estão construindo juntos.

Lembre-se que o efeito platô pode acontecer. O peso pode estagnar por um tempo. Não desanime. Reavalie a dieta, ajuste as calorias se necessário (conforme ele emagrece, precisa de menos calorias para manter o novo peso) e continue firme. Com paciência, amor e ciência, você pode vencer a genética e dar ao seu Labrador a vida leve e cheia de energia que ele merece. Você é o melhor remédio que ele tem.

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