O Coração do Seu Maltês Idoso: Um Guia Veterinário Sobre Doenças Cardíacas
O Coração do Seu Maltês Idoso: Um Guia Veterinário Sobre Doenças Cardíacas

O Coração do Seu Maltês Idoso: Um Guia Veterinário Sobre Doenças Cardíacas



O Coração do Seu Maltês Idoso: Um Guia Veterinário Sobre Doenças Cardíacas

Receber o diagnóstico de que seu Maltês tem um “problema no coração” assusta qualquer tutor. Você olha para aquele serzinho branco e peludo, que sempre foi a alegria da casa, e sente um aperto no peito. Eu vejo essa cena no meu consultório toda semana. A boa notícia é que a cardiologia veterinária evoluiu muito nos últimos anos. Hoje conseguimos oferecer uma qualidade de vida excelente para cães idosos, mesmo após o diagnóstico. O segredo está na informação correta e na parceria entre você e o veterinário. Vamos conversar sobre o que realmente está acontecendo dentro do peito do seu amigo.

Entendendo a Predisposição do Maltês às Cardiopatias

A anatomia do Maltês e sua carga genética desempenham um papel crucial no desenvolvimento de doenças cardíacas. Cães de raças pequenas e miniatura possuem uma predisposição hereditária marcante para alterações nas válvulas do coração. Não é algo que você fez de errado ou deixou de fazer. Está escrito no DNA deles. O colágeno que forma as estruturas do coração tende a se degenerar com o passar dos anos de uma forma muito específica nessas raças.

O fator idade é determinante nesse processo degenerativo. Quando atendemos um Maltês com mais de oito ou nove anos, já ficamos em alerta máximo. O envelhecimento natural do organismo causa um desgaste nas estruturas valvulares que deveriam vedar a passagem do sangue. Imagine uma vedação de borracha que, com o tempo, vai ficando ressecada e irregular. É mais ou menos isso que acontece. Esse processo é lento e progressivo, o que nos dá tempo para agir se estivermos atentos aos exames de rotina.

Cães de pequeno porte são o alvo principal da doença valvar crônica. Diferente dos cães gigantes, que sofrem mais com problemas no músculo cardíaco, os pequenos sofrem com as “portas” do coração. O Maltês está no topo dessa lista, junto com Poodles e Cavalier King Charles Spaniels. Essa especificidade racial faz com que nós, veterinários, tenhamos protocolos muito bem estabelecidos para eles. Saber que seu cão pertence a um grupo de risco é o primeiro passo para a prevenção eficaz e o diagnóstico precoce.

A Grande Vilã: Doença Valvar Mitral Mixomatosa

O mecanismo da “porta que não fecha” é a forma mais simples de explicar a endocardiose valvular. O coração funciona como uma bomba com quatro câmaras e válvulas que garantem que o sangue siga em apenas uma direção. A válvula mitral separa o átrio esquerdo do ventrículo esquerdo. Quando o coração bate, essa válvula deve se fechar hermeticamente para empurrar o sangue para o corpo. No Maltês doente, essa válvula fica espessa e deformada. Ela não fecha direito. Parte do sangue que deveria ir para o corpo acaba voltando para o átrio. Chamamos isso de regurgitação mitral.

A evolução dessa doença é silenciosa e traiçoeira. No início, o coração é forte o suficiente para lidar com esse pequeno vazamento. Ele começa a trabalhar um pouco mais para compensar o sangue que retorna. Nessa fase, seu cão não apresenta sintomas visíveis, mas eu já consigo ouvir um “sopro” com o estetoscópio. O sopro nada mais é do que o barulho turbulento desse vazamento. Conforme a doença avança, o átrio esquerdo começa a dilatar para acomodar esse volume extra de sangue. É aqui que o risco de insuficiência cardíaca congestiva começa a aumentar.

Em casos mais avançados, pode ocorrer o rompimento das cordoalhas tendíneas. Essas estruturas funcionam como cordas de paraquedas que seguram a válvula no lugar. Se a pressão for muito grande e a degeneração estiver avançada, uma dessas cordas pode arrebentar. Isso causa uma piora súbita e aguda no quadro do animal. O vazamento se torna massivo de uma hora para outra. É uma situação de emergência que requer intervenção veterinária imediata para estabilizar o paciente e evitar o edema pulmonar agudo.

Sinais Clínicos Que Você Precisa Observar em Casa

A tosse cardíaca tem uma característica muito particular que a diferencia de outras tosses. Muitos tutores descrevem como se o cão estivesse tentando expelir algo preso na garganta, parecido com um “engasgo” ou o som de um ganso grasnando. Essa tosse geralmente piora à noite ou quando o cão fica muito excitado, como quando você chega em casa. Ela acontece porque o átrio esquerdo do coração, agora aumentado de tamanho, começa a comprimir os brônquios que passam logo acima dele. Não é uma tosse de “pulmão cheio” inicialmente, mas sim uma tosse por compressão mecânica.

A intolerância ao exercício é outro sinal clássico que muitas vezes é confundido com “velhice”. Você percebe que seu Maltês, que antes adorava dar a volta no quarteirão, agora para na metade do caminho e pede colo. Ele pode ficar ofegante por muito mais tempo após um esforço mínimo. Em situações mais críticas, você pode notar a língua dele ficando arroxeada ou azulada, o que chamamos de cianose. Isso indica que a oxigenação do sangue está comprometida e o coração não está conseguindo bombear sangue suficiente para suprir a demanda dos músculos.

Os desmaios, tecnicamente chamados de síncopes, são eventos assustadores para qualquer dono. Eles ocorrem quando o fluxo sanguíneo para o cérebro cai momentaneamente. O cão simplesmente “apaga” e cai para o lado, muitas vezes urinando em si mesmo, e acorda segundos depois meio confuso. É fundamental diferenciar síncope de convulsão. Na síncope cardíaca, o animal geralmente volta ao normal rapidamente e não fica remando com as patas. Se seu cão desmaiou, o coração dele está pedindo socorro e o tratamento precisa ser ajustado imediatamente.

O Diagnóstico Veterinário: Montando o Quebra-Cabeça

A ausculta cardíaca é o meu primeiro contato com a saúde do coração do seu pet. Durante a consulta, busco identificar o sopro e classificá-lo em graus que vão de um a seis. Um sopro grau um é quase inaudível, enquanto o grau seis pode ser sentido vibrar ao colocar a mão no peito do cão. O “fremito”. No entanto, a intensidade do sopro nem sempre reflete a gravidade da doença. Um cão pode ter um sopro alto e viver super bem, enquanto outro tem um sopro moderado mas já apresenta insuficiência. Por isso, o estetoscópio é apenas o começo da investigação.

O Ecocardiograma com Doppler é o exame padrão ouro na cardiologia veterinária moderna. Ele nos permite ver o coração por dentro, em tempo real. Conseguimos medir a espessura das válvulas, o tamanho exato de cada câmara cardíaca e a velocidade do fluxo sanguíneo. É com esse exame que definimos se o paciente precisa começar a medicação agora ou se podemos esperar. O ecocardiograma nos dá o estadiamento da doença segundo o consenso do ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine), que guia nossas decisões terapêuticas com precisão científica.

O Raio-X de tórax e a mensuração do VHS (Vertebral Heart Score) complementam nossa visão. Enquanto o eco vê por dentro, o raio-x vê o contorno e o pulmão. Precisamos saber se há líquido no pulmão (edema) ou se os vasos pulmonares estão congestionados. O VHS é um cálculo que fazemos comparando o tamanho do coração com as vértebras da coluna do cão. Isso nos dá um valor objetivo para monitorar se o coração está aumentando de tamanho ao longo dos meses ou anos. É uma ferramenta essencial para o acompanhamento a longo prazo.

Nutrição Específica e Suplementação Cardioprotetora

O controle rigoroso do sódio é a regra número um na alimentação do cardiopata. O excesso de sal aumenta a retenção de líquidos e eleva a pressão arterial, sobrecarregando um coração que já está fraco. Isso significa cortar absolutamente todos os petiscos humanos, como pedacinhos de queijo, presunto ou bordas de pizza. Mesmo algumas rações comuns podem ter níveis de sódio inadequados para um cão com doença valvar avançada. A dieta precisa ser palatável, pois esses cães costumam ser enjoados para comer, mas estritamente controlada em minerais.

Nutracêuticos podem ser grandes aliados quando usados na dose correta e sob prescrição. A Coenzima Q10 é fundamental para a produção de energia nas células do músculo cardíaco, melhorando a força de contração. O Ômega-3, especificamente o EPA e DHA, ajuda a controlar a inflamação e a caquexia, além de ter um efeito leve na regulação do ritmo cardíaco. A Taurina e a L-Carnitina também são frequentemente prescritas para garantir que o metabolismo do miocárdio funcione com eficiência máxima. Não são curas milagrosas, mas dão suporte vital ao tratamento medicamentoso.

A caquexia cardíaca é um estado de perda de peso severa que preocupa muito. O corpo do cão doente gasta muita energia tentando fazer o coração bater e acaba consumindo a própria massa muscular. Você percebe que ele está perdendo peso, principalmente na linha da coluna, mesmo comendo bem. O manejo nutricional aqui é delicado. Precisamos fornecer calorias suficientes e proteínas de altíssima qualidade para evitar que o cão “se consuma”. Muitas vezes optamos por rações terapêuticas específicas ou dietas caseiras balanceadas por nutrólogos veterinários.

Qualidade de Vida e Manejo Ambiental

Monitorar a frequência respiratória durante o sono (FRD) é a lição de casa mais importante que passo para os tutores. Você deve contar quantas vezes o tórax do seu cão sobe e desce em um minuto enquanto ele dorme profundamente. O normal é estar abaixo de 30 movimentos por minuto. Se esse número começar a subir consistentemente para 35, 40 ou mais, é um sinal vermelho. Isso indica que há acúmulo de líquido no pulmão antes mesmo de a tosse começar. Esse monitoramento simples salva vidas e evita internações de emergência.

A rotina de passeios precisa ser adaptada, não necessariamente eliminada. O exercício físico leve é bom, mas não podemos exigir demais. Evite passear nos horários mais quentes do dia. O calor causa vasodilatação periférica e faz o coração ter que bater mais rápido para compensar, o que pode desencadear uma crise. Prefira passeios curtos, em horários frescos, e permita que o cão dite o ritmo. Se ele quiser parar e cheirar a grama, deixe. O estímulo mental é tão importante quanto o físico e cansa menos o coração.

O bem-estar emocional do seu Maltês afeta diretamente a saúde cardíaca dele. Cães muito ansiosos ou que sofrem de ansiedade de separação liberam cortisol e adrenalina constantemente. Esses hormônios são “veneno” para um coração doente, pois aumentam a frequência cardíaca e a pressão arterial. Manter um ambiente calmo, usar feromônios sintéticos ou florais, e garantir que ele se sinta seguro é parte do tratamento médico. O vínculo entre vocês é forte; ele sente sua preocupação. Tente manter a serenidade para passar segurança a ele.

Comparativo de Opções Alimentares para Cães Cardiopatas

Muitos tutores me perguntam qual a melhor opção para alimentar seu Maltês cardiopata. A escolha depende do estágio da doença e da aceitação do animal. Abaixo, comparo três abordagens comuns.

CaracterísticaRação Terapêutica Seca (Ex: Royal Canin Cardiac)Alimentação Natural Prescrita (AN)Ração Sênior Super Premium Comum
Controle de SódioRigoroso e cientificamente balanceado para doentes cardíacos.Excelente, pois permite controle total dos ingredientes e do sal adicionado (zero).Moderado. Geralmente tem menos sódio que ração de adulto, mas pode ser alto para cardiopatas graves.
PalatabilidadePode ser baixa. Muitos cães renais/cardíacos rejeitam a ração seca com o tempo.Altíssima. A maioria dos cães aceita muito bem carnes e legumes frescos.Boa. Costuma ter flavorizantes que atraem o cão, mas nem sempre saudáveis.
PraticidadeMuito prático. É só abrir o pacote e servir. Durabilidade alta.Trabalhoso. Exige cozimento, suplementação obrigatória e espaço no freezer.Prático e fácil de encontrar em qualquer pet shop.
Custo MensalAlto. Rações veterinárias têm valor elevado devido à tecnologia empregada.Médio a Alto. Depende dos ingredientes usados, mas exige compra de suplementos caros.Médio. Mais acessível que as linhas terapêuticas.
Indicação PrincipalEstágios avançados da doença (B2, C e D) onde o erro nutricional não é permitido.Tutores dedicados que buscam alimentos frescos e cães com apetite caprichoso.Estágios iniciais (A e B1) ou prevenção, quando ainda não há necessidade de restrição severa.

Cuidar de um Maltês idoso com doença cardíaca é uma maratona, não uma corrida de velocidade. Com amor, observação atenta e acompanhamento veterinário rigoroso, seu companheiro pode viver momentos felizes ao seu lado por muito tempo. Não desanime diante do diagnóstico. Nós temos as ferramentas para ajudar. O mais importante você já tem: o amor incondicional pelo seu pet. Se você notar qualquer mudança na respiração dele hoje, não espere. Entre em contato com seu veterinário.

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