Melhores remédios para carrapato em cães: Comprimido ou Pipeta?
Você provavelmente já passou por aquele momento de pânico ao acariciar seu cachorro e sentir uma pequena protuberância estranha na pele dele. Ao afastar os pelos, lá está ele: um carrapato. Nesse momento, a primeira reação é correr para o pet shop ou farmácia veterinária. Mas diante da prateleira, surge a dúvida cruel entre tantas caixas coloridas e preços variados. O que é melhor para a saúde do seu animal? Comprimido ou pipeta?
Como médico veterinário, vejo essa dúvida no consultório todos os dias. A resposta não é tão simples quanto escolher o mais caro ou o mais barato. A escolha correta depende do estilo de vida do seu cão, da saúde dele e do ambiente onde vocês vivem. Vamos mergulhar fundo nessa questão para que você nunca mais jogue dinheiro fora ou coloque seu melhor amigo em risco por uma escolha equivocada.
Entendendo o Inimigo: A Biologia do Carrapato e o Risco Real
Para vencer uma guerra, você precisa conhecer o seu inimigo. O carrapato não é apenas um inseto nojento que suga sangue. Ele é um aracnídeo complexo e um vetor de doenças letais. A espécie mais comum que encontramos em cães urbanos é o Rhipicephalus sanguineus, conhecido como carrapato-vermelho-do-cão. Entender como ele opera é o primeiro passo para escolher a arma certa, seja ela um comprimido mastigável ou um líquido tópico.
O ciclo de vida do Rhipicephalus sanguineus
Você precisa saber que o carrapato que você vê no seu cachorro é apenas a “ponta do iceberg”. O ciclo de vida desse parasita é dividido em quatro estágios: ovo, larva, ninfa e adulto. A fêmea adulta, após se alimentar de sangue (o que chamamos de ingurgitamento), desprende-se do cão e busca frestas em paredes ou no solo para colocar milhares de ovos.
As larvas e ninfas são extremamente pequenas, muitas vezes invisíveis a olho nu, e podem passar meses em estado de dormência esperando um hospedeiro passar. Quando você escolhe um remédio, precisa considerar se ele atua rápido o suficiente para quebrar esse ciclo. Se o produto demorar muito para matar o parasita adulto, a fêmea terá tempo de se alimentar e por ovos no seu ambiente, perpetuando uma infestação que pode durar meses.
As doenças transmitidas (Hemoparasitoses)
A maior preocupação não deve ser apenas a coceira ou a espoliação sanguínea, mas sim o que o carrapato injeta na corrente sanguínea do seu animal. As hemoparasitoses, popularmente chamadas de “doença do carrapato”, incluem a Erliquiose e a Babesiose. Essas doenças destroem as plaquetas e os glóbulos vermelhos, levando a quadros de anemia severa e hemorragia.
O ponto crucial aqui é o tempo de transmissão. Estudos mostram que alguns patógenos precisam que o carrapato fique fixado e se alimentando por algumas horas para serem transmitidos. Portanto, a velocidade de ação do medicamento escolhido é vital. Um produto que mata em 4 horas oferece uma proteção muito superior contra doenças do que um que leva 48 horas para fazer efeito, mesmo que ambos acabem matando o carrapato no final.
Por que a prevenção falha com frequência
Muitos tutores chegam ao meu consultório frustrados, dizendo que o remédio “não funcionou”. Na grande maioria das vezes, o produto funcionou, mas a estratégia falhou. O carrapato é um mestre da sobrevivência. Eles sobem paredes, escondem-se em batentes de portas e até no teto.
A falha acontece porque focamos apenas no animal. Se você usa uma pipeta ou comprimido, o carrapato precisa subir no cão para morrer. Se a infestação ambiental for alta, você verá carrapatos subindo no cão constantemente antes de morrerem. Isso dá a falsa impressão de que o remédio é ineficaz. Entender isso muda sua perspectiva: o remédio trata o cão, mas você precisa tratar a sua casa.
A Revolução dos Comprimidos (Isoxazolinas)
Nos últimos anos, a medicina veterinária foi transformada pelo surgimento das isoxazolinas. Esses são os princípios ativos presentes na maioria dos comprimidos mastigáveis modernos contra pulgas e carrapatos. Eles trouxeram uma conveniência que mudou a rotina de muitos tutores, mas é essencial entender como eles agem dentro do organismo do seu pet para usar com segurança.
Mecanismo de ação sistêmica e a necessidade da picada
Os comprimidos funcionam de forma sistêmica. Isso significa que, após seu cão ingerir o medicamento, o princípio ativo é absorvido pelo sistema digestivo e entra na corrente sanguínea. Ele se liga às proteínas do plasma e fica circulando pelo corpo do animal por um período determinado.
Aqui está o detalhe que você precisa aceitar: para o comprimido funcionar, o carrapato precisa picar o seu cachorro. Ao sugar o sangue contendo a medicação, o sistema nervoso do parasita é afetado, levando-o à paralisia e morte. Se você ver um carrapato seco ou morto preso na pele do cão, o remédio funcionou. Muitos tutores se assustam ao ver o carrapato lá, mas a picada é um pré-requisito da ação sistêmica dessas drogas.
A questão da palatabilidade e aceitação gástrica
A indústria farmacêutica investiu pesado para tornar esses medicamentos atraentes. A maioria vem com sabor de fígado ou carne, transformando a hora do remédio em um petisco. Isso facilita muito a vida de quem tem cães difíceis de manipular. No entanto, nem tudo são flores.
Como o medicamento precisa ser digerido, alguns animais com estômago sensível podem apresentar vômitos ou diarreia logo após a ingestão. Se o seu cão vomitar o comprimido em menos de uma ou duas horas, a eficácia pode ser comprometida, e você terá jogado dinheiro fora. É sempre recomendável oferecer o comprimido junto ou logo após uma refeição completa para proteger a mucosa gástrica e melhorar a absorção do fármaco.
Durabilidade estendida e a liberdade dos banhos
A grande vantagem competitiva dos comprimidos é a resistência à água. Como o medicamento está no sangue, você pode dar banho no seu cachorro, levá-lo para a piscina ou pegar chuva quantas vezes quiser, e o efeito não passará.
Além disso, a posologia costuma ser mais espaçada. Enquanto a maioria das pipetas exige aplicação mensal rigorosa, existem comprimidos que duram 35 dias, e outros que chegam a durar 12 semanas (três meses). Para tutores com rotina corrida, essa durabilidade reduz as chances de esquecimento, que é a principal porta de entrada para novas infestações.
A Tradição das Pipetas e Ação Tópica
Antes dos comprimidos saborosos, as pipetas (pour-on) dominavam o mercado. Elas ainda têm um lugar muito importante na medicina preventiva e, em alguns casos específicos, são superiores aos comprimidos. O segredo das pipetas está na forma como elas se distribuem pelo corpo sem necessariamente precisarem entrar na corrente sanguínea principal.
Ação por contato e efeito repelente
Diferente dos comprimidos, muitas pipetas funcionam por contato. O princípio ativo se espalha pela camada lipídica (gordura) da pele e pelos do animal. Quando o carrapato sobe no cão, ele entra em contato com o veneno e morre, muitas vezes antes mesmo de picar.
Algumas pipetas contêm substâncias como a permetrina, que possui efeito repelente. Isso é uma vantagem tática enorme. O carrapato muitas vezes nem consegue se fixar. Além disso, esse efeito repelente é fundamental para prevenir a Leishmaniose, doença transmitida pelo mosquito-palha, contra a qual os comprimidos comuns para carrapatos não oferecem proteção. Se você mora em área endêmica de Leishmaniose, a pipeta repelente ou coleira é quase obrigatória.
Dificuldades na aplicação e restrições de banho
A eficácia da pipeta depende inteiramente da sua habilidade em aplicá-la corretamente. Você deve afastar bem os pelos, geralmente na região da nuca ou dorso (onde o cão não alcança para lamber), e aplicar o líquido diretamente na pele. Se você aplicar apenas sobre o pelo, o produto não se espalhará corretamente e falhará.
Outro ponto crítico é o banho. Para que a pipeta funcione, o cão precisa ter a oleosidade natural da pele. Você não deve dar banho dois dias antes e nem dois dias depois da aplicação. Banhos semanais com xampus fortes ou terapêuticos removem a camada lipídica da pele, levando embora o remédio e diminuindo drasticamente o tempo de proteção, que raramente chega aos 30 dias prometidos em cães que tomam banho com frequência.
Indicações específicas para cães alérgicos ou atópicos
Cães que sofrem de dermatite atópica ou feridas na pele podem ter problemas com pipetas. O álcool ou veículo da solução pode arder ou causar reações locais severas, como alopecia (queda de pelo) no local da aplicação. Nesses casos, a avaliação veterinária é crucial.
Por outro lado, para cães com alergia alimentar severa, que não podem ingerir as proteínas saborizantes dos comprimidos mastigáveis, a pipeta surge como a solução ideal, pois contorna o sistema digestivo e evita o desencadeamento de crises alérgicas sistêmicas.
Segurança Farmacológica e Contraindicações
Este é o tópico onde preciso que você preste máxima atenção. Medicamentos são drogas, e toda droga tem potencial de toxicidade. Não caia na armadilha de achar que, porque vende no pet shop sem receita, é inofensivo. A segurança do seu animal depende do seu conhecimento sobre o histórico de saúde dele.
Metabolismo hepático e histórico de convulsões
Os comprimidos da classe das isoxazolinas (fluralaner, afoxolaner, sarolaner) são metabolizados ou excretados com participação hepática. Embora sejam considerados seguros pela FDA e agências reguladoras, existem relatos raros de eventos neurológicos adversos.
Se o seu cão tem histórico de convulsões, epilepsia ou qualquer distúrbio neurológico, você deve ter cautela extrema. O mecanismo que mata o carrapato afeta o sistema nervoso dele, e em cães predispostos, pode baixar o limiar convulsivo. Nesses casos, como veterinário, costumo recomendar o uso de tópicos (pipetas ou coleiras) para evitar picos de concentração plasmática da droga que poderiam desencadear uma crise.
A sensibilidade em raças com gene MDR1
Certas raças de cães pastores, como Border Collies, Pastores Australianos, Shetland Sheepdogs e Pastores Alemães, podem carregar uma mutação no gene MDR1. Esse gene é responsável por criar uma barreira que impede certas drogas de entrarem no cérebro.
Cães com essa mutação são hipersensíveis a diversos medicamentos, incluindo algumas lactonas macrocíclicas (como a ivermectina). Embora as isoxazolinas modernas sejam testadas nessas raças, a prudência é a melhor amiga do veterinário. O uso de pipetas à base de determinados princípios ativos também exige cuidado nessas raças. Se você tem um cão pastor, converse com seu veterinário sobre testes genéticos ou opte por moléculas comprovadamente seguras para essa condição específica.
Filhotes, idosos e gestantes
Nunca medique um filhote sem ler a bula ou consultar um profissional. A maioria dos comprimidos só é liberada a partir de 8 semanas de vida e 2kg de peso. Dar um comprimido forte para um cãozinho de 40 dias pode causar intoxicação grave por imaturidade do fígado e rins.
Para cadelas gestantes e lactantes, a restrição é ainda maior. Muitos produtos não foram testados nessa categoria e podem causar malformação fetal ou passar pelo leite para os filhotes. Existem marcas específicas (tanto de pipeta quanto comprimido) que possuem selo de segurança para gestantes. Não arrisque a ninhada usando o que sobrou na gaveta.
O Controle Ambiental Integrado: Onde a Batalha é Vencida
Você pode comprar o remédio mais caro do mundo, mas se não tratar a sua casa, a infestação vai voltar. O conceito de controle integrado é a base da medicina veterinária preventiva moderna. Nós não tratamos apenas o paciente; tratamos o ecossistema onde ele vive.
A regra do iceberg: 5% no cão e 95% na casa
Imagine que para cada carrapato que você vê andando no seu cachorro, existem cerca de 19 outros (entre ovos, larvas e ninfas) escondidos no ambiente. Eles estão nas frestas do piso, no rodapé, debaixo da casinha do cachorro, nos tapetes e até na grama do quintal.
Isso significa que 95% do problema está fora do alcance do comprimido ou da pipeta. O remédio no cão serve como uma “armadilha viva”. O carrapato sobe, pica e morre. Mas se a carga ambiental for muito alta, o cão será picado centenas de vezes antes de limpar o ambiente, o que aumenta o risco de doenças. Você precisa atacar o ambiente diretamente.
Escolhendo produtos para casa e quintal
Não use produtos de limpeza doméstica comuns (cloro, desinfetante floral) achando que matam carrapatos. Eles limpam a sujeira, mas fazem cócegas nos parasitas. Você precisa de acaricidas ambientais específicos, geralmente à base de cipermetrina, deltametrina ou outros piretróides.
A aplicação deve ser estratégica. Pulverize as paredes até 1 metro de altura (carrapatos sobem), em frestas e cantos. E muito cuidado: retire os animais e pessoas do ambiente durante a aplicação e só retorne quando estiver seco. Se você tem gatos, atenção redobrada, pois muitos desses produtos ambientais são tóxicos para felinos. O fogo (vassoura de fogo) pode ser útil em quintais de cimento e muros de pedra, pois queima os ovos que os venenos líquidos às vezes não penetram.
Rotação de princípios ativos e resistência
Assim como bactérias ficam resistentes a antibióticos, carrapatos podem desenvolver resistência a venenos usados repetidamente por anos. Se você usa o mesmo veneno no quintal há 5 anos e percebe que não está mais funcionando, não adianta aumentar a dose. Você precisa trocar a família química do produto.
O mesmo vale, teoricamente, para os antiparasitários dos cães, embora a resistência aos novos comprimidos ainda seja rara. No entanto, alternar métodos (usar comprimido em uma época e pipeta em outra) pode ser uma estratégia válida em planos de controle de longo prazo, sempre sob supervisão veterinária.
Comparativo Direto: Qual Escolher?
Para facilitar sua decisão, preparei um quadro comparando um líder de mercado em comprimidos, um líder em pipetas e uma terceira opção popular.
| Característica | Bravecto (Comprimido) | Frontline Top Spot (Pipeta) | Simparic (Comprimido) |
| Princípio Ativo | Fluralaner | Fipronil | Sarolaner |
| Mecanismo | Sistêmico (precisa picar) | Contato (tópico) | Sistêmico (precisa picar) |
| Duração | Até 12 semanas (3 meses) | Aprox. 30 dias | Aprox. 35 dias |
| Resistência à água | Total (pode banhar) | Baixa (banhos reduzem eficácia) | Total (pode banhar) |
| Proteção Leishmaniose | Não | Não (algumas versões sim*) | Não |
| Indicação Principal | Praticidade e longa duração | Cães que não podem ingerir drogas | Custo mensal mais acessível |
*Nota: Existem versões de pipetas com permetrina que protegem contra Leishmaniose, verifique sempre a embalagem.
Como tomar a decisão final no consultório
A escolha entre comprimido e pipeta não deve ser baseada apenas no que o vizinho usa. Se você tem um cão que vive em apartamento, toma banho semanalmente no pet shop e dorme na sua cama, o comprimido geralmente vence pela praticidade e resistência à água. O risco de intoxicação da família pelo contato com o pelo é nulo, e você garante 1 a 3 meses de tranquilidade.
Por outro lado, se você tem um cão que vive em sítio, área de mata, litoral ou região endêmica para Leishmaniose e Dirofilariose (verme do coração), a pipeta (especialmente as que combinam repelentes) ou o uso associado de coleiras é superior. O efeito repelente é uma barreira que o comprimido não oferece.
Além disso, avalie o seu bolso. O custo inicial de um comprimido trimestral é alto, mas se dividir por três meses, muitas vezes empata com o custo mensal de pipetas de boa qualidade.
Lembre-se sempre: o melhor remédio é aquele que é administrado corretamente. Não divida comprimidos não sulcados com o vizinho para economizar (a droga não é distribuída igualmente no tablete), não aplique pipeta em cão molhado e mantenha a regularidade.
A saúde do seu cão e a segurança da sua família contra zoonoses dependem dessa pequena atitude. Na dúvida, leve seu amigo para um check-up e discutiremos a melhor estratégia personalizada para ele. Afinal, cada cão é único e merece uma proteção feita sob medida.


