Latido excessivo: Como acalmar um cão barulhento
Você chega em casa exausto após um longo dia de trabalho e, antes mesmo de girar a chave na fechadura, ouve aquele som familiar. O latido incessante, agudo e ritmado que parece atravessar as paredes e testar a paciência dos vizinhos. Se essa cena faz parte da sua rotina, saiba que você não está sozinho nessa jornada. No meu consultório, essa é uma das queixas mais frequentes que recebo de tutores desesperados e com olheiras profundas.
A boa notícia é que o latido excessivo raramente é “birra” ou maldade do animal. Na grande maioria das vezes, é um pedido de socorro ou um sinal de que necessidades básicas não estão sendo atendidas. Cães são animais sociais que evoluíram para vocalizar, mas o volume e a frequência exagerados indicam um desequilíbrio na rotina ou na saúde emocional do pet.[1][2][3] Resolver isso exige paciência, consistência e, acima de tudo, uma mudança na nossa postura como tutores.
Neste artigo, vamos mergulhar fundo na mente canina. Vamos entender o que motiva o barulho e traçar um plano prático para trazer a paz de volta ao seu lar. Esqueça as soluções mágicas ou punições severas. A ciência do comportamento animal nos mostra caminhos muito mais eficazes e humanos para lidar com esse desafio.
Entendendo a raiz do barulho e por que seu cão late
Para resolver o problema, precisamos primeiro atuar como detetives. O latido é a voz do seu cachorro e ele serve a propósitos muito específicos na natureza. Tentar calar um cão sem entender o motivo é como tentar tapar um vazamento com fita adesiva: a pressão continua lá e vai estourar em outro lugar. O primeiro passo para a cura é identificar o gatilho emocional que dispara a vocalização.[3]
Comunicação ou manipulação e os diferentes tipos de latido
Nem todo latido é igual.[1] Existe o latido de alerta, que é grave e espaçado, usado para avisar que há algo estranho no território. Existe o latido de medo, geralmente agudo e repetitivo, acompanhado de uma postura corporal retraída. E existe o latido de demanda, aquele que o cão aprendeu a usar para controlar você. Se ele late e você olha, late e você abre a porta, ou late e você coloca comida, ele acaba de adestrar você.
Identificar essa diferença é crucial. Se o latido for por medo, brigar com o animal só vai confirmar que a situação é perigosa, aumentando o pânico. Se for por demanda, qualquer reação sua, mesmo uma bronca, funciona como recompensa, pois você deu a atenção que ele queria. Observe a linguagem corporal. Orelhas para trás e rabo entre as pernas indicam insegurança. Peito estufado e olhar fixo indicam alerta ou demanda.
A fisiologia do estresse e o papel do cortisol
Quando um cão entra em um ciclo de latidos histéricos, o corpo dele está sendo inundado por cortisol e adrenalina. Isso não é um comportamento racional, é uma resposta fisiológica. O cão entra em um estado de alerta máximo onde ele é incapaz de aprender ou de se controlar. É por isso que gritar “cala a boca” raramente funciona. O cérebro dele está bloqueado para comandos.
Imagine que você está tendo uma crise de pânico e alguém começa a gritar equações matemáticas para você resolver. É impossível processar. Para acalmar o latido, precisamos primeiro baixar esses níveis hormonais. Isso envolve tirar o cão da situação estressante e oferecer atividades que estimulem a liberação de endorfina e serotonina, como roer ou lamber, que são comportamentos naturalmente calmantes para a espécie.
Tédio e energia reprimida do cão desempregado
A maioria dos cães modernos está desempregada. Eles foram criados por séculos para pastorear ovelhas, caçar, proteger vilas ou buscar presas. Hoje, a única função deles é esperar você voltar do trabalho. Essa energia acumulada precisa sair de alguma forma e, frequentemente, ela sai pela boca. Um cão cansado é um cão silencioso.
O tédio é um veneno para a mente canina. Se o seu cachorro passa 8 ou 10 horas por dia sem nada para fazer, ele vai inventar um trabalho. E o trabalho que ele inventa geralmente é latir para o vento, para a moto que passa na rua ou para a mosca na parede. Aumentar a atividade física e mental não é opcional para cães vocais, é a base do tratamento. Sem gastar essa “bateria” de forma produtiva, nenhuma técnica de adestramento terá sucesso a longo prazo.
O lado clínico e quando o latido é um sintoma médico
Como veterinário, minha obrigação é sempre descartar causas físicas antes de assumir que o problema é apenas comportamental. Muitos cães são rotulados como “chatos” ou “barulhentos” quando, na verdade, estão sofrendo calados. O latido pode ser a única maneira que eles encontram para manifestar que algo não vai bem no corpo deles. Antes de contratar um adestrador, uma visita completa ao consultório é mandatória.
Dor crônica e o desconforto silencioso
Cães são mestres em esconder dor. Na natureza, demonstrar fraqueza atrai predadores, então eles mascaram o sofrimento até não aguentarem mais. No entanto, a dor crônica, como a de uma artrose no quadril ou um problema dentário, deixa o animal irritadiço. O “pavio curto” faz com que estímulos que antes ele ignorava se tornem insuportáveis.
Se o seu cão começou a latir excessivamente de uma hora para outra, ou se ele reage agressivamente quando alguém se aproxima enquanto ele está deitado, desconfie de dor. Um check-up ortopédico e odontológico pode revelar que aquele latido “chato” era, na verdade, um gemido de dor constante. Tratar a dor frequentemente resolve o problema comportamental “magicamente”, devolvendo a paciência ao animal.
Disfunção cognitiva em cães idosos
O envelhecimento traz desafios específicos para o cérebro. A Disfunção Cognitiva Canina é muito semelhante ao Alzheimer em humanos. Cães idosos podem começar a latir para paredes, ficar presos em cantos ou latir compulsivamente durante a noite. Eles podem estar desorientados, confusos e com o ciclo de sono invertido.
Nesses casos, o latido é um sinal de angústia mental e desorientação. Punir um cão idoso por isso é cruel e ineficaz. O tratamento envolve suplementação com antioxidantes, medicamentos que melhoram a oxigenação cerebral e manejo do ambiente para que ele se sinta seguro. Se o seu cão velhinho começou a vocalizar sem motivo aparente, principalmente à noite, converse com seu veterinário sobre essa possibilidade.
Problemas auditivos e visuais
À medida que os sentidos falham, o mundo se torna um lugar mais assustador. Um cão que está perdendo a visão ou a audição pode se assustar com sombras ou vibrações que ele não consegue identificar bem. O latido surge como uma defesa preventiva: “Eu não sei o que é isso, então vou latir para afastar”.
Além disso, cães surdos não conseguem regular o volume da própria voz. Eles podem latir muito mais alto do que o necessário simplesmente porque não se ouvem. Diagnosticar essas perdas sensoriais ajuda a adaptar a comunicação. Para um cão que está ficando surdo, passamos a usar sinais gestuais e vibração no chão, evitando sustos que geram latidos defensivos.
Estratégias comportamentais que funcionam
Uma vez descartadas as causas médicas, entramos no terreno da modificação comportamental. O segredo aqui não é a força, mas a inteligência. Precisamos ensinar ao cão que o silêncio traz recompensas melhores do que o barulho. É um processo de reeducação que exige que todos na casa falem a mesma língua e sigam as mesmas regras.
A arte de ignorar e a extinção do comportamento
Essa é a técnica mais difícil para os humanos, mas extremamente eficaz para latidos de demanda. Quando seu cão late pedindo atenção, comida ou passeio, você deve se tornar uma estátua. Não olhe, não toque e não fale. Vire as costas se necessário. No momento exato em que ele parar para respirar, você o recompensa e dá atenção.
Prepare-se para o que chamamos de “pico de extinção”. Antes de melhorar, vai piorar. O cão vai latir mais alto e com mais força, pensando: “Ei, funcionava antes, por que não funciona agora?”. Se você ceder nesse momento, ensinará a ele que ele só precisa latir mais alto para ganhar. Mantenha-se firme. Quando ele perceber que a estratégia antiga falhou, ele tentará o silêncio. É aí que você entra com o prêmio.
Ensinando o comando de silêncio
É paradoxal, mas para ensinar o cão a ficar quieto, às vezes precisamos ensiná-lo a latir sob comando. Primeiro, estimule o latido e recompense, associando a palavra “fala”. Depois que ele entender isso, estimule o latido e, quando ele parar, diga “quieto” e entregue um petisco de alto valor imediatamente.
Repita isso centenas de vezes. O objetivo é criar um interruptor. Quando você disser “quieto”, o cão deve antecipar que uma recompensa vem se ele fechar a boca. Com o tempo, você aumenta o intervalo entre o silêncio e a recompensa. Comece com 1 segundo, depois 3, depois 10. Ele aprende que o estado de calma é a chave para o cofre de petiscos.
Dessensibilização sistemática para gatilhos
Se o gatilho é a campainha ou o interfone, precisamos mudar a emoção que esse som provoca. Grave o som da campainha no seu celular. Toque-o em um volume muito baixo, quase inaudível, e dê petiscos deliciosos ao cão. Se ele não latir, ótimo. Aumente o volume gradativamente ao longo de dias ou semanas.
A ideia é que o som da campainha deixe de ser um alerta de “invasão” e passe a ser um sinal de “comida gostosa vai aparecer”. Se em algum momento ele latir, você avançou rápido demais. Volte um passo, diminua o volume e recomece. Esse processo muda a resposta emocional do cérebro, transformando a ansiedade em expectativa positiva.
Enriquecimento ambiental como solução
Um ambiente pobre gera comportamentos pobres. Cães são caçadores e coletores por natureza. Dar comida em um pote de cerâmica em 30 segundos é um desperdício de uma oportunidade de atividade mental. O enriquecimento ambiental visa transformar a sua casa em um parque de diversões cognitivo que cansa o cão de forma saudável.
Alimentação ativa e o fim do pote comum
Jogue o pote de comida fora. Ou melhor, use-o apenas para água. Toda a ração do dia deve ser oferecida em brinquedos dispensadores, garrafas pet com furos, tapetes de lamber ou escondida pela casa. O cão deve “caçar” sua refeição. Isso ocupa o tempo, estimula o olfato e libera dopamina pelo sucesso na resolução do problema.
Um cão que passa 40 minutos trabalhando para tirar a ração de dentro de um brinquedo recheável gasta uma quantidade de energia mental equivalente a uma longa caminhada. Ele termina a refeição cansado e satisfeito, pronto para dormir em vez de vigiar a janela. Essa é a forma mais simples e barata de reduzir a ansiedade geral.
A importância da rotina de exercícios
Passeio não é apenas para fazer xixi. Passeio é leitura de jornal (olfato), socialização e gasto energético. Um cão que late muito precisa de exercícios aeróbicos adequados à sua raça e idade. Caminhar 15 minutos no quarteirão pode não ser suficiente para um Border Collie ou um Labrador jovem.
Intercale caminhadas com brincadeiras de buscar, natação ou corridas leves. Se você não tem tempo, considere contratar um passeador profissional. O custo desse serviço é um investimento na sua paz de espírito e na saúde do animal. Lembre-se: energia acumulada vira barulho. Drene essa energia de forma construtiva.
Criando um refúgio seguro
Muitos cães latem porque se sentem expostos. Crie um “bunker” ou zona de segurança para ele. Pode ser uma caixa de transporte aberta, uma caminha tipo toca ou um quarto específico. Esse lugar deve ser associado a coisas maravilhosas: ossos recreativos, brinquedos novos e massagem.
Quando houver visitas, fogos de artifício ou muito barulho na rua, o cão deve ter a opção de se retirar para esse local. Use ruído branco (como um ventilador ligado ou música clássica) para mascarar os sons externos que disparam os latidos. Cortinas fechadas também ajudam a reduzir os estímulos visuais que excitam o animal.
Quando procurar ajuda profissional especializada
Existem casos que fogem ao controle do tutor e exigem intervenção especializada. Se você já tentou as técnicas de enriquecimento e adestramento básico e não viu melhora, ou se o comportamento está piorando, é hora de chamar reforços. Não encare isso como uma derrota, mas como um ato de responsabilidade.
O papel do etólogo clínico
O veterinário comportamentalista, ou etólogo, é o psiquiatra do mundo animal. Ele é capaz de diagnosticar transtornos de ansiedade generalizada, fobias complexas e compulsões que um adestrador comum pode não identificar. Esse profissional vai olhar para o histórico clínico, a genética e o ambiente de forma integrada.
A consulta comportamental é longa e detalhada. Analisamos vídeos do cão no dia a dia, a interação com a família e a rotina da casa. O diagnóstico preciso é fundamental. Tratar uma fobia de barulho como se fosse um problema de dominância não só não funciona, como pode traumatizar o animal permanentemente.
Diferença entre adestramento e terapia comportamental
É importante distinguir essas duas figuras. O adestrador ensina comandos: senta, fica, junto. O terapeuta comportamental muda emoções. Se o seu cão late porque quer matar o carteiro, ensinar ele a sentar pode ajudar no controle, mas não muda a vontade dele de atacar. A terapia trabalha a causa emocional.
Muitas vezes, o trabalho é conjunto. O veterinário prescreve o tratamento e o adestrador ajuda o tutor a executar os exercícios de dessensibilização no dia a dia. Busque profissionais que usem métodos baseados em ciência e reforço positivo. Fuja de quem promete “curas milagrosas” em uma sessão ou usa métodos punitivos.
Uso de medicação psicotrópica
Ainda existe muito preconceito com o uso de remédios psiquiátricos em cães, mas eles podem ser a salvação em casos graves. Se o nível de ansiedade do cão é tão alto que ele não consegue nem comer ou dormir direito, ele não conseguirá aprender nada novo. A medicação entra para regular a química cerebral.
Não se trata de dopar o cachorro para ele dormir o dia todo. O objetivo é equilibrar neurotransmissores como a serotonina para que o animal saia do estado de pânico e consiga responder ao treinamento. Medicamentos como fluoxetina ou gabapentina, quando bem indicados e monitorados pelo veterinário, melhoram drasticamente a qualidade de vida do pet e da família.
Comparativo de ferramentas de auxílio
Existem inúmeros produtos no mercado que prometem resolver o latido. Abaixo, comparo três abordagens comuns para que você entenda onde investir seu dinheiro.
| Característica | Brinquedos Interativos (ex: Kong, Tabuleiros) | Feromônios Sintéticos (Difusores/Coleiras) | Coleiras Anti-latido (Choque/Spray/Som) |
| Mecanismo | Estimulação mental e gasto de energia. Foco na causa (tédio). | Liberação de sinais químicos de calma. Foco na ansiedade. | Punição positiva (desconforto ao latir). Foco no sintoma. |
| Eficácia | Alta a longo prazo, resolve a raiz do problema. | Moderada, funciona como auxiliar no tratamento. | Alta a curto prazo, mas com graves efeitos colaterais. |
| Bem-estar | Aumenta o bem-estar e reduz o estresse. | Neutro ou positivo, ajuda a relaxar. | Reduz o bem-estar, gera medo e ansiedade. |
| Recomendação | Altamente Recomendado para todos os cães. | Recomendado para casos de ansiedade e medo. | Contraindicado. Pode gerar agressividade e fobias. |
O que você jamais deve fazer ao tentar corrigir o latido
Para finalizar, preciso ser muito franco sobre o que não funciona. A cultura popular está cheia de mitos sobre liderança e punição que são prejudiciais. Gritar com o cão só ensina a ele que você também está latindo. Usar garrafas com pedras para assustar o cão cria um animal medroso e imprevisível.
As coleiras de choque ou citronela são ferramentas que suprimem o comportamento pela dor ou desconforto, mas não resolvem a causa. O cão para de latir porque tem medo, mas a ansiedade continua lá dentro, crescendo até explodir em outro comportamento, como automutilação ou agressividade súbita.
Lidar com um cão barulhento é um teste de paciência, mas também uma oportunidade de fortalecer o vínculo com seu melhor amigo. Ao tentar entender o que ele diz, em vez de apenas tentar calá-lo, você se torna o porto seguro que ele precisa. Respire fundo, seja consistente e lembre-se: o silêncio é construído com confiança, não com medo.


