Como cortar a unha do cachorro sem machucar: O guia definitivo do seu veterinário
Olá! Se você está lendo isso, provavelmente já passou por aquele momento de tensão: você olha para as patas do seu cachorro, ouve o “tec-tec-tec” no piso da sala e sabe que chegou a hora. O coração acelera, o suor frio aparece e você pensa: “E se eu machucar ele?”. Como veterinário, ouço essa preocupação no meu consultório quase todos os dias. E vou te contar um segredo: até nós sentimos essa responsabilidade, mas temos técnica e conhecimento a nosso favor. Hoje, você vai aprender exatamente o que eu faço, para repetir em casa com segurança e tranquilidade.
Cortar as unhas do seu melhor amigo não precisa ser um evento traumático, nem para você e nem para ele. Na verdade, com a abordagem certa, pode se tornar um momento de conexão e cuidado mútuo.[1][2] Esqueça a ideia de que é preciso força bruta ou que o sangramento é inevitável. Com paciência e as ferramentas certas, você vai dominar essa arte.[1]
Neste artigo, vou te guiar por todo o processo, desde a anatomia da unha até o que fazer se algo der errado. Vamos conversar de igual para igual, sem termos médicos complicados (a menos que eu explique o que significam, claro). Prepare os petiscos, respire fundo e vamos transformar essa tarefa temida em uma rotina simples.
Por que cortar as unhas é questão de saúde (não só estética)
O perigo das unhas compridas para as articulações
Muitos tutores acreditam que manter as unhas curtas é apenas para evitar arranhões no sofá ou nas pernas das visitas. No entanto, o impacto de unhas longas na saúde ortopédica do seu cão é imenso e muitas vezes silencioso. Quando a unha toca o chão antes da almofada da pata (o coxim), ela força o dedo para cima e para trás, criando uma pressão antinatural.
Imagine caminhar o dia todo com sapatos dois números menores ou com uma pedrinha dentro do tênis forçando seus dedos a ficarem tortos. É exatamente assim que seu cachorro se sente. Com o tempo, essa postura compensatória afeta não apenas os dedos, mas sobe para os pulsos, cotovelos e ombros. Em cães idosos, isso pode agravar drasticamente quadros de artrite e artrose, transformando cada passo em um momento de dor desnecessária.[3]
Como veterinário, vejo cães que recuperam a vontade de caminhar e brincar apenas após um corte de unhas adequado. A dor crônica causada pela má postura pode deixar o animal irritado, menos ativo e até deprimido. Portanto, manter as unhas no tamanho certo é um ato de medicina preventiva tão importante quanto as vacinas.
Riscos de unhas encravadas e infecções
Além da questão postural, existe o risco físico direto da unha crescer demais e curvar-se em direção à pele.[4] Isso é muito comum no quinto dedo (o ergot), aquela unha que fica mais acima na pata e não toca o chão. Como ela não sofre desgaste natural, cresce livremente e pode perfurar a pele, criando uma ferida dolorosa e propensa a infecções graves.
Quando a unha perfura a pele, abre-se uma porta de entrada para bactérias e fungos que habitam o ambiente e as próprias patas do animal. O resultado é uma infecção que pode exigir antibióticos, curativos diários e muita dor de cabeça para resolver. Em casos extremos, a inflamação pode atingir o osso do dedo, levando a complicações que poderiam ter sido evitadas com um corte simples a cada duas semanas.
Eu já atendi casos em que o tutor nem percebeu que a unha estava encravada porque o cão, stoico, não chorava. Ele apenas lambia a pata incessantemente. Fique atento a esse sinal: lambedura excessiva nas patas quase sempre indica que algo está incomodando, e muitas vezes a culpada é uma unha negligenciada que virou uma armadilha para o próprio animal.
A anatomia da unha: O que é o sabugo?
Para cortar sem machucar, você precisa entender o que está cortando. A unha do cachorro não é como a nossa, que é “morta” na ponta. Ela possui uma estrutura interna viva chamada sabugo (ou leito ungueal). O sabugo é um feixe de nervos e vasos sanguíneos que cresce dentro da unha. Se você cortar o sabugo, vai doer e vai sangrar — é isso que queremos evitar a todo custo.
Em cães com unhas claras, o sabugo é fácil de ver: é a parte rosada dentro da unha branca. A parte que você pode cortar é a ponta branca e sólida. O desafio real aparece nas unhas pretas, onde não conseguimos ver essa linha divisória a olho nu. Nesses casos, a anatomia exige que trabalhemos com margens de segurança maiores e técnicas de “fatiamento” que explicarei mais à frente.
Uma curiosidade importante é que o sabugo é dinâmico. Se você deixa a unha crescer muito, o sabugo cresce junto, acompanhando a queratina. Isso significa que, em um cão com unhas muito longas, você não conseguirá deixá-las curtinhas de uma só vez sem atingir a parte viva. O recuo do sabugo exige cortes frequentes, “encurtando” esse vaso sanguíneo aos poucos ao longo de semanas ou meses.
Escolhendo a ferramenta certa: O arsenal do tutor
O modelo Guilhotina: Prós e Contras
O cortador tipo guilhotina é um clássico e funciona exatamente como o nome sugere. Você insere a unha em um orifício e aperta o cabo, fazendo uma lâmina deslizar e cortar a ponta. Ele é muito popular para cães de pequeno e médio porte, pois oferece uma visão clara de onde a lâmina vai passar antes de você aplicar a força.
A grande vantagem desse modelo é a rapidez. Se a lâmina estiver bem afiada, o corte é limpo e rápido, o que é ótimo para cães impacientes. No entanto, ele exige manutenção. A lâmina perde o fio com facilidade e, se estiver cega, vai esmagar a unha em vez de cortar. Isso causa desconforto e pode deixar a unha lascada.
Como veterinário, recomendo o modelo guilhotina apenas se você se comprometer a trocar a lâmina regularmente. Além disso, ele pode ser difícil de usar em cães de porte gigante ou com unhas muito grossas e curvadas, pois a unha pode simplesmente não caber no orifício do aparelho.
O modelo Alicate: Força e precisão
O cortador tipo alicate, que se parece com uma tesoura de poda ou um alicate de eletricista, é o meu favorito para a maioria dos casos. Ele funciona com duas lâminas que se encontram, permitindo aplicar mais força com menos esforço da sua mão. Isso é essencial quando estamos lidando com um Rottweiler ou um Labrador com unhas grossas como pedras.
A principal vantagem do alicate é a versatilidade. Ele não exige que você “enfie” a unha em um buraco, o que facilita muito se o cachorro estiver mexendo a pata. Você pode se aproximar lateralmente e fazer o corte. Além disso, muitos modelos vêm com um “guia de segurança” (uma plaquinha de metal atrás das lâminas) que impede que você coloque a unha muito fundo, prevenindo cortes exagerados acidentais.
Por outro lado, o alicate pode ser um pouco volumoso para cães minúsculos, como Chihuahuas filhotes. Nesses casos, a ferramenta pode tapar sua visão da unha. Mas, de modo geral, é a ferramenta mais robusta e durável que você pode ter no seu kit de primeiros socorros doméstico. Invista em um de aço inoxidável de boa qualidade; ele vai durar a vida toda do seu pet.
Lixadeiras elétricas: Uma alternativa suave
Se a ideia de cortar e ouvir o “clack” te dá arrepios, a lixadeira elétrica pode ser sua salvação. Essas ferramentas giratórias (parecidas com uma micro retífica) desgastam a unha gradualmente. É o método preferido de muitos profissionais de “Fear Free” (livre de medo) porque elimina a pressão de esmagamento que o corte tradicional causa na unha.
Com a lixadeira, você tem um controle absurdo. Pode arredondar as pontas para que não arranhem e parar milímetro por milímetro conforme se aproxima do sabugo. É excelente para unhas pretas, pois você vai desgastando até ver o centro da unha mudar de textura, sinalizando que deve parar. O acabamento fica liso e perfeito, sem arestas cortantes.
O ponto negativo é o barulho e a vibração. Muitos cães se assustam com o zumbido do motor ou a sensação de cosquinha na pata. A introdução deve ser muito lenta, associando o som ao petisco antes mesmo de encostar na unha. Além disso, o processo é mais demorado. Lixar quatro patas leva muito mais tempo do que cortar, e gera um pó de unha que pode fazer sujeira.
Quadro Comparativo de Ferramentas
| Característica | Alicate Tradicional | Cortador Guilhotina | Lixadeira Elétrica |
| Precisão | Alta (com prática) | Média | Altíssima (milimétrica) |
| Facilidade de Uso | Fácil (intuitivo) | Requer treino | Requer adaptação ao som |
| Para Unhas Grossas | Excelente (força extra) | Ruim (pode travar) | Bom (mas lento) |
| Risco de Sangramento | Médio | Médio | Baixo |
| Acabamento | Pode deixar arestas | Pode deixar arestas | Liso e arredondado |
| Nível de Ruído | Silencioso (apenas o “clack”) | Silencioso | Alto (zumbido constante) |
Preparação psicológica: O segredo do sucesso
Dessensibilização: Acostumando com o toque
O maior erro que vejo tutores cometerem é tentar cortar a unha “a força” quando o cachorro nunca teve as patas manipuladas antes. O cão não entende por que você está segurando a pata dele com firmeza e se sente preso. A dessensibilização começa longe do cortador de unhas, no sofá, enquanto vocês assistem TV.
Comece tocando as patas do seu cão sem nenhuma ferramenta na mão. Massageie os dedos, aperte levemente as almofadinhas e mexa nas unhas individualmente. Se ele puxar a pata, não force, apenas espere ele relaxar e tente de novo mais suavemente. O objetivo é que ele entenda que o seu toque na pata não é uma ameaça, mas sim um carinho.
Faça isso todos os dias por uma semana antes de sequer pensar em cortar. Quando ele estiver confortável com o toque, introduza o cortador apenas visualmente. Deixe o cortador no chão, deixe ele cheirar e recompense. Depois, encoste o cortador na pata (sem cortar) e recompense. Estamos construindo uma memória muscular de que “ferramenta + pata = coisa boa”.
Associação positiva: O poder do petisco
A comida é a linguagem universal de negociação com nossos pets. Você precisa transformar o corte de unhas em uma festa gastronômica. Não use a ração do dia a dia; use algo de alto valor, como pedacinhos de frango cozido, queijo ou aquele petisco úmido que ele ama. O “pagamento” deve ser proporcional ao “trabalho” estressante que ele está realizando.
A regra é clara: cortou uma unha, ganhou um prêmio. Imediatamente. Não espere terminar a pata toda para recompensar, especialmente no começo. O cérebro do cão precisa fazer a conexão instantânea: “Ouvi o barulho do corte, senti a pressão, e bam, apareceu um queijo na minha boca”. Com o tempo, ele começa a antecipar o prêmio em vez de focar no medo.
Se o seu cão for muito ansioso, você pode usar um tapete de lamber (lick mat) com pasta de amendoim ou patê congelado. Enquanto ele está focado lambendo aquilo desesperadamente, você consegue cortar várias unhas sem que ele sequer levante a cabeça. Distração positiva é uma das ferramentas mais poderosas no consultório veterinário e funciona perfeitamente na sua sala.
Ambiente zen: Criando o cenário ideal
Onde você corta as unhas importa tanto quanto como você corta. Tentar fazer isso em um parque barulhento ou na cozinha enquanto as crianças correm em volta é receita para o desastre. Escolha um local tranquilo, bem iluminado e onde o cão se sinta seguro. Pode ser em cima de uma mesa (com tapete antiderrapante para ele não escorregar) ou no chão, se for um cão grande.
A iluminação é crucial. Você precisa enxergar detalhes milimétricos. Se a luz da sala for fraca, use uma lanterna de cabeça ou a lanterna do celular posicionada estrategicamente. Ver bem significa errar menos. Além disso, certifique-se de que o piso não seja escorregadio. Se o cão sentir que não tem firmeza nas patas de apoio, ele vai entrar em pânico e tentar se soltar.
Considere também o seu estado de espírito. Cães são mestres em ler linguagem corporal e cheirar hormônios de estresse. Se você estiver nervoso, trêmulo ou com pressa, o cão saberá e ficará alerta. Coloque uma música calma, respire fundo e, se sentir que está ficando frustrado, pare. É melhor cortar uma unha por dia com tranquilidade do que dez unhas na base do estresse e da briga.
O Passo a Passo: Cortando sem medo
Posicionamento e contenção segura
A maneira como você segura o cão define o controle que você tem sobre o corte. Para cães pequenos, colocá-los no colo ou em cima de uma mesa na altura da sua cintura ajuda muito. Passe seu braço por cima do corpo dele, segurando-o contra o seu tronco de forma firme, mas carinhosa. Isso evita que ele pule ou se contorça bruscamente.
Para cães grandes, o ideal é fazer no chão. Peça para ele sentar ou deitar. Se ele deitar de lado, fica ainda mais fácil visualizar as patas. Levante a pata dele dobrando-a para trás, como se estivesse olhando a sola do sapato de um cavalo. Essa posição natural das articulações dá menos aflição ao animal do que esticar a pata para frente ou para o lado de forma rígida.
Ao segurar o dedo que vai ser cortado, isole-o dos outros. Afaste os pelos para ter visão clara. Segure o dedo firmemente na base, perto da articulação, para evitar que a vibração do corte incomode o cão. Quanto mais estável estiver o dedo, mais preciso será o corte e menos o cão sentirá a pressão da ferramenta.
A técnica do “fatiamento”: Cortando aos poucos
Esqueça a ideia de cortar um pedação da unha de uma vez só, como vemos em filmes. A técnica mais segura, especialmente para iniciantes, é o fatiamento. Corte fatias finíssimas da ponta da unha, como se estivesse fatiando um salame bem fino. Corte um disco de milímetros, olhe a superfície cortada, corte mais um.
A cada fatia removida, observe o centro da unha. No começo, você verá uma superfície branca e farinhenta (queratina morta). Conforme você se aprofunda, o centro começa a ficar brilhante e com uma textura mais úmida. Em seguida, pode aparecer um pequeno ponto cinza ou rosado no centro. PARE AÍ. Esse é o início da proteção do sabugo. Se cortar mais, vai sangrar.
Essa técnica de fatiar reduz drasticamente a chance de acidentes porque você tem vários “avisos” visuais antes de chegar na carne viva. Além disso, cortes menores aplicam menos pressão no sabugo, o que significa menos dor ou desconforto para o cão. É mais demorado? Sim. Mas é infinitamente mais seguro e menos estressante.
Lidando com unhas pretas (o desafio extra)
Unhas pretas são o pesadelo de muitos tutores, mas não precisam ser. O segredo está em olhar a unha de frente, na seção transversal (o “corte” do salame que mencionei acima). Em unhas escuras, a parte externa é preta, mas conforme você corta, o interior muda de cor.
Você vai notar que a parte “morta” da unha geralmente é esbranquiçada ou cinza claro por dentro. Conforme você se aproxima do sabugo, aparecerá um ponto preto ou cinza escuro bem no centro, cercado por uma área mais clara. Esse ponto escuro é a polpa macia logo antes do vaso sanguíneo. Viu o pontinho preto brilhante no centro? É o sinal vermelho. Não corte mais.
Outra dica de ouro para unhas pretas é olhar a unha por baixo. Muitas unhas pretas têm um formato de “capa”, sendo ocas na parte de baixo perto da ponta. O sabugo geralmente começa onde essa fenda ou parte oca termina e a unha se torna sólida. Use uma lanterna potente contra a unha; às vezes, mesmo sendo preta, uma luz forte consegue revelar a sombra do sabugo lá dentro.
Ocorreu um acidente: O que fazer se sangrar?
Mantenha a calma (o seu nervosismo passa para ele)
Se acontecer de você cortar demais e ver sangue, a primeira regra é: não entre em pânico. Não grite, não largue a pata do cachorro correndo e não comece a pedir desculpas desesperadamente. O cão vai olhar para a sua reação para saber se deve se preocupar. Se você agir como se fosse uma tragédia, ele vai achar que está morrendo.
Respire fundo. Acidentes acontecem até com veterinários experientes e tosadores profissionais. O sangramento de uma unha cortada, embora possa parecer abundante e assustador (o sangue na unha é vivo e vermelho vivo), raramente é uma emergência médica grave. É um vaso capilar, não uma artéria femoral. Ele vai parar.
Fale com o cachorro em um tom calmo e tranquilizador. Dê um petisco imediatamente para distraí-lo da dor momentânea. A sua calma transmite segurança. Se você fizer um escândalo, na próxima vez que pegar o cortador de unhas, o cão vai lembrar do seu pânico e fugirá. Trate o incidente com naturalidade e pragmatismo.
Pó hemostático e truques caseiros
Antes de começar qualquer corte, você já deve ter ao seu lado um “kit de emergência”. O item principal é o pó hemostático, vendido em pet shops. Esse pó mágico ajuda o sangue a coagular quase instantaneamente e ainda tem um leve efeito analgésico. Para usar, pegue uma pitada do pó e pressione diretamente contra a ponta da unha que está sangrando. Segure por alguns segundos.
Se você não tiver o pó hemostático profissional, pode improvisar com itens da sua despensa. Amido de milho (a famosa Maizena) ou farinha de trigo funcionam bem. Eles não têm a ação química de coagulação rápida do pó comercial, mas ajudam a criar uma barreira física que estanca o sangue. Faça uma pastinha com um pouco de água ou aplique o pó seco pressionando contra a unha.
Outro truque antigo é usar uma barra de sabão seco. Pressione a unha sangrando contra a barra de sabão; isso cria um “tampão” imediato no orifício do vaso sanguíneo. Independentemente do método, o segredo é a pressão contínua. Pressione por 30 a 60 segundos sem ficar tirando o dedo a todo momento para “ver se parou”, pois isso remove o coágulo que está se formando.
Quando o sangramento exige veterinário
Na grande maioria das vezes, o sangramento para em poucos minutos com as técnicas acima. No entanto, existem situações raras que exigem atenção profissional. Se o sangramento não parar após 10 ou 15 minutos de pressão contínua e uso de hemostáticos, pode haver um problema de coagulação subjacente no seu animal que você desconhecia.
Outro sinal de alerta é se o cão demonstrar dor extrema que não passa, recusando-se a apoiar a pata no chão por muitas horas ou dias. Isso pode indicar que o corte não apenas atingiu o sabugo, mas talvez tenha fraturado o osso da falange (o que é muito raro com cortadores comuns, mas possível com ferramentas ruins ou força excessiva).
Fique atento também a sinais de infecção nos dias seguintes, como inchaço excessivo no dedo, pus, vermelhidão subindo pela pata ou cheiro ruim. Se notar qualquer um desses sinais, leve ao veterinário. Mas, reitero: o sangramento comum de um corte acidental é algo que você resolve em casa tranquilamente com pó hemostático e carinho.
Lidando com o Medo e a Ansiedade Canina
Identificando sinais sutis de estresse
Muitas vezes, o cão está nos dizendo “não estou gostando disso” muito antes de rosnar ou morder, mas nós ignoramos. Aprender a ler a linguagem corporal canina é vital para evitar traumas. Um cão estressado pode lamber os lábios repetidamente (o famoso “licking”), bocejar quando não está com sono ou virar a cara para evitar olhar para você ou para a ferramenta.
Outro sinal comum é a “pata de gelatina”, quando ele tenta puxar a pata suavemente ou a deixa mole para dificultar que você a segure. Ofegar excessivamente, tremer ou mostrar o branco dos olhos (olhar de baleia) são indicadores de que o nível de ansiedade já está no vermelho. Se você insistir nesse ponto, pode desencadear uma reação agressiva por medo.
Ao identificar esses sinais iniciais, pare. Dê um passo para trás na sua rotina. Volte para a fase de apenas tocar e dar petisco. Respeitar o limite do cão mostra a ele que você é confiável e que ele tem escolha, o que paradoxalmente o torna mais cooperativo no futuro. Ignorar os sinais apenas ensina ao cão que ele precisa “gritar” (morder) para ser ouvido.
Técnicas de distração durante o corte
O cérebro do cão tem dificuldade em focar em duas coisas intensas ao mesmo tempo. Se o foco dele estiver 100% em um petisco delicioso, a sensação do corte de unha passa para o segundo plano. O uso de tapetes de lamber (lick mats) fixados na parede ou no chão é fenomenal para isso. Espalhe iogurte grego natural, patê ou pasta de amendoim e deixe ele trabalhar naquilo.
Outra técnica é ter um ajudante. Uma pessoa foca apenas em fazer carinho na cabeça, falar palavras doces e oferecer petiscos em ritmo contínuo, enquanto você foca exclusivamente nas patas. O ajudante pode também cobrir levemente os olhos do cão com a mão ou com uma toalha (se o cão aceitar bem), pois para alguns animais, “o que os olhos não veem, o coração não sente”.
Brinquedos recheáveis congelados também são ótimos aliados. A temperatura fria e a dificuldade de tirar a comida de dentro mantêm o cão ocupado por longos minutos. A ideia é transformar o momento do corte em “a hora do brinquedo especial”. Tenho pacientes que correm para a gaveta do cortador de unha quando veem o dono pegar o tapete de lamber, pois fizeram essa associação positiva.
Sedação natural e feromônios: Ajudam?
Para casos de ansiedade leve a moderada, produtos naturais podem dar uma “mãozinha” extra. Feromônios sintéticos, disponíveis em difusores ou sprays, imitam o odor que a mãe passa para os filhotes, criando uma sensação química de segurança no ambiente. Borrifar isso na toalha onde o cão vai deitar ou na sua roupa pode ajudar a baixar a guarda dele.
Suplementos nutracêuticos à base de triptofano, passiflora ou valeriana também podem ser usados, mas sempre com orientação veterinária. Eles não vão “drogar” o cachorro, apenas promovem um estado de relaxamento um pouco maior, tirando aquela tensão muscular excessiva que atrapalha o manuseio.
Lembre-se de que esses auxiliares não fazem milagre sozinhos. Eles devem ser usados em conjunto com o treino de dessensibilização e as técnicas corretas. Se o seu cão entra em pânico absoluto, com agressividade incontrolável ou risco de infarto de tanto estresse, converse com seu veterinário sobre sedação medicamentosa real feita na clínica. Não vale a pena traumatizar o animal em casa nesses casos extremos.
Manutenção e Rotina de Longo Prazo
A frequência ideal para cada estilo de vida
Não existe uma regra única de “corte a cada X dias” que sirva para todos. A frequência depende do quanto seu cão desgasta as unhas naturalmente. Cães que passeiam diariamente em asfalto ou calçadas de cimento lixam as unhas sozinhos a cada passo. Para esses, talvez você só precise cortar o ergot (a unha lateral) e dar um acabamento leve nas outras uma vez por mês.
Já cães “de apartamento”, que vivem em pisos lisos, tapetes ou grama, não têm esse desgaste natural. Para esses, as unhas crescem rápido e afiadas. O ideal é verificar as unhas semanalmente e fazer pequenos cortes ou lixamentos a cada 10 ou 15 dias. Quanto mais frequente e “micro” for a manutenção, menos traumático é, pois você nunca precisa cortar grandes pedaços.
O teste do som é infalível: se você ouve as unhas batendo no chão quando o cachorro anda, elas estão compridas demais. As unhas não devem tocar o solo quando o cão está parado em posição normal. Manter essa regra simples ajuda a garantir a saúde postural que discutimos no início.
Alternando entre corte e lixamento
Uma estratégia excelente para manutenção a longo prazo é alternar as ferramentas. Você pode usar o alicate para remover o excesso de comprimento quando a unha está muito grande e, na semana seguinte, usar apenas a lixa elétrica ou manual para arredondar e manter o sabugo recuado.
O lixamento regular (mesmo que seja apenas um pouquinho por semana) estimula o sabugo a recuar mais rápido do que o corte esporádico. Isso permite que você deixe as unhas cada vez mais curtas com segurança. Além disso, alternar os métodos evita que o cão crie uma aversão específica a uma única ferramenta.
Essa rotação também é boa para você. Em dias que você está com menos tempo ou paciência, um corte rápido com alicate resolve. Em dias mais tranquilos, uma sessão de spa com a lixa deixa as patinhas perfeitas. O importante é a consistência, não a perfeição em cada sessão única.
Treino cooperativo: Transformando o pesadelo em diversão
O objetivo final de todo dono deve ser o “Cuidado Cooperativo” (Cooperative Care). É o conceito onde o animal participa ativamente do processo e dá permissão para ser tocado. Existem treinos onde o cão aprende a oferecer a pata voluntariamente para o corte e a mantê-la parada em troca de recompensas, sem precisar ser contido à força.
Isso exige tempo e dedicação, ensinando comandos como “dá a pata”, “fica” e um sinal de “start/stop”. Quando o cão percebe que ele tem controle sobre a situação (se ele puxar a pata, você para; se ele oferecer, ele ganha prêmio), a confiança dele em você dispara. O medo desaparece porque a imprevisibilidade desaparece.
Transformar o corte de unhas de uma batalha física em um jogo mental de treinamento é a melhor forma de garantir que, pelos próximos 10 ou 15 anos, cuidar da saúde do seu cão seja um prazer e não um fardo. Você é capaz de fazer isso. Comece hoje, com paciência, uma unha de cada vez. Seu cachorro (e as articulações dele) vão te agradecer.
Sources


