Cachorro se coçando muito: Principais causas além de pulgas e soluções eficazes
Você já acordou no meio da noite com o som incessante das unhas do seu cachorro batendo no chão ou a coleira tilintando freneticamente enquanto ele se coça? Essa é uma cena clássica e angustiante para qualquer tutor. A primeira reação de quase todo mundo é correr para verificar se há pulgas. Você abre o pelo, procura minuciosamente, mas não encontra nada. O antipulgas está em dia, a casa está limpa, e mesmo assim, a coceira continua. Ver o seu melhor amigo desconfortável, muitas vezes causando feridas na própria pele, gera uma sensação de impotência enorme.
Como veterinário, recebo diariamente pacientes com essa queixa exata no consultório. A coceira, que chamamos tecnicamente de prurido, é apenas um sintoma, um sinal de alerta de que algo no organismo do animal não vai bem. É como a luz do painel do seu carro avisando que há um problema no motor. Ignorar ou apenas tentar mascarar esse sintoma pode levar a infecções graves e um ciclo de sofrimento crônico para o pet. A ausência de pulgas não significa saúde dermatológica; na verdade, abre um leque de outras possibilidades que precisamos investigar a fundo.[1][2]
Neste artigo, vamos conversar de igual para igual. Vou explicar o que realmente acontece na pele do seu cão quando ele não para de se coçar. Vamos mergulhar nas causas reais que vão muito além dos parasitas comuns e discutir soluções práticas. O objetivo aqui é armar você com conhecimento para que, junto com o seu veterinário de confiança, você possa devolver a paz e o conforto que o seu cachorro merece. Prepare-se para entender a dermatologia canina de uma forma simples, direta e sem o “veterinês” complicado.
Alergias: O Inimigo Invisível e Persistente
Dermatite Atópica e o Ambiente[1][3][4]
A dermatite atópica é, sem dúvida, uma das maiores vilãs da coceira crônica em cães modernos. Imagine que o sistema imunológico do seu cachorro funciona como um segurança de balada extremamente estressado. Em cães atópicos, esse “segurança” reage de forma exagerada a coisas inofensivas do dia a dia, como pólen, poeira doméstica, ácaros e até grama. Essa reação alérgica libera substâncias inflamatórias na pele, causando uma coceira insuportável que não tem nada a ver com pulgas.
Você percebe que o problema é atopia quando o cão começa a lamber excessivamente as patas, esfregar o rosto no tapete ou coçar as axilas e virilhas. A pele, que deveria ser uma barreira protetora, torna-se permeável e inflamada. É comum ouvir tutores dizerem que o cachorro “não pode ver grama que se empipoca todo”. Essa sensibilidade ambiental é genética e, infelizmente, não tem cura definitiva, mas tem controle. O objetivo do tratamento é acalmar esse sistema imunológico hiperativo e fortalecer a barreira da pele para que os alérgenos não penetrem tão facilmente.
Viver com um cão atópico exige adaptações na rotina da casa. Muitas vezes, recomendamos retirar tapetes felpudos, usar purificadores de ar e evitar passeios em horários de alta polinização. Banhos frequentes com produtos específicos também ajudam a remover fisicamente os alérgenos do corpo do animal antes que eles causem a reação. Entender que a atopia é uma condição para a vida toda tira o peso de buscar uma “cura mágica” e foca no que realmente importa: qualidade de vida e manejo diário dos sintomas.
Alergia Alimentar: Quando a Comida é o Problema
Muitos tutores chegam ao consultório crentes de que a ração é a culpada por toda a coceira, mas a alergia alimentar verdadeira é menos comum do que a atopia ambiental. Quando ela ocorre, no entanto, é devastadora. Nesse caso, o organismo do cão identifica uma proteína específica — geralmente frango, carne bovina ou laticínios — como uma ameaça. Cada vez que ele ingere esse alimento, o corpo dispara um alarme geral que resulta em inflamação na pele e, frequentemente, problemas gastrointestinais como gases ou fezes amolecidas.
Diferenciar alergia alimentar de outras alergias é um desafio que exige paciência. Não existe um exame de sangue perfeito para isso; o padrão-ouro é a dieta de eliminação. Isso significa oferecer ao cão uma alimentação com uma proteína que ele nunca comeu antes ou uma ração hipoalergênica com proteínas quebradas em pedacinhos minúsculos (hidrolisadas), que o corpo não consegue reconhecer como inimigas. Esse teste dura no mínimo 8 semanas, e durante esse tempo, nenhum petisco, resto de comida ou agradinho pode ser oferecido, sob o risco de estragar todo o teste.
Se o seu cachorro melhora significativamente durante a dieta restritiva e volta a se coçar quando você reintroduz o alimento antigo, temos o diagnóstico fechado. É um processo trabalhoso, eu sei. Ver aquela carinha pedindo um pedaço do seu sanduíche e negar é difícil. Mas a recompensa de ver seu amigo livre da coceira e com a pele saudável vale cada esforço. A alergia alimentar não perdoa “dias do lixo”; a rigidez na dieta é o único remédio eficaz a longo prazo.
Dermatite de Contato e Produtos Químicos
A pele dos cães é mais sensível e absorvente do que a nossa, e a dermatite de contato acontece quando essa pele toca em substâncias irritantes. Pense nos produtos que você usa para limpar o chão: desinfetantes fortes, águas sanitárias ou ceras. O seu cachorro anda descalço sobre esses produtos e depois deita de barriga no chão. Essas áreas sem muito pelo, como o abdômen e as patinhas, são as primeiras a ficarem vermelhas, quentes e cheias de bolinhas que coçam muito.
Não são apenas produtos de limpeza que causam isso. Já atendi pacientes que tinham alergia ao material da caminha sintética, ao plástico do comedouro ou até mesmo ao shampoo que o tutor comprou no supermercado achando que era “suave”. A reação é rápida e localizada. Se a coceira e a vermelhidão aparecem subitamente na barriga ou nas patas após uma faxina ou após a troca da caminha, a dermatite de contato é a principal suspeita.
A solução aqui é a eliminação do agente causador e a lavagem imediata da pele com água abundante e shampoo neutro para remover o resíduo químico. Trocar produtos de limpeza pesados por opções pet friendly ou usar apenas água e detergente neutro nas áreas onde o cão circula resolve grande parte dos casos. Observar onde seu cão deita e o que ele toca é um trabalho de detetive que você precisa fazer em casa para identificar o culpado.
Infecções e Desequilíbrios: O Ciclo da Coceira
Infecções Bacterianas (Piodermites)
A pele do cachorro nunca está estéril; ela possui bactérias que vivem ali naturalmente em harmonia. O problema começa quando a pele sofre alguma agressão — seja por uma alergia, um arranhão ou excesso de umidade — e essas bactérias se multiplicam descontroladamente. Isso gera a piodermite. Você verá pústulas (bolinhas com pus), crostas amareladas e áreas circulares onde o pelo cai e fica uma borda vermelha, o que chamamos de colarete epidérmico.
A piodermite coça muito e gera um cheiro forte característico. É comum o tutor achar que o cachorro está se coçando por causa da infecção, mas na verdade, a infecção apareceu porque o cachorro já estava se coçando por outro motivo e feriu a pele, permitindo a entrada das bactérias. É um ciclo vicioso: coça, fere, infecta, coça mais. Tratar apenas a infecção com antibióticos resolve momentaneamente, mas se não tratarmos a causa base (como a alergia), a piodermite vai voltar.
O tratamento envolve o uso de antibióticos prescritos corretamente — nada de dar aquele resto de remédio que sobrou de outro cachorro — e banhos com shampoos antissépticos à base de clorexidina. Os banhos são fundamentais porque removem as crostas e as bactérias da superfície, acelerando a cura e diminuindo a necessidade de remédios orais por longos períodos. Nunca esprema as bolinhas ou tente limpar com álcool, pois isso só irrita mais a pele sensível do animal.
Infecções Fúngicas e a Malassezia
A Malassezia é uma levedura (um tipo de fungo) que também mora normalmente na pele e nos ouvidos dos cães. Ela adora lugares quentes, úmidos e escuros. Quando o cão tem uma baixa imunidade, dobra de pele excessiva ou sofre de alergias, a Malassezia faz uma festa. O sinal clássico é uma pele gordurosa, com cheiro de “queijo” ou “cheiro de cachorro molhado” muito forte, e a pele começa a ficar grossa e escura, parecendo pele de elefante.
A coceira causada pela Malassezia é insana. O cachorro não tem um minuto de paz. As áreas mais afetadas costumam ser as patas (o cão lambe até ficarem enferrujadas pela saliva), o pescoço, as axilas e dentro das orelhas. Raças como Shih Tzu, Bulldog e Pug são clientes fiéis desse fungo. O erro mais comum é achar que é “sujeira” e dar banhos normais, que muitas vezes deixam a pele mais úmida e favorecem ainda mais o fungo.
Para vencer a Malassezia, precisamos de terapia tópica agressiva. Shampoos antifúngicos receitados pelo veterinário devem ser usados com tempo de contato — você precisa deixar a espuma agir por 10 minutos cronometrados antes de enxaguar. Em casos graves, entramos com medicação oral. Além disso, manter o cão seco é vital. Se ele molhar as patas bebendo água ou passeando na chuva, seque imediatamente. Controlar a umidade é metade da batalha contra esse fungo oportunista.
Pele Seca e Desidratação Cutânea
Muitas vezes esquecemos o básico: a pele seca coça. Assim como nós sofremos no inverno ou com o ar condicionado, os cães também sofrem. Banhos excessivos, uso de secador muito quente ou shampoos de baixa qualidade retiram a oleosidade natural que protege a epiderme. A pele fica opaca, cheia de caspa (aqueles pontinhos brancos no pelo escuro) e perde a elasticidade, causando um desconforto generalizado.
Cães que vivem em regiões de clima muito seco ou que tomam banho toda semana sem a hidratação adequada são as principais vítimas. A barreira cutânea danificada permite que alérgenos entrem mais fácil, podendo transformar uma simples pele seca em uma dermatite alérgica. Você vai notar que o cão se coça de forma generalizada, mas a pele não tem feridas graves ou cheiro ruim, apenas descamação.
A solução é simples e eficaz: hidratação. Use shampoos hidratantes específicos para pets e, se possível, condicionadores ou sprays de hidratação após o banho. Aumentar a ingestão de água e adicionar suplementos de ácidos graxos essenciais, como ômega-3 de boa qualidade, na comida ajuda a nutrir a pele de dentro para fora. Banhos devem ser mornos, nunca quentes, e o uso do secador deve ser moderado para não esturricar a pele do seu amigo.
O Fator Emocional e Hormonal
Estresse e Ansiedade: O Prurido Psicogênico
Cães são seres emocionais e sentem tédio, medo e ansiedade assim como nós. Quando um cão não tem o que fazer, ou fica muito tempo sozinho, ele pode começar a se lamber ou se mordiscar como uma forma de aliviar a tensão. Esse ato libera endorfinas no cérebro, causando uma sensação momentânea de prazer e alívio. Com o tempo, isso vira um hábito, uma compulsão difícil de quebrar.
Geralmente, a coceira psicogênica é focada em um local de fácil acesso, como as patas dianteiras ou a base da cauda. Não há uma causa física inicial, mas a lambedura constante cria uma ferida que, aí sim, coça e dói de verdade, perpetuando o ciclo. Mudanças na rotina da casa, a chegada de um novo membro na família ou falta de passeios podem ser o gatilho. O diagnóstico é feito por exclusão: primeiro garantimos que não há alergia ou dor, depois olhamos para a mente do cão.
Tratar a mente exige enriquecimento ambiental. O cão precisa “trabalhar” pela comida, usar brinquedos recheáveis, passear mais e gastar energia mental. Em alguns casos, precisamos de ajuda de adestradores comportamentalistas ou até medicação ansiolítica prescrita pelo veterinário. O importante é entender que brigar com o cão para ele parar de se lamber não funciona e pode aumentar a ansiedade dele. Ele precisa de atividade, não de bronca.
Desequilíbrios Hormonais: Hipotireoidismo e Cushing
Os hormônios controlam a saúde da pele e da pelagem. Quando a glândula tireoide funciona pouco (hipotireoidismo) ou as glândulas adrenais trabalham demais (Síndrome de Cushing), a pele sofre. Curiosamente, doenças hormonais puras muitas vezes não coçam tanto quanto as alergias, mas elas enfraquecem a pele, levando a infecções secundárias que coçam muito.
No hipotireoidismo, comum em Golden Retrievers e Labradores, o cão ganha peso, fica preguiçoso e o pelo cai de forma simétrica no tronco, ficando ralo e sem brilho (“cauda de rato”). A pele fica grossa e fria. Já no Cushing, o cão bebe muita água, faz muito xixi, tem um apetite voraz e fica com a barriga dilatada. A pele fica fina como papel e cheia de cravos.
Se o seu cachorro tem problemas de pele recorrentes que você trata e voltam, ou se ele apresenta essas mudanças de comportamento e corpo, precisamos investigar os hormônios. Exames de sangue específicos são necessários para o diagnóstico. A boa notícia é que, uma vez controlada a doença hormonal com medicação diária, a pele volta a ser exuberante e saudável, e as infecções param de acontecer.
Tédio e Falta de Estímulo
O tédio é o veneno do cão moderno que vive em apartamento. Um cão de trabalho ou de caça que passa 10 horas deitado no sofá vai encontrar uma forma de gastar sua energia reprimida. Muitas vezes, essa energia é direcionada para o próprio corpo. O que começa com uma lambidinha inocente na pata pode evoluir para uma automutilação severa apenas porque o cão não tem nada melhor para fazer.
Diferente da ansiedade, que envolve medo ou insegurança, o tédio é pura falta de estímulo. O cachorro olha para a pata e pensa: “Bem, é isso que temos para hoje”. Você percebe isso quando o cão para de se coçar imediatamente quando você pega a coleira para passear ou oferece um brinquedo novo. A coceira aqui é situacional e acontece nos momentos de ócio.
A “cura” para o tédio é movimento e desafio. Rodízio de brinquedos, alimentação em comedouros lentos ou tabuleiros interativos, e creche para cães (daycare) algumas vezes na semana fazem milagres. Um cão cansado é um cão feliz e, geralmente, é um cão que não se coça. Antes de medicar, pergunte-se: meu cachorro teve um dia interessante hoje? Se a resposta for não, comece mudando isso.
Parasitas “Silenciosos”: Além das Pulgas
Sarna Sarcóptica (Escabiose)
Muita gente acha que sarna é coisa de cachorro de rua malcuidado, o que é um grande erro. A sarna sarcóptica é causada por um ácaro microscópico que cava túneis dentro da pele do cachorro. É altamente contagiosa e pode ser pega em parques, pet shops ou contato rápido com outros cães. A coceira dessa sarna é talvez a mais intensa que existe na medicina veterinária. O cão se coça dia e noite, sem parar, chegando a perder peso de tanto estresse.
Os locais preferidos desse ácaro são as bordas das orelhas, cotovelos e jarretes. Se você coçar a borda da orelha do seu cão e ele começar a mexer a pata traseira involuntariamente (reflexo otopodal), a chance de ser sarna sarcóptica é alta. E atenção: essa sarna é uma zoonose, ou seja, pode passar para você, causando coceira nos seus braços e barriga.
O diagnóstico nem sempre é fácil porque o ácaro é difícil de achar no raspado de pele. Muitas vezes, tratamos baseados nos sintomas e na resposta ao remédio. Felizmente, os antipulgas e carrapatos modernos em comprimido (isoxazolinas) são extremamente eficazes contra a sarna sarcóptica. Uma única dose costuma resolver o problema e acabar com o sofrimento do animal e da família.
Sarna Demodécica (Sarna Negra)
Diferente da sarcóptica, a sarna demodécica não é contagiosa entre cães adultos e não passa para humanos. O ácaro Demodex vive na pele de todos os cães, mas o sistema imune o mantém sob controle. Em filhotes ou animais imunossuprimidos, esse ácaro se prolifera. Curiosamente, a sarna demodécica pura não coça. O cão perde pelo ao redor dos olhos (“óculos”), na boca e nas patas, mas não se incomoda.
A coceira só aparece se houver infecção bacteriana secundária em cima da sarna. É uma doença genética e imunológica. Por isso, não devemos cruzar cães que tiveram sarna demodécica generalizada, para não passar o gene adiante. O tratamento também é feito com as isoxazolinas modernas e cuidado com a imunidade.
É vital diferenciar as duas sarnas. Enquanto uma é um contágio externo e coça loucamente, a outra é uma falha interna e silenciosa. O tratamento evoluiu muito nos últimos anos; o que antigamente exigia banhos tóxicos hoje se resolve com um comprimido saboroso, facilitando muito a vida do tutor.
Ácaros de Ouvido e Picadas de Insetos
Se a coceira do seu cão é focada exclusivamente na cabeça e nas orelhas, podemos ter ácaros de ouvido (Otodectes). Eles parecem uma borra de café escura dentro do ouvido e causam uma coceira desesperadora. O cão sacode a cabeça e coça a orelha com a pata traseira, muitas vezes gemendo de prazer e dor ao mesmo tempo.
Além dos ácaros, picadas de mosquitos, formigas e abelhas causam reações alérgicas súbitas. O focinho incha, os olhos ficam fechados e a coceira é localizada e aguda. Cães curiosos que metem o nariz onde não devem são vítimas frequentes. Diferente das alergias crônicas, isso é um evento pontual.
Para ácaros de ouvido, pipetas específicas ou comprimidos resolvem. Para picadas de insetos, muitas vezes precisamos de uma injeção de corticoide ou antialérgico no consultório para desinchar rápido e evitar que a garganta feche (choque anafilático), o que é uma emergência real. Fique atento se o seu cão voltar do jardim com a cara inchada repentinamente.
Diagnóstico Veterinário: Como Descobrimos a Causa?
O Exame Físico e Histórico Clínico (Anamnese)
A parte mais importante da consulta não é um exame de máquina, mas sim a nossa conversa. Eu preciso saber tudo: qual ração ele come, onde ele dorme, se a coceira piora no verão ou no inverno, se vocês usaram algum perfume novo em casa. Nós chamamos isso de anamnese. Detalhes que parecem bobos para você, como “ele adora rolar na grama”, são pistas valiosas para mim.
Durante o exame físico, eu não olho apenas a pele. Verifico linfonodos, cor das mucosas, temperatura e padrão da pelagem. A distribuição das lesões me diz muito. Lesões na lombar sugerem pulga; lesões nas patas e rosto sugerem atopia; lesões nas pontas de orelha sugerem sarna ou picada de mosca. É um quebra-cabeça onde o corpo do cão nos dá as peças.
Seja honesto com seu veterinário. Se você dá restos de pizza para o cachorro, conte. Se esqueceu o antipulgas no mês passado, fale. Não estamos ali para julgar, mas para resolver o problema. Informações escondidas podem nos levar a diagnósticos errados e tratamentos ineficazes.
Raspado de Pele e Citologia
Para ver o que o olho nu não alcança, usamos o microscópio. O raspado de pele é um exame simples, feito na hora, onde raspamos levemente uma área sem pelo até sair um pouco de sangue capilar. Isso serve para caçar os ácaros da sarna que vivem profundamente. Pode ser um pouco incômodo para o pet, mas é rápido e essencial.
A citologia envolve pegar uma fita adesiva ou lâmina de vidro e encostar na pele ferida ou na cera do ouvido. Depois, coramos e olhamos no microscópio para ver quem está morando ali: bactérias (cocos ou bastonetes), fungos (Malassezia) ou células inflamatórias. Isso define se vamos usar antibiótico, antifúngico ou anti-inflamatório.
Tratar pele “no chutômetro” é um erro caro. Dar antibiótico para uma infecção fúngica não vai funcionar e ainda cria resistência bacteriana. Esses exames são baratos e direcionam o tiro para acertar o alvo na primeira tentativa, economizando tempo e dinheiro a longo prazo.
Testes Alérgicos e Dietas de Exclusão
Quando descartamos parasitas e infecções e a coceira persiste, partimos para a investigação de alergias. Como mencionei, a dieta de exclusão é o único teste confiável para alergia alimentar. Para alergias ambientais (atopia), existem testes alérgicos (Intradérmicos ou Sorológicos – Prick Test ou exame de sangue) que mostram exatamente a que o cão é alérgico: ácaros, pólen de grama específica, fungos do ar.
Esses testes são úteis principalmente se o tutor deseja partir para a imunoterapia (vacinas de alergia). Com o resultado em mãos, mandamos formular uma vacina específica para aquele cão, que vai “ensinar” o sistema imune a tolerar aqueles alérgenos. Não é uma cura rápida, leva meses, mas é a única forma de mudar o curso da doença em vez de apenas remediar.
A decisão de fazer esses testes depende do grau de sofrimento do animal e da disponibilidade do tutor. Cães jovens com sintomas severos se beneficiam muito de saberem exatamente o que evitar.
Tratamentos Modernos e Cuidados em Casa
Terapias Medicamentosas de Ponta
A medicina veterinária avançou muito. Antigamente, só tínhamos corticoides, que param a coceira mas destroem o fígado e rins se usados a longo prazo. Hoje, temos medicamentos inteligentes que bloqueiam especificamente o sinal da coceira no sistema nervoso ou neutralizam a proteína da inflamação, sem os efeitos colaterais pesados dos esteroides.
Veja abaixo um comparativo das principais opções que prescrevo no dia a dia:
| Característica | Apoquel (Oclacitinib) | Corticoides (Prednisolona) | Cytopoint (Lokivetmab) |
| Ação Principal | Bloqueia a enzima da coceira (JAK) | Anti-inflamatório potente e amplo | Anticorpo que neutraliza o sinal da coceira |
| Início de Ação | Muito rápido (4 a 24 horas) | Rápido (algumas horas) | Rápido (24 a 48 horas) |
| Efeitos Colaterais | Baixos a longo prazo | Altos (sede, xixi, fome, fígado) | Mínimos (biológico, seguro) |
| Forma de Uso | Comprimido diário (oral) | Comprimido ou Injeção | Injeção mensal (no veterinário) |
| Indicação Ideal | Controle de longo prazo para atopia | Crises agudas e curtas | Cães difíceis de dar comprimido / Atopia |
A escolha entre eles depende do caso, do bolso e da saúde geral do pet. O Apoquel revolucionou o tratamento por permitir qualidade de vida sem destruir o organismo. O Cytopoint é fantástico para tutores que não conseguem dar comprimidos todo dia. O corticoide ainda tem seu lugar em crises agudas e curtas, ou picadas de insetos, pelo seu baixo custo e potência, mas deve ser evitado como manutenção.
A Importância dos Shampoos e Hidratação
Tratar a pele de fora para dentro é tão importante quanto o remédio oral. A terapia tópica (banhos) remove alérgenos, mata bactérias e restaura a barreira cutânea. Para cães alérgicos, recomendo banhos semanais com shampoos contendo fitoesfingosina ou ceramidas, que são os “tijolos” que consertam a parede da pele.
A temperatura da água é crucial: água fria ou morna acalma a coceira; água quente ativa a circulação e piora a coceira. Após o banho, seque bem, mas sem queimar a pele. O uso de hidratantes leave-in (que não enxaguam) cria uma película protetora que dura dias.
Não subestime o poder de um bom banho terapêutico. Muitas vezes, conseguimos reduzir a dose dos remédios orais apenas mantendo uma rotina rigorosa de banhos medicinais. Consulte seu veterinário para saber qual o shampoo ideal — usar o errado pode ressecar e piorar tudo.
Nutrição e Suplementação da Pele
Você é o que você come, e seu cachorro também. Uma ração Super Premium rica em ácidos graxos essenciais (Ômega 3 e 6) faz toda a diferença na qualidade da pele. O Ômega 3, especificamente o derivado de óleo de peixe (EPA/DHA), tem um efeito anti-inflamatório natural potente. Ele não para uma coceira aguda sozinho, mas ajuda muito no controle a longo prazo.
Além da ração, existem suplementos em cápsulas ou pump que podem ser adicionados à comida. Eles reforçam a barreira lipídica da pele, impedindo que ela perca água e resseque. Vitaminas A, E e Zinco também são fundamentais para a renovação celular.
Cuidado com receitas caseiras milagrosas da internet. Óleo de coco, vinagre e outras soluções caseiras podem alterar o pH da pele do cão e facilitar infecções. Sempre converse com o veterinário antes de passar qualquer coisa da cozinha na pele do seu animal. A nutrição correta é a base sólida sobre a qual construímos o tratamento médico.
A coceira é um desafio, eu sei. Mas com diagnóstico correto, paciência e parceria entre você e o veterinário, é totalmente possível devolver o bem-estar ao seu amigo peludo. Observe, anote os sintomas e busque ajuda especializada. Seu cachorro conta com você para parar de se coçar e voltar a abanar o rabo feliz.


