Anemia em cães causada por carrapatos: Tratamento e Recuperação
Receber o diagnóstico de que seu cão está com anemia profunda devido à doença do carrapato é um momento assustador para qualquer tutor. Eu vejo essa cena repetidamente no meu consultório e percebo o medo nos olhos dos donos quando explico que aqueles pequenos parasitas causaram um estrago tão grande no sangue do animal. A boa notícia é que, com o tratamento correto e iniciado a tempo, a recuperação é totalmente possível e costuma ser muito satisfatória.
Você precisa entender que o carrapato não apenas suga o sangue do seu cachorro. O problema maior é o que ele injeta na corrente sanguínea do seu amigo. Ao picar, o carrapato transmite bactérias ou protozoários que atacam as células de defesa e os glóbulos vermelhos. É essa destruição celular massiva que leva à anemia severa e que exige uma intervenção veterinária rápida e agressiva para reverter o quadro.
Neste guia completo, vou conversar com você como faço com meus clientes na sala de exame. Vamos passar por cada etapa do tratamento, desde os medicamentos até a alimentação em casa. Quero que você saia daqui sentindo-se preparado para ajudar seu cão a vencer essa batalha e voltar a abanar o rabo com energia pela casa.
Entendendo a anemia infecciosa e seus agentes
A anemia causada por carrapatos geralmente deriva de duas doenças principais que ouvimos muito falar: a Erliquiose e a Babesiose. Embora ambas sejam transmitidas pelo mesmo vetor, o carrapato marrom, elas agem de formas diferentes no organismo. A Erliquiose é causada por uma bactéria que ataca os glóbulos brancos e afeta a medula óssea, o que leva a uma queda na produção de células sanguíneas. É uma doença traiçoeira que pode ficar silenciosa por semanas antes de derrubar a imunidade do animal.
Já a Babesiose é provocada por um protozoário que parasita diretamente os glóbulos vermelhos. Imagine que esse microrganismo entra na célula sanguínea e se multiplica até explodi-la. Essa destruição direta causa uma anemia hemolítica muito rápida. O corpo do seu cachorro tenta repor essas células, mas a velocidade de destruição costuma ser maior que a de produção. É comum encontrarmos cães com as duas doenças ao mesmo tempo, o que chamamos de coinfeção, tornando o quadro anêmico ainda mais grave e desafiador.
Muitos tutores me perguntam por que a anemia evolui tão rápido. A resposta está na resposta imunológica do próprio cão. O sistema de defesa identifica que as células sanguíneas estão infectadas e começa a destruí-las para tentar eliminar o invasor. Ocorre uma espécie de “fogo amigo” onde o baço remove glóbulos vermelhos infectados e saudáveis indiscriminadamente. Isso gera uma queda abrupta no hematócrito, que é a porcentagem de sangue composta por células vermelhas, levando à fraqueza extrema que você percebe em casa.
Identificando os sinais de alerta no seu cão
Aprender a avaliar a coloração das mucosas é a habilidade mais importante que você pode ter em casa. Levante o lábio do seu cachorro e olhe a gengiva. Em um cão saudável, ela deve ser rosada, viva e brilhante. Na anemia, essa cor desaparece, dando lugar a um tom rosa pálido, branco como papel ou até acinzentado. Se você apertar a gengiva com o dedo e a cor demorar mais de dois segundos para voltar, isso indica má perfusão sanguínea. Esse teste simples é o primeiro indicador de que a oxigenação dos tecidos está comprometida.
A apatia que acompanha a doença do carrapato é diferente daquela preguiça de um dia chuvoso. É um cansaço profundo. O cão anêmico não tem combustível, ou seja, oxigênio, chegando aos músculos e ao cérebro. Você vai notar que ele levanta para comer e logo deita, ou para de receber você na porta. Ele pode tentar brincar e se cansar em minutos, ficando ofegante. Essa intolerância ao exercício é um grito do corpo pedindo repouso para conservar energia vital para os órgãos principais.
Existem também os sintomas silenciosos que muitas vezes passam despercebidos na correria do dia a dia. A febre na doença do carrapato costuma ser cíclica. O cão pode estar quente e prostrado de manhã e parecer melhor à tarde. A perda de peso é outro sinal clássico, pois o corpo consome as reservas musculares para tentar combater a infecção. Fique atento também a pequenos sangramentos nasais ou pontinhos vermelhos na barriga e nas orelhas, chamados petéquias. Eles indicam que, além da anemia, as plaquetas (responsáveis pela coagulação) também estão baixas.
O caminho do diagnóstico no consultório veterinário
Quando você chega ao consultório, o primeiro passo é sempre o hemograma completo. Não há como tratar anemia “no escuro”. Precisamos ver os números. No hemograma, avaliamos o hematócrito e a hemoglobina para medir a gravidade da anemia. Também olhamos a contagem de leucócitos para ver como está a resposta inflamatória. Mas o ponto crucial na suspeita de doença do carrapato é a contagem de plaquetas. Uma queda brusca nas plaquetas, a trombocitopenia, é a assinatura clássica da Erliquiose, muitas vezes aparecendo antes mesmo da anemia severa.
Além do hemograma, usamos testes específicos para confirmar qual é o agente causador. Os testes rápidos de consultório, conhecidos como 4DX ou similares, são ótimos para uma triagem inicial e detectam anticorpos contra a doença. No entanto, em fases muito iniciais, eles podem dar falso negativo. Por isso, muitas vezes solicitamos o PCR, um exame molecular que busca o DNA da bactéria ou do protozoário no sangue. O PCR é extremamente sensível e nos diz exatamente quem é o inimigo que estamos combatendo.
Investigar coinfeccões é parte essencial do diagnóstico de sucesso. Como mencionei, o carrapato é um “combo” de doenças. Tratar apenas a Erliquiose e deixar passar uma Babesiose, ou até uma Anaplasmose, pode impedir a recuperação completa do animal. Às vezes, o cão melhora um pouco, mas a anemia persiste porque um dos agentes não foi combatido. Um diagnóstico completo nos permite desenhar uma estratégia de guerra que cobre todas as frentes de batalha, garantindo que não sobrem focos de infecção.
O protocolo de tratamento medicamentoso
O pilar do tratamento para a Erliquiose é a Doxiciclina. Este é um antibiótico da família das tetraciclinas e é o padrão ouro mundial. O tratamento é longo e isso assusta alguns tutores. Precisamos manter a medicação por 28 dias consecutivos, sem falhas. Por que tanto tempo? A bactéria pode se esconder dentro das células e em tecidos onde o antibiótico demora a chegar. Parar o tratamento quando o cão melhora visualmente, lá pelo décimo dia, é um erro fatal que leva à forma crônica da doença. Você deve seguir o ciclo completo para garantir a cura bacteriológica.
No caso da Babesiose, a Doxiciclina não resolve sozinha, pois estamos lidando com um protozoário. Aqui entra o Dipropionato de Imidocarb. É uma injeção que costuma ser dolorida e pode causar efeitos colaterais imediatos, como salivação excessiva, tremores e até vômitos. Nós fazemos essa aplicação no consultório, geralmente em duas doses com intervalo de 14 dias, e monitoramos o animal de perto nos minutos seguintes. O Imidocarb é potente e visa esterilizar o sangue desse parasita, interrompendo a destruição dos glóbulos vermelhos.
O tratamento medicamentoso é pesado para o estômago do cão. A Doxiciclina, em especial, pode causar esofagite e gastrite severa se não for administrada corretamente. Eu sempre prescrevo protetores gástricos e recomendo que o antibiótico seja dado sempre com comida, nunca em jejum completo. Se o cão começar a vomitar a medicação, precisamos intervir com antieméticos injetáveis ou orais. O sucesso do tratamento depende da absorção do remédio, então manter o estômago do seu pet confortável é prioridade absoluta.
Transfusão de sangue e cuidados intensivos
Existem momentos em que os remédios demoram a fazer efeito e a anemia é tão profunda que coloca a vida em risco imediato. Quando o hematócrito cai abaixo de 15% ou 12%, dependendo da velocidade da queda e dos sintomas clínicos, a transfusão de sangue torna-se mandatória. O sangue transfundido não cura a doença, ele “compra tempo”. Ele fornece os glóbulos vermelhos necessários para oxigenar o cérebro e o coração enquanto os antibióticos começam a matar as bactérias e a medula óssea ganha fôlego para voltar a trabalhar.
A transfusão em cães exige testes de compatibilidade, assim como em humanos. Embora cães que nunca receberam sangue tenham menos risco de reação na primeira transfusão, não arriscamos. Fazemos um teste de prova cruzada para garantir que o sangue do doador não será destruído pelo sistema imune do seu cão receptor. Esse processo leva algum tempo no laboratório, por isso a decisão pela transfusão não pode ser deixada para o último segundo. É um procedimento que salva vidas, mas exige técnica e monitoramento constante.
Após a transfusão, o monitoramento na clínica ou hospital é intenso. Ficamos de olho em reações alérgicas, febre ou sinais de rejeição. A recuperação costuma ser visível nas primeiras 24 horas após o procedimento. O cão volta a ter cor nas gengivas, come melhor e fica mais alerta. No entanto, é vital lembrar que o sangue novo tem vida útil. A medula do seu cão precisa assumir a produção. Continuamos monitorando o hematócrito diariamente ou a cada 48 horas para garantir que os níveis estão se mantendo estáveis ou subindo.
Nutrição estratégica para recuperação da medula
A nutrição é o combustível para a fábrica de sangue que é a medula óssea. Durante a recuperação da anemia, seu cão precisa de substratos de alta qualidade. Alimentos ricos em proteínas de alto valor biológico são fundamentais. Fígado bovino ou de frango é um superalimento nesses casos, pois é rico em ferro e vitaminas do complexo B. No entanto, ele deve ser oferecido cozido e em quantidades moderadas para não causar diarreia. Vegetais verde-escuros também ajudam, mas a absorção de ferro de origem animal é sempre superior nos carnívoros.
Muitas vezes, a alimentação natural sozinha não supre a demanda aguda de um corpo doente. É aqui que entram os suplementos hematínicos comerciais. Produtos contendo ferro quelatado, ácido fólico, vitamina B12 e minerais como cobre e zinco aceleram a regeneração sanguínea. Eu costumo prescrever esses suplementos líquidos ou em comprimidos palatáveis para serem dados junto com as refeições. Eles agem como catalisadores, garantindo que não falte tijolo nem cimento para a construção das novas células vermelhas.
O grande desafio é quando o cão anêmico não quer comer. A anorexia é comum devido à febre e ao mal-estar. Nesses casos, a alimentação assistida é necessária. Usamos patês hipercalóricos de recuperação (aquelas latinhas de “recovery”) que são fáceis de engolir e altamente nutritivos. Se necessário, você pode diluir um pouco e oferecer na seringa, com muita paciência e carinho, colocando pequenas porções na lateral da boca. Manter o cão hidratado e nutrido é 50% da cura; remédio nenhum funciona em um corpo sem energia.
Blindando seu cão contra reinfecções
Não adianta tratarmos a doença se o cão continuar sendo picado. Durante o tratamento, a imunidade está baixa e uma nova carga parasitária pode ser fatal. A escolha do antiparasitário é crítica. Eu recomendo fortemente o uso de isoxazolinas orais (os comprimidos mastigáveis modernos) devido à sua eficácia e rapidez de ação. Eles matam o carrapato pouco tempo após a picada, impedindo que ele transmita novas doenças ou continue debilitando o animal. Banhos carrapaticidas têm efeito curto e não são suficientes para infestações severas.
O controle ambiental é onde a maioria das pessoas falha. Para cada carrapato que você vê no cachorro, existem dezenas no ambiente, nas frestas de muros, casinhas e no quintal. Você precisa tratar a sua casa simultaneamente ao tratamento do cão. Utilize produtos específicos para o ambiente à base de piretróides ou outros venenos ambientais, focando em rodapés, batentes de portas e locais onde o cão dorme. O fogo (vassoura de fogo) pode ser usado em quintais de cimento e muros, com cuidado, pois é muito eficaz contra ovos e larvas.
Após a cura clínica, o acompanhamento não acaba. A Erliquiose pode ter uma fase subclínica onde o cão parece bem, mas ainda carrega o agente. Recomendo repetir o hemograma e, se possível, a sorologia ou PCR, alguns meses após o fim do tratamento. Consultas regulares ao veterinário e manutenção rigorosa do antiparasitário, faça chuva ou faça sol, são a única garantia de que seu amigo peludo não passará por esse susto novamente. A prevenção é, sem dúvida, mais barata e menos dolorosa que o tratamento.
Comparativo de Antiparasitários Orais para Prevenção e Tratamento
Para auxiliar na escolha da proteção contínua do seu cão durante e após o tratamento, preparei um quadro comparativo focado no Simparic, que é amplamente utilizado, em relação a duas outras opções líderes de mercado.
| Característica | Simparic (Sarolaner) | Bravecto (Fluralaner) | Nexgard (Afoxolaner) |
| Duração da Proteção | 35 dias (proteção mensal garantida) | 12 semanas (aprox. 3 meses) | 30 dias (proteção mensal) |
| Início de Ação (Carrapatos) | Começa a matar em 8 horas | Começa a matar em 12 horas | Começa a matar em 8 horas |
| Espectro de Ação | Carrapatos, Pulgas e 3 tipos de Sarnas | Carrapatos e Pulgas (Sarnas em bula) | Carrapatos e Pulgas |
| Indicação de Idade | A partir de 8 semanas e 1,3kg | A partir de 8 semanas e 2kg | A partir de 8 semanas e 2kg |
| Palatabilidade | Alta (sabor fígado) | Alta (sabor fígado) | Alta (sabor carne) |
| Custo-benefício | Médio (ideal para orçamentos mensais) | Alto inicial (mas dilui em 3 meses) | Médio (similar ao Simparic) |
Nota do Veterinário: Todos os três produtos são excelentes e seguros. A escolha pelo Simparic muitas vezes se dá pela conveniência da proteção contra sarnas (que podem aparecer em cães com imunidade baixa) e pelo custo mensal mais acessível para muitos tutores, permitindo um controle financeiro mais fácil durante o tratamento oneroso da anemia. O importante é não deixar seu cão desprotegido nem por um dia.


