Verme do coração (Dirofilariose): O perigo do litora
Verme do coração (Dirofilariose): O perigo do litora

Verme do coração (Dirofilariose): O perigo do litora

O que é a Dirofilariose e por que ela assusta tanto?

Você provavelmente já ouviu falar que o litoral exige cuidados redobrados com seu cachorro, mas talvez não saiba exatamente a magnitude do problema que vive na brisa do mar. A Dirofilariose, popularmente chamada de verme do coração, é uma doença parasitária grave causada por um nematoide chamado Dirofilaria immitis.[4][5] Diferente dos vermes intestinais comuns que você vê nas fezes, este inimigo se esconde onde você não consegue ver: dentro dos vasos sanguíneos e do coração do seu animal. Ele é silencioso, progressivo e, infelizmente, pode ser fatal se não diagnosticado a tempo.

A conexão com o litoral e áreas de mata é direta e biológica, não apenas uma coincidência geográfica. Essas regiões possuem a combinação perfeita de calor e umidade, criando o berçário ideal para os mosquitos transmissores. Embora o litoral seja historicamente a zona endêmica mais famosa no Brasil, é fundamental que você entenda que a doença não respeita fronteiras municipais. Com o transporte frequente de cães em viagens de férias, o parasita tem migrado para cidades do interior, criando novos focos da doença longe da praia.

O grande vilão dessa história, além do próprio verme, é o vetor: o mosquito. Diversos gêneros de mosquitos, incluindo o onipresente Aedes aegypti e o Culex (o pernilongo comum), podem transmitir a doença. Quando um mosquito pica um cão infectado, ele ingere as microfilárias (filhotes do verme) que estão no sangue. Dentro do mosquito, essas larvas amadurecem e se tornam infectantes. Na próxima picada, elas não apenas sugam sangue, mas “cospe” essas larvas na pele do seu cão, iniciando um ciclo devastador.

Entendendo o inimigo: Dirofilaria immitis

Dirofilaria immitis é um parasita fascinante do ponto de vista biológico, mas aterrorizante para a saúde clínica. Ele pertence à classe dos nematoides e tem uma evolução lenta dentro do hospedeiro. Isso significa que, ao contrário de uma virose que derruba o cão em dias, o verme do coração trabalha nos bastidores por meses. Ele evolui de larvas microscópicas para vermes adultos que parecem espaguetes cozidos, podendo atingir até 30 centímetros de comprimento.

Esses vermes adultos têm uma predileção específica pelo sistema arterial pulmonar. Eles não buscam o intestino ou o estômago; eles querem o fluxo sanguíneo intenso que sai do coração em direção aos pulmões. É ali que eles se alojam, causam inflamação e começam a obstruir a passagem do sangue. A presença física deles funciona como uma barreira mecânica, forçando o coração a trabalhar dobrado para bombear o sangue através de artérias entupidas por “macarrões” vivos.

A biologia desse verme é tão adaptada que eles podem viver por cinco a sete anos dentro do cão. Durante esse tempo, as fêmeas liberam milhões de microfilárias na corrente sanguínea, garantindo que qualquer mosquito que pique seu animal possa levar a doença para o cachorro do vizinho. É um ciclo de perpetuação extremamente eficiente que transforma seu pet não tratado em um reservatório ambulante da doença, colocando toda a vizinhança canina em risco.

A conexão com o litoral e áreas de mata

Se você frequenta praias, mangues ou regiões de mata atlântica, seu cão está na linha de frente. A densidade de mosquitos nessas áreas é exponencialmente maior do que em centros urbanos secos. A brisa do mar traz umidade, e as poças de água parada nas regiões litorâneas são incubadoras naturais para os vetores. Não é raro atendermos pacientes que passaram apenas um final de semana na praia e voltaram infectados.

A questão do litoral envolve também a falsa sensação de segurança fora da alta temporada. Muitos tutores acreditam que só devem proteger seus animais no verão. No entanto, em um país tropical como o Brasil, o mosquito não tira férias no inverno. Em regiões litorâneas, a temperatura raramente cai a ponto de inibir o ciclo do mosquito, tornando a transmissão um risco durante os 365 dias do ano. Se você tem casa na praia ou visita o litoral esporadicamente, a proteção não pode ser sazonal.

Além do litoral, áreas de represas, sítios e condomínios com muita vegetação e lagos ornamentais também mimetizam esse ambiente de risco. O mosquito não precisa de mar; ele precisa de sangue e água parada. Portanto, mesmo que você more longe da costa, se o ambiente ao seu redor favorece a proliferação de insetos, seu animal está exposto à mesma dinâmica de transmissão que veríamos em uma casa de praia.

O papel dos mosquitos (Culicídeos) na transmissão

Os mosquitos não são apenas transporte; são incubadoras obrigatórias. Se um cão infectado morder outro cão, a doença não é transmitida. Se um cão lamber o sangue de outro, nada acontece. O verme precisa passar um tempo dentro do mosquito para mudar de fase larval L1 para L3. Essa metamorfose é dependente da temperatura ambiente. Dias mais quentes aceleram esse processo, tornando o mosquito infectante mais rápido.

O comportamento dos mosquitos também influencia o risco. Muitos culicídeos têm hábitos crepusculares, sendo mais ativos ao amanhecer e ao entardecer. É exatamente nesses horários que gostamos de passear com nossos cães na praia ou no parque. Ao expor o animal nesses horários de pico de atividade dos vetores sem proteção adequada, você aumenta drasticamente as chances de uma picada infectante.

Outro ponto crucial é que o mosquito não discrimina raça, tamanho ou pelagem. Cães de pelo longo podem ter uma barreira física leve, mas mosquitos são especialistas em encontrar áreas vulneráveis como barriga, orelhas e focinho. Não existe imunidade natural contra a picada. O único bloqueio efetivo entre a saliva do mosquito e a corrente sanguínea do seu cão é a barreira química que nós, veterinários, prescrevemos através de preventivos.

Do Mosquito ao Coração: O Ciclo Silencioso

A picada e a entrada das larvas L3

Tudo começa de forma invisível. O mosquito pousa, pica e deixa na superfície da pele uma gotinha de hemolinfa contendo as larvas no estágio L3. Curiosamente, essas larvas não são injetadas diretamente na veia como uma agulha faria. Elas penetram ativamente pelo buraco deixado pela picada do mosquito e se instalam no tecido subcutâneo. É uma invasão discreta que não causa dor imediata nem sintomas visíveis no local.

Neste estágio, as larvas são extremamente vulneráveis, mas também muito pequenas para serem detectadas por exames comuns. Elas permanecem no tecido subcutâneo e muscular por alguns dias, alimentando-se e preparando-se para a próxima muda. É aqui que a maioria dos preventivos mensais atua: eles matam essas formas larvares antes que elas tenham a chance de migrar para lugares mais profundos e perigosos do corpo.

Se o cão não estiver sob proteção de medicamentos macrocíclicos (a classe de drogas usada na prevenção), as larvas L3 sofrem uma muda para L4 em poucos dias. A partir desse momento, elas ganham resistência e começam a viajar pelos tecidos. A janela de oportunidade para impedir a infecção de forma simples começa a se fechar, e o relógio biológico da doença começa a contar contra a saúde do seu animal.

A migração oculta pelo corpo (L4 a adulto)

A fase de migração é um período de silêncio clínico absoluto. As larvas L4 viajam pelos tecidos musculares e entram na corrente sanguínea venosa, navegando em direção ao tórax. Esse processo de maturação e migração dura cerca de 70 a 90 dias. Durante todo esse tempo, seu cachorro continua comendo, brincando e latindo normalmente. Não há tosse, não há febre, não há sinal de que algo está errado.

Ao chegarem às artérias pulmonares, as larvas juvenis (agora chamadas de L5 ou adultos imaturos) ainda são pequenas, mas começam a crescer rapidamente. O sistema imunológico do cão pode tentar atacar, causando uma inflamação nos vasos pulmonares, mas os vermes são mestres em evasão. Eles se instalam nas artérias menores e, à medida que crescem, forçam seu caminho para artérias maiores e, eventualmente, para o lado direito do coração.

Essa jornada silenciosa é o motivo pelo qual o diagnóstico precoce é tão difícil sem exames de rotina. Quando os vermes atingem a maturidade sexual, cerca de 6 a 7 meses após a picada inicial, eles começam a reproduzir. Só agora, meio ano depois daquela viagem à praia, é que os primeiros sinais clínicos sutis podem começar a aparecer ou que um teste de sangue rápido daria positivo.

Alojamento no coração e artérias pulmonares (Síndrome da Veia Cava)

Quando os vermes adultos ocupam as artérias pulmonares, eles causam uma endarterite — uma inflamação da parede das artérias. Com o tempo, essa inflamação torna os vasos rígidos e estreitos, aumentando a pressão que o coração precisa exercer para bombear sangue. Isso resulta em hipertensão pulmonar, uma condição grave que sobrecarrega o ventrículo direito do coração, levando a uma hipertrofia cardíaca.

Em infecções massivas, ocorre o cenário de pesadelo para qualquer veterinário: a Síndrome da Veia Cava. Isso acontece quando há tantos vermes que eles não cabem mais apenas nas artérias pulmonares e recuam para dentro do ventrículo direito e átrio direito, bloqueando fisicamente a válvula tricúspide. O emaranhado de vermes impede o fechamento da válvula e bloqueia o fluxo de sangue que volta do corpo para o coração.

A Síndrome da Veia Cava é uma emergência cirúrgica. O cão entra em colapso agudo, apresenta urina cor de coca-cola (hemoglobinúria) devido à destruição das células sanguíneas batendo nos vermes, e respiração extremamente dificultosa. Sem intervenção imediata para remoção mecânica dos vermes — literalmente puxando-os para fora através da veia jugular — o óbito ocorre em questão de horas ou dias.

Sinais de Alerta: Quando levar seu pet ao veterinário

Fase assintomática: O perigo invisível

A maior armadilha da dirofilariose é a fase assintomática. A maioria dos cães que diagnosticamos em exames de check-up não apresenta nenhum sintoma visível para o tutor. O animal parece perfeitamente saudável, com pelo brilhante e apetite voraz. No entanto, lá dentro, as artérias pulmonares já estão sofrendo lesões microscópicas irreversíveis. A ausência de sintomas não significa ausência de doença.

Cães sedentários mascaram a doença por mais tempo. Como eles não exigem muito do sistema cardiorrespiratório, a capacidade reduzida do pulmão passa despercebida. Já cães atletas ou muito ativos podem demonstrar sinais mais cedo, pois a demanda por oxigênio revela a ineficiência causada pelos vermes. Por isso, a rotina de exames anuais é inegociável, independentemente de como o cão se comporta em casa.

Você deve entender que esperar o sintoma aparecer é esperar que o dano já esteja feito. O objetivo da medicina veterinária moderna é a prevenção e a detecção precoce. Quando você vê o sintoma, já estamos correndo atrás do prejuízo, tentando gerenciar uma doença crônica em vez de apenas prevenir uma infecção.

Tosse, cansaço e intolerância ao exercício

O primeiro sinal clínico clássico é a tosse. Não é uma tosse de engasgo, mas uma tosse seca, persistente, que muitas vezes piora após o exercício ou à noite. Essa tosse ocorre porque os vermes e a inflamação nas artérias irritam o tecido pulmonar. Além disso, o fluido pode começar a vazar para o pulmão devido à hipertensão, causando edema.

A intolerância ao exercício é o segundo grande alerta. Você joga a bolinha, ele corre duas vezes e se deita, ofegante demais para continuar. Ou ele para no meio da caminhada habitual e se recusa a andar. Isso acontece porque o coração não consegue bombear sangue oxigenado suficiente para os músculos devido à obstrução nas artérias pulmonares. O cão quer brincar, mas o corpo não permite.

A perda de peso e a falta de apetite (anorexia) aparecem conforme a doença progride para um estado inflamatório crônico. O esforço constante para respirar e bombear sangue consome uma quantidade enorme de energia. O cão começa a ficar “seco”, perdendo massa muscular, especialmente na linha da coluna e nos quadris, mesmo que ainda esteja comendo razoavelmente bem.

Sinais graves: Síncope e ascite (barriga d’água)

Quando a doença atinge estágios avançados (Classe III ou IV), vemos sinais de insuficiência cardíaca direita congestiva. O sangue que deveria entrar no coração fica represado nas veias do corpo. Isso causa o extravasamento de líquido para a cavidade abdominal, condição chamada de ascite. A barriga do cão fica distendida, cheia de líquido, dando uma aparência de “tambor”, enquanto as costelas ficam visíveis pela perda de peso.

A síncope, ou desmaio, é outro sinal aterrorizante. O cão pode estar caminhando ou se excitando com a sua chegada, e de repente cai de lado, perde a consciência por alguns segundos e depois acorda confuso. Isso ocorre porque o fluxo de sangue para o cérebro é momentaneamente interrompido pela obstrução dos vermes ou por arritmias cardíacas causadas pelo coração dilatado.

Nesse ponto, o dano cardíaco e pulmonar é extenso. O tratamento torna-se um risco de vida por si só, e a qualidade de vida do animal está severamente comprometida. A respiração torna-se trabalhosa mesmo em repouso, e as mucosas (gengiva, parte interna dos olhos) podem ficar pálidas ou arroxeadas (cianóticas) pela falta de oxigenação adequada.

Diagnóstico: Caçando o verme antes que seja tarde

O Teste de Antígeno (Snap Test) e suas limitações

O método mais comum de diagnóstico na clínica é o teste de antígeno, conhecido popularmente como Snap Test ou teste rápido. Ele funciona detectando uma proteína liberada pelo útero da fêmea adulta do verme. É um teste excelente, rápido e específico, mas tem uma pegadinha: ele só dá positivo se houver fêmeas adultas. Se o seu cão tiver apenas vermes machos ou vermes jovens que ainda não amadureceram, o teste dará um “falso negativo”.

Isso cria uma janela cega de cerca de 6 meses pós-infecção onde nenhum teste de antígeno vai funcionar. Se você viajou para a praia em janeiro e testou seu cão em fevereiro, o resultado negativo não garante nada. O teste ideal deve ser feito cerca de 7 meses após a última exposição ao risco para garantir que, se houver vermes, eles já sejam adultos detectáveis.

Além disso, complexos imunes no sangue do cão podem, às vezes, “esconder” o antígeno, exigindo que o laboratório faça um processo de aquecimento da amostra para liberar essas proteínas e permitir a detecção. Por isso, em casos suspeitos com teste rápido negativo, sempre enviamos sangue para um laboratório de referência para análises mais profundas.

Pesquisa de microfilárias (Teste de Knott)

Para complementar o diagnóstico, buscamos os “filhotes” do verme no sangue. O Teste de Knott modificado é uma técnica laboratorial onde concentramos o sangue para tentar visualizar as microfilárias no microscópio. Ver essas larvas nadando na lâmina é o confirmatório definitivo de que há adultos reproduzindo dentro do cão.

No entanto, cerca de 20% a 30% dos cães com vermes adultos não têm microfilárias circulantes (infecção oculta). Isso pode acontecer se o sistema imune do cão matou os filhotes, se o cão está tomando preventivos que matam as larvas mas não os adultos, ou se os vermes adultos ainda não estão se reproduzindo. Portanto, não achar microfilária não significa que o cão está livre da doença.

A combinação do teste de antígeno com a pesquisa de microfilárias é o padrão-ouro para triagem. Fazer apenas um deles deixa margem para erro. Como veterinários, precisamos montar um quebra-cabeça com várias peças para ter certeza do status sanitário do seu animal.

Ecocardiograma e Raio-X: Vendo o estrago por dentro

Quando temos um teste positivo ou uma suspeita clínica forte, precisamos ver o coração. O Raio-X de tórax é fundamental para avaliar as artérias pulmonares. Na dirofilariose, vemos artérias tortuosas, aumentadas e inflamadas, além de alterações no formato do coração que indicam o aumento do lado direito (o “D” invertido clássico na radiografia). Também avaliamos o pulmão para ver se há pneumonia verminosa ou edema.

O ecocardiograma é ainda mais específico. Muitas vezes, o cardiologista consegue visualizar os próprios vermes dentro da artéria pulmonar ou do ventrículo direito. Eles aparecem como “sinais de igual” (=) flutuando no ultrassom. Além de ver o parasita, o eco mede a pressão da artéria pulmonar, o que nos ajuda a classificar a gravidade da doença e decidir se o tratamento é viável ou arriscado demais.

Esses exames de imagem não servem apenas para diagnóstico, mas para estadiamento. Um cão com teste positivo mas coração normal tem um prognóstico muito melhor e um tratamento mais seguro do que um cão que já apresenta hipertensão pulmonar severa e insuficiência cardíaca.

Mitos e Verdades sobre a Transmissão em Ambientes Internos

O mosquito dentro de casa: Eles entram mesmo

Um dos maiores erros que ouço no consultório é: “Doutor, meu cachorro não precisa de remédio porque ele vive em apartamento e não sai na rua”. Isso é um mito perigoso. Os mosquitos do gênero Culex e Aedes são extremamente antropofílicos — eles gostam de viver perto de humanos e, consequentemente, de seus pets. Eles entram pelo elevador, pelas frestas das portas e aproveitam o momento em que você abre a porta da sacada.

Estudos mostram que uma porcentagem significativa de cães positivos para dirofilariose são descritos pelos donos como “cães de interior”. O mosquito não respeita a escritura do imóvel. Se há um ser vivo exalando CO2 (o que atrai o mosquito), ele vai tentar entrar. Dentro de casa, muitas vezes o ambiente é mais estável e protegido do vento, facilitando o voo e a picada do inseto.

Além disso, microambientes dentro de condomínios — como vasos de plantas no hall, ralos com pouca circulação ou a piscina do vizinho — garantem que o vetor esteja sempre a poucos metros da sua janela. Achar que paredes protegem seu animal de um inseto voador é subestimar a biologia do vetor.

A ilusão do ar-condicionado e telas

O ar-condicionado ajuda a repelir mosquitos? Sim, o frio diminui a atividade deles. Mas você mantém o ar ligado 24 horas por dia, em todos os cômodos? O mosquito precisa de apenas alguns minutos de oportunidade. As telas mosquiteiras são barreiras físicas excelentes, mas não são infalíveis. Elas rasgam, ficam mal encaixadas ou simplesmente abrimos a porta de vidro para estender uma roupa e o inseto entra.

Confiar apenas em barreiras físicas é como jogar roleta russa. Basta um único mosquito infectado que conseguiu furar o bloqueio para transmitir a doença. A prevenção farmacológica é a única barreira que está “ativa” no sangue do seu cão 24 horas por dia, independentemente se a janela ficou aberta ou se o ar-condicionado foi desligado.

Por que cães de apartamento também precisam de proteção

A realidade urbana mudou. As ilhas de calor nas cidades criam microclimas que favorecem a sobrevivência dos mosquitos mesmo em épocas mais frias. Cães de apartamento descem para fazer as necessidades na rua, muitas vezes de manhã cedo ou à noite — exatamente nos horários de pico dos mosquitos.

Mesmo que o passeio seja rápido, o risco existe. E como vimos, a infecção dentro do próprio apartamento é possível. O custo de prevenir é infinitamente menor do que o custo biológico e financeiro de tratar. Portanto, a diretriz veterinária é clara: todo cão, seja de sítio ou de cobertura no vigésimo andar, deve receber prevenção contra dirofilariose se viver em ou visitar áreas onde o vetor existe (o que cobre quase todo o Brasil habitado).

A Realidade do Tratamento: Custos, Riscos e Protocolos

O desafio da Melarsomina e sua disponibilidade

Se o diagnóstico for positivo, entramos em um terreno difícil. O único medicamento aprovado que mata os vermes adultos rapidamente é a Melarsomina. É um derivado de arsênico injetável, aplicado na musculatura lombar. O problema é que, no Brasil, a disponibilidade desse fármaco é inconstante e o custo é elevadíssimo. Muitas vezes, precisamos importar a medicação, o que atrasa o início do tratamento.

A aplicação é dolorosa e exige que o animal fique internado ou sob observação estrita. Além disso, existe uma técnica específica de aplicação profunda para evitar necrose na pele e músculos do cão. Não é um “remédinho” simples; é uma quimioterapia agressiva contra um parasita grande alojado num órgão vital.

O protocolo “Slow Kill” e a bactéria Wolbachia

Devido à dificuldade de acesso à Melarsomina, muitos veterinários no Brasil usam o método “Slow Kill” (morte lenta). Usamos lactonas macrocíclicas (como a moxidectina) associadas a um antibiótico chamado Doxiciclina. A Doxiciclina não mata o verme diretamente, mas mata a Wolbachia, uma bactéria que vive dentro do verme em simbiose. Sem a bactéria, o verme fica estéril, enfraquece e morre mais rápido (embora ainda leve meses).

O problema do método “Slow Kill” é que, enquanto o verme está morrendo lentamente (pode levar mais de um ano), ele continua causando danos às artérias pulmonares. A doença continua progredindo enquanto tratamos. Não é o cenário ideal, mas muitas vezes é a única opção viável. Durante todo esse tempo, a restrição de exercício deve ser total.

O risco de tromboembolismo pulmonar durante a cura

A parte mais assustadora do tratamento não é a droga, mas o que acontece quando ela funciona. Quando os vermes morrem, eles se soltam e são levados pelo fluxo sanguíneo para os pulmões. Como são grandes, eles causam uma embolia (entupimento) maciça. O corpo do cão precisa reabsorver esses vermes mortos.

Isso causa uma inflamação violenta nos pulmões. O cão pode ter febre, tosse severa e dificuldade respiratória aguda semanas após o tratamento. Por isso, o repouso absoluto é a regra de ouro. Se o cão correr ou se agitar com o coração bombeando pedaços de vermes mortos, o risco de morte súbita é altíssimo. Tratar dirofilariose é caminhar em uma corda bamba, e é por isso que insistimos tanto na prevenção.

Prevenção: A Melhor (e Mais Barata) Medicina

Comprimidos e mastigáveis mensais

A prevenção é simples e eficaz. A forma mais comum são os comprimidos ou petiscos mastigáveis mensais. Eles contêm drogas como ivermectina, milbemicina ou moxidectina. Essas drogas funcionam “limpando” o organismo do cão das larvas que ele pegou nos últimos 30 dias. É um sistema retroativo: você dá o remédio hoje para matar o que entrou no mês que passou.

A vantagem é que muitos desses comprimidos já protegem contra pulgas, carrapatos e vermes intestinais no mesmo tablete (como o NexGard Spectra ou Simparica Trio). A desvantagem é a disciplina: esquecer de dar o remédio por 15 dias pode abrir uma janela de infecção que o medicamento não conseguirá reverter no mês seguinte.

Injeções anuais: A comodidade do ProHeart

Para tutores com vida corrida ou que esquecem datas, existe a opção injetável anual (moxidectina de liberação lenta). Aplicamos uma injeção no consultório que libera a medicação continuamente por 12 meses. Isso elimina a falha humana. O cão está protegido o ano todo, independentemente de você lembrar ou não. É uma opção excelente para quem viaja muito ou para cães difíceis de medicar via oral.

Pipetas e repelentes tópicos

Existem também as pipetas (pour-on) aplicadas na nuca, como a selamectina (Revolution) ou a moxidectina com imidacloprida (Advocate). Elas são absorvidas pela pele e funcionam sistemicamente. Algumas pipetas têm efeito repelente contra o mosquito, o que é um bônus, pois impede a picada. O ideal, em áreas de altíssimo risco, é o conceito de “dupla defesa”: usar um repelente (coleira ou pipeta) para afastar o mosquito E um preventivo interno (oral ou injetável) para matar qualquer larva que consiga entrar.

Comparativo de Produtos Preventivos

Para ajudar você a visualizar as opções, preparei este quadro comparativo. Lembre-se: o melhor produto é aquele que se adapta à sua rotina e ao seu bolso, desde que usado corretamente.

CaracterísticaInjetável Anual (ex: ProHeart)Comprimido Mensal (ex: Spectra, Trio, Cardalis)Pipeta Mensal (ex: Revolution, Advocate)
Frequência1 vez ao ano (feito pelo vet)Mensal (feito pelo tutor)Mensal (feito pelo tutor)
EspectroFocado em Dirofilariose e alguns vermes intestinaisGeralmente amplo (inclui pulgas/carrapatos em alguns)Amplo (alguns tratam sarnas e pulgas)
FacilidadeMáxima (esquecimento zero)Média (depende da aceitação do cão)Média (evitar banhos logo após aplicação)
Ideal paraTutores que esquecem datas ou viajam muitoCães que aceitam petiscos e proteção 3 em 1Cães com dificuldade de engolir ou pele sensível
SegurançaAltíssima (dose controlada pelo vet)Alta (margem de segurança ampla)Alta (seguro para a maioria das raças)

A dirofilariose é uma doença cruel, mas totalmente evitável. Não espere a tosse aparecer. Converse com seu veterinário hoje mesmo, faça o teste de triagem e inicie a prevenção. O custo de um comprimido mensal é irrelevante comparado ao custo emocional e financeiro de tentar salvar um coração infestado. Proteja quem você ama.

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